sexta-feira, 24 de outubro de 2014

15 - Servidores Públicos III


7) Responsabilidade do Servidor

O servidor, no desempenho de suas funções, eventualmente comete ilícitos administrativos, civis e penais, desencadeando, respectivamente, a responsabilidade administrativa, civil e penal, começando pela administrativa.
A responsabilidade administrativa do servidor decorre da prática de ato ou omissão contrários à lei, culposos ou dolosos, e que tenha acarretado dano. É apurada internamente pela Administração segundo o que dispõe o correspondente estatuto. Na esfera Federal, o estatuto consta da Lei nº 8.112/90. Em SP, da Lei nº 10.261/68. Em GO, da Lei 10.460/88.

Na Lei Federal, as sanções disciplinares são a advertência, a suspensão, a demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão e destituição de função comissionada.

No caso de ilícito administrativo, não ocorre a mesma tipicidade que ocorre no ilícito penal, pois a legislação costuma descrever as infrações mediante conceitos vagos, imprecisos, como por exemplo falta de cumprimento de dever, conduta escandalosa na repartição, falta grave, de sorte que haverá o exercício de competência discricionária para enquadrar um caso concreto de infração em conceito vago de ilícito previsto em lei.

Na escolha da pena, a lei costuma determinar que se leve em consideração a gravidade da infração, os danos causados ao serviço, os antecedentes funcionais da pessoa do infrator, de modo que também pode existir certa discricionariedade no tocante à escolha da pena.

No processo administrativo são assegurados o contraditório e a ampla defesa, como impõe a CF/88, art. 5º, LV. A partir dessa disposição, não há mais a possibilidade de aplicar a pena com base no princípio ou critério da verdade sabida. Por este princípio, a autoridade que tivesse conhecimento pessoal e direto da infração (como nos casos de "flagrante" presencial) podia, desde logo, aplicar a pena.

Pelo texto da Súmula Vinculante nº 5, a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar NÃO ofende a Constituição. Antes dessa SV, o STJ editou a Súmula nº 343 no sentido de que seria obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar. Como a SV nº foi editada, a 343 deixa de ter aplicação, ficando a salvo o disposto na Lei nº 8.112/90, art. 164, §2º, que dispõe sobre a nomeação de um servidor como defensor dativo do indiciado revel, não exigindo que ele seja advogado, mas apenas que ocupe cargo efetivo de mesmo nível ou superior ao do indiciado, ou que tenha nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado (diz-se que a SV nº 5 homenageou tal dispositivo da Lei).

A Lei paulista nº 10.261/68, alterada pela LC Estadual nº 942/2003, exige a indicação de um advogado para defesa do indiciado revel. A regra inserida na Lei paulista não ofende a SV nº 5, pois esta apenas estabeleceu que a falta de defesa técnica por advogado não ofende a CF/88 (nada diz sobre não ofender a lei), de modo que a exigência inserida em lei infraconstitucional deve ser cumprida. Em outras palavras, o devido processo legal em São Paulo exige a nomeação de advogado no PAD.


8) Responsabilidade Civil

O ilícito civil exige ação ou omissão culposas ou dolosas do agente público e que tenham causado dano. Este dano pode ser ao Estado ou a terceiro.

Relativamente aos danos causados ao Estado, é comum os estatutos dos servidores autorizarem o ressarcimento dos prejuízos mediante o desconto de um percentual dos vencimentos dos servidores. Parte da doutrina considera que esse desconto é autoexecutório, quer dizer, dispensa a concordância do servidor. Outra parte da doutrina entende que os descontos só podem ocorrer se houver concordância do servidor - o STF já decidiu neste sentido, conforme MS nº 24.182. De todo modo, na apuração dos valores devidos ao Estado, há a necessidade de oportunizar ao servidor os direitos à defesa e ao contraditório;

Em relação ao dano causado a terceiro, parte da doutrina entende possível que o prejudicado escolha entre acionar a pessoa da Administração Pública ou diretamente o servidor, ou ainda acionar ambos. Outra parte da doutrina sustenta não ser possível acionar diretamente o servidor, por força do disposto na CF/88, art. 37, §6º, e o STF já julgou nesse sentido, nos autos do RE nº 327.904. Nesse recurso, ficou assentado que o servidor não responde perante terceiro, mas perante a pessoa jurídica da Administração Pública a cujo quadro funcional se vincular.

Questiona-se, ainda, se a Administração, ao ser demandada, pode denunciar à lide o servidor. O melhor entendimento é no sentido de que a denunciação só será possível se a petição inicial discutir a culpa lato sensu, caso em que a lide secundária não introduziria fundamento novo à causa.

