terça-feira, 16 de dezembro de 2014

23 - Concurso de Crimes


Concurso de Crimes


1) Introdução

É o instituto que cuida da pluralidade de crimes praticados pelo mesmo agente mediante uma, duas ou mais condutas.
No concurso de crimes, surgem duas situações:

a) Concurso homogêneo: os crimes são idênticos (ex.: dois roubos, dois furtos, etc.);

b) Concurso heterogêneo: os crimes são diferentes (ex.: uma lesão e um homicídio, etc.).


O CP estabelece 3 espécies de concurso:


2) Concurso Material - CP, art. 69

É aquele no qual o agente, mediante duas ou mais condutas, pratica dois ou mais crimes (ex.: João, descuidadamente, engata a primeira marcha e atropela a sua cunhada, ferindo-a; na sequência, engatou a ré e atropela sua sogra, mantando-a; portanto, praticou uma lesão corporal e um homicídio culposos na direção de veículo automotor.
  • Consequência: é a somatória das penas, pois aqui o CP adotou o sistema do acúmulo material de penas.

3) Concurso Formal - CP, art. 70

Trata-se de instituto criado para beneficiar o agente, que mediante vontade única, pratica mais de um crime, evitando penas exageradas. Neste caso, o agente, mediante uma conduta, pratica dois ou mais crimes, dando lugar a duas situações:

a) Concurso formal próprio, ou perfeito - art. 70, caput, 1ª parte: neste caso, por excelência, os crimes decorrem de um único propósito (ex.: João, atrasado para o trabalho, descuidadamente engata a 1ª marcha e atropela a sogra, a cunhada e a mulher, ferindo a primeira, e matando as demais);
  • Pode acontecer em crimes culposos (como no exemplo acima), bem como em crimes dolosos (ex.: Antônio entra no ônibus e subtrai de 5 pessoas diferentes).
  • Consequência: a pena de um dos crimes tão somente, a saber, a do mais grave se diferentes, ou a de qualquer um deles se idênticas, será aumentada de 1/6 até 1/2 (atropela 5, é punido por no máximo por 1 e 1/2; furta de 5 e responde por apenas 1 e 1/2 no máximo);
  • O único critério que define este aumento de 1/6 até 1/2: é o número de crimes praticados - STF. Inclusive, doutrina e jurisprudência sugerem a seguinte tabela:
  • 2 crimes = 1/6; 
  • 3 crimes = 1/5; 
  • 4 crimes = 1/4; 
  • 5 crimes = 1/3; 
  • 6 crimes ou mais = 1/2. 
Neste ponto, o CP adotou o sistema da exasperação da pena. 


b) Concurso formal impróprio, ou imperfeito - art. 70, caput, 2ª parte: neste caso, os dois ou mais crimes praticados mediante conduta única decorrem de desígnios autônomos, isto é, vontade deliberada de praticar cada um dos crimes (ex.: João quer matar, de forma definida, a sua sogra, sua cunhada e sua mulher, e para tanto explode a casa que ocupavam). 
  • Consequência: somatória das penas, pois aqui foi adotado o sistema do acúmulo material, evitando indevido benefício de criminoso que deliberadamente quer praticar mais de um crime mediante conduta única;
  • Concurso material benéfico: trata-se de um instituto previsto no art. 70, Parágrafo único, criado para proteger o benefício sugerido no instituto do concurso formal. Como já visto, o concurso formal próprio foi criado para beneficiar o agente; portanto, não pode prejudicá-lo. Desta maneira, quando a pena resultante da incidência do aumento de 1/6 até a metade for maior que a somatória das penas, este dispositivo determina sejam somadas as penas;
  • Isto acontecerá quando dois crimes praticados mediante conduta única têm penas muito discrepantes, isto é, um tem a pena muito alta e o outro muito baixa.


4) Crime Continuado - CP, art. 71

É uma ficção jurídica, pois a realidade demonstra a prática de mais de um crime, mas para beneficiar o agente, evitando penas exageradas, o CP adotou a teoria da ficção, segundo a qual esses crimes praticados mediante mais de uma conduta devem ser considerados um crime só.