A regra da responsabilidade do Estado, como se sabe, é objetiva, ou seja, não há necessidade de discussão da culpa lato sensu. Existe posição divergente quando se trata de atos omissivos (omissões), em que a responsabilidade seria subjetiva pela culpa anônima do serviço.

O ilícito penal demanda ação ou omissão típica e antijurídica, dolosa ou culposa, existência de relação de causalidade e dano ou perigo de dano. O conceito de servidor público para fins penais mais se aproxima do conceito de agente público (gênero,  do qual são são espécies os agentes políticos, militares, particulares em colaboração e servidores públicos).

É evidente que a responsabilidade penal é apurada perante a justiça criminal.

Os estatutos dos servidores costumam prever que o servidor ou sua família recebam parte da remuneração enquanto preso. A Lei nº 8.112/90 instituiu o auxílio reclusão, que é de 1/3 da remuneração quando a prisão for decorrente de flagrante ou preventiva, e metade da remuneração se a prisão for decorrente de condenação por sentença definitiva que não determine a perda do cargo.


9) Comunicabilidade de Instâncias

Sabe-se que as instâncias cível, penal e administrativa são independentes, mas há situações em que elas se comunicam. Interessa-nos, sobretudo, saber se a decisão penal condenatória ou absolutória repercute na esfera administrativa, ou seja, em que medida as instâncias penal e administrativa se comunicam. A resposta deve ser dividida em duas partes.

Na primeira parte, considera-se que o agente praticou o ilícito que é, ao mesmo tempo, administrativo e penal. Havendo sentença penal condenatória, ela faz coisa julgada na esfera administrativa, e o servidor será punido administrativamente, ou seja, a autoridade administrativa não pode decidir diferentemente do juízo criminal.
  • Havendo sentença absolutória, nem sempre ela repercute na esfera administrativa. É preciso saber qual foi o fundamento da absolvição:
  • Caso a absolvição seja por negativa do fato ou de autoria, a sentença absolutória repercute na esfera administrativa, e ele não pode ser condenado administrativamente; 
  • Caso a sentença absolutória seja fundada na insuficiência de provas, nada impede que o servidor seja punido administrativamente, desde que haja provas do ilícito administrativo, que é de menor potencial ofensivo em relação a ilícito penal.
Na segunda parte, considera-se que o servidor praticou apenas um ilícito penal. Havendo absolvição, seja qual for o fundamento, a decisão absolutória impede a condenação na esfera administrativa, a não ser que ocorra a chamada "falta residual", isto é, se remanescer alguma infração administrativa não compreendida na absolvição criminal - vide Súmula nº 18-STF: Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admitida a punição administrativa do servidor público.
  • No que se refere à má conduta na vida privada, só se admite a punição na esfera administrativa se houver algum reflexo na vida funcional, sendo que para determinados agentes, como Magistrados, Promotores, Professores, etc., os deveres são mais abrangentes do que para outros agentes meramente burocráticos. Havendo condenação, também é necessário tal reflexo na vida funcional, notadamente porque a perda do cargo não é efeito automático da condenação, devendo ser motivada na sentença.
O CP, art. 92, I e Parágrafo único, estabelece que a perda do cargo público, da função pública ou do mandato eletivo não é efeito automático da condenação, devendo ser declarada na sentença nas seguintes hipóteses:
  • Quando a pena aplicada for igual ou superior a 1 ano nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
  • Quando a pena aplicada for por tempo superior a 4 anos nos demais casos.
Se o  agente público for agente político, como no caso dos Deputados ou Senadores, a perda do mandato, em regra, depende do julgamento por seus pares (a Câmara ou o Senado é quem deve dizer sobre a perda do cargo - CF/88, art. 55, §2º). Há, porém, que se fazer diferenciação entre os tipos de crimes, conforme restou definido no julgamento da AP nº 470 (Mensalão), da AP nº 565 (Sen. Ivo) e MS nº 32.326 (Dep. Donadon):

  • Se o crime for funcional, isto é, cometido em razão do cargo ocupado, não depende de julgamento pelos Pares, bastando que seja devidamente fundamentada nos termos do CP, art. 92;
  • Se o crime não for funcional (ex.: estupro), aí sim a perda do mandato depende de julgamento pelos Pares, para que eles digam se foi violado o decoro. Ora, o decoro é expressão de conteúdo subjetivo, e é possível de ser relativizado na prática conforme o padrão de comportamento aceitável pelos integrantes da Casa;
  • De qualquer modo, se o tempo de prisão for superior ao remanescente do mandato, ou se o regime inicial de cumprimento da pena impedir o Parlamentar de exercer seu mister, a perda do mandato pode ser declarada na sentença condenatória;
  • Em todo caso, a perda do mandato deve ser fundamentada, como deve ocorrer em qualquer decisão judicial.

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