O exemplo clássico é o do mordomo que mensalmente subtrai uma garrafa de vinho da adega do patrão.

Com a reforma penal em 1984 surgiram duas situações de crime continuado: a do caput e a do Parágrafo único.

a) Crime continuado simples - art. 71, caput: neste caso o agente pratica dois ou mais crimes da mesma espécie conectados por semelhanças de tempo, lugar, modo de execução, entre outros. Por esta razão, os demais devem ser considerados como parte do primeiro, isto é, como um crime único (ex.: o do mordomo acima);
  • Consequência: aumento da pena de um dos crimes tão somente, qual seja, a do mais grave, se diferentes, ou a de qualquer um deles, se idênticas, na proporção de 1/6 a 2/3;
  • Aqui igualmente, o único critério que define este aumento é o número de crimes praticados; da mesma forma, doutrina e jurisprudência sugerem a seguinte tabela:
  • 2 crimes = 1/6; 
  • 3 crimes = 1/5; 
  • 4 crimes = 1/4; 
  • 5 crimes = 1/3; 
  • 6 crimes = 1/2; 
  • 7 crimes ou mais = 2/3.

  • O CP define requisitos objetivos na caracterização do crime continuado:
  • Crimes da mesma espécie: orientação mais rigorosa exige seja o mesmo tipo penal, ainda que consumado ou tentado, simples, privilegiado ou qualificado. De outro lado, orientação menos rigorosa admite a continuidade entre crimes semelhantes que ofendam o mesmo bem jurídico (ex.: furto e apropriação indébita; roubo e extorsão.
Conexão entre os crimes: semelhanças. As mais comuns são:

  • Conexão temporal: entre cada crime, como regra, não pode haver intervalo superior a 30 dias. No caso concreto, poderá haver intervalo superior (ex.: funcionário que todo natal rasga o pneu do carro do patrão);
  • Conexão espacial: como regra, os crimes devem ser praticadas ou, no máximo, em cidades vizinhas. No caso concreto, poderá haver conexão espacial entre crimes praticados em cidades bem distantes (ex.: aeromoça que vai furtando durante sua escala de trabalho);
  • Conexão modal: os crimes devem ser executados da mesma maneira (ex.: com os mesmos comparsas, todos mediante escalada, etc.);
  • Outras formas de conexão (ex.: ocasional, tal qual o ladrão que vai roubar um condomínio, percebe a facilidade e volta nos dias seguintes).
Além dos requisitos objetivos, exige-se requisito subjetivo na caracterização do crime continuado, isto é, o agente deve ter unidade de desígnios na sua prática?
  • Orientação majoritária atual exige também requisito subjetivo, consistente na unidade de desígnio. Portanto, está sendo adotada a teoria subjetivo-objetiva - STJ;
  • Alguns autores, porém, discordam desta exigência, porque ela tornaria o instituto letra morta no CP; a prova deste elemento subjetivo é muito difícil, além do quê favoreceria apenas criminosos audaciosos que de antemão podem planejar crimes em continuidade.

b) Crime continuado específico - art. 71, Parágrafo único: se verifica diante de crimes dolosos da mesma espécie praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, contra vítimas diferentes (ex.: tarado que na mesma semana estupra 7 mulheres diferentes no mesmo bairro). 
  • Consequência: aumento da pena do crime mais grave (se diferentes) ou a de qualquer um deles (se idênticas), até o triplo. 
É pacificado que o aumento mínimo é de 1/3, como acontece no caput;

Aqui, além do número de crimes praticados, outros critérios também definem este aumento, tais como a culpabilidade, personalidade, circunstâncias do crime, etc.; 
  • Aqui também deve ser respeitada a regra do concurso material benéfico do art. 70, Parágrafo único; 
  • Também deve ser observado o limite de 30 anos estabelecido no art. 75 do CP; 
Quando houver crimes violentos da mesma espécie praticados contra a mesma vítima, somente poderá incidir o instituto do caput. Caso contrário, haveria analogia em malam partem;

Este parágrafo único consagra a possibilidade de continuidade delitiva em crimes violentos, e torna superada a Súmula nº 605-STF, que proíbe continuidade em crimes contra a vida.


5) Prescrição em Concurso de Crimes

A prescrição no concurso de crimes sempre será calculada separada e individualizadamente em relação a cada crime - art. 119.

No crime continuado, a prescrição deve ser calculada diante da pena concreta imposta sem o aumento ou antes do aumento decorrente da continuidade - Súmula nº 497-STF.

A mesma regra vale para o cálculo da decadência.


6) Multa 

A multa no concurso de crimes deverá ser somada, conforme o art. 72. Todavia, há uma corrente que entende que no crime continuado, por conta da teoria da ficção jurídica, mesmo a pena de multa deverá sofrer aumento, nos termos do art. 71, e não somatória.





18 - Sanção Penal - Medida de Segurança

Sanção Penal

1) Conceito

2) Pena

3) Medida de Segurança

É a sanção penal imposta com fundamento na periculosidade (perigosidade), isto é, a probabilidade de o agente voltar a delinquir. Portanto, a finalidade da medida de segurança é exclusivamente de prevenção especial.

A medida de segurança verifica-se em duas situações:

a) Ao inimputável: neste caso, o Juiz, após reconhecer autoria e materialidade, bem como tipicidade e ilicitude, irá absolvê-lo com imposição de medida de segurança; É a chamada sentença absolutória imprópria, que recebeu este nome porque a medida de segurança tem uma carga altamente aflitiva, punitiva, de castigo. Inclusive, pela interpretação da Súmula nº 525-STF, medida de segurança é mais grave que pena, porque é defeso ao tribunal a sua imposição em recurso exclusivo da receita quando não tenha sido pedida;

b) Ao semi-imputável: neste caso, o Juiz, após reconhecer os aspectos acima, irá condenar o agente, com pena obrigatoriamente diminuída de 1/3 a 2/3. Na reforma penal de 1984, o CP adotou o sistema vicariante (ou substitutivo), segundo o qual ao semi-imputável do art. 26, Parágrafo único, esta pena diminuída poderá ser substituída por medida de segurança - art. 98. Todavia, ou o condenado cumpre pena diminuída, ou medida de segurança; jamais as duas sucessivamente, razão pela qual este sistema também é conhecido como monista ou unitário (sistema de "um trilho só").


3.1) Tipos de Medida de Segurança

a) Detentiva: consiste na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico (antigo "manicômio").

b) Restritiva: consiste em tratamento ambulatorial.

O CP determina que seja imposta internação quando o crime praticado for apenado com reclusão. A jurisprudência, entretanto, admite a flexibilidade desta regra, condicionando a espécie de medida de segurança à efetiva necessidade contida no laudo.

A medida de segurança é imposta pelo prazo mínimo de 1 a 3 anos. Este prazo mínimo determina a data da realização do primeiro exame para constatação da cessação da periculosidade. A detração de internação provisória é descontada deste prazo mínimo, e portanto abrevia a data do primeiro exame. O STF tem precedentes determinando o prazo máximo de 30 anos para a medida de segurança, em analogia ao art. 75 do CP.

Caso continue latente a periculosidade do agente, será possível encaminhá-lo ao cível, nos termos do CPP, art. 682, com a sua interdição e eventual internação.

Realizado o primeiro exame acima mencionado, duas coisas poderão acontecer:
  • O perito constata a persistência da periculosidade. Neste caso, o exame será repetido a cada ano. Todavia, o Juiz poderá determinar a sua realização a qualquer tempo;
  • O perito constata a cessação da periculosidade. Neste caso, ouvidas as partes, o Juiz decidirá sobre a desinternação ou liberação condicional do agente. Chama-se condicional ou provisória porque serão impostas condições previstas na LEP, art. 132, e durante o período de 1 ano, caso o liberado descumpra estas condições ou pratique fato indicativo de periculosidade, haverá a revogação da desinternação. Caso contrário, será extinta a punibilidade do agente;
  • Contra esta decisão de desinternação condicional é cabível o recurso de agravo de (em) execução - LEP, art. 197. O prazo para interposição é de 5 dias, conforme a Súmula nº 700-STF. Não tem efeito suspensivo. Todavia, a doutrina cita que o agravo interposto contra a decisão de liberação ou desinternação condicional seria a única hipótese na qual este recurso teria efeito suspensivo, pois de acordo com a LEP, art. 179, a ordem de desinternação ou liberação provisória somente será cumprida após transitada em julgado. Portanto, indiretamente, a interposição deste recurso contra tal decisão acarretaria "efeito suspensivo".

3.2) Medida de Segurança Substitutiva - LEP, art. 183

Caso o condenado fique louco durante o cumprimento da pena, ocorrerá a imposição de medida de segurança substitutiva, isto é, incidente na execução do dispositivo da LEP.

  • Conforme orientação majoritária, esta medida de segurança terá a duração do tempo restante da pena. Portanto, terminado este prazo, é extinta a punibilidade do agente, e ele poderá ser encaminhado ao cível para eventual interdição (com ou sem internação). Conclui-se ainda que esta medida de segurança não leva em consideração a periculosidade.
De outro lado, pode acontecer que após a prática do crime o agente fique louco antes de uma sentença, caso em que o procedimento criminal ficará suspenso, nos termos do CP, art. 152, aguardando o restabelecimento da saúde do agente.
  • Nesta hipótese, não há previsão da suspensão da prescrição. Portanto, aguarda-se ou o restabelecimento do agente ou a prescrição;
  • O CPP, art. 152, §1º, prevê a possibilidade da internação provisória do agente, que encontra duas correntes:
  • É inconstitucional, porque afronta o princípio do devido processo legal; 
  • É constitucional, porque cuida de medida administrativa de juiz criminal no âmbito da jurisdição voluntária.


4) Fixação da Pena - CP, art. 59 e ss.

O CP, no art. 68, adotou o sistema trifásico de Nélson Hungria na fixação da pena, segundo o qual a pena deverá ser imposta em 3 etapas, distintas e sucessivas:

  • São distintas, e portanto o juiz não pode compensar aspectos de fases diferentes, ainda que o resultado final seja o mesmo;
  • São sucessivas, significando que o juiz deve obedecer sua ordem.

4.1) 1ª fase - Fixação da pena base (circunstâncias judiciais): o Juiz, considerando os limites mínimo e máximo cominados em abstrato no preceito secundário levará em consideração as circunstâncias judiciais do art. 59: personalidade, culpabilidade, antecedentes, conduta social, "o trio" motivos, circunstâncias e consequências do crime, e finalmente o comportamento da vítima;

  • Nenhum inquérito ou processo em andamento, ou inquérito arquivado, ou processo com absolvição poderá ser considerado para o agravamento da pena de qualquer pessoa em decorrência do princípio da presunção de inocência - Súmula nº 444-STJ.
4.2) 2º fase - Da pena intermediária ou provisória (circunstâncias legais): neste momento, considerando a pena obtida na fase anterior, o Juiz levará em consideração as atenuantes e as agravantes, também chamadas pela doutrina de circunstâncias legais;
  • As circunstâncias agravantes genéricas estão previstas em rol taxativo do CP, nos art. 61 e 62: reincidência, embriagues preordenada;
  • As circunstâncias atenuantes genéricas estão previstas em rol exemplificativo do CP, art. 65: menoridade dos 21 anos, confissão espontânea. Isto porque o art. 66 admite o reconhecimento das atenuantes inominadas, isto é, quaisquer aspectos anteriores ou posteriores ao crime que devam ser levados em consideração na atenuação da pena;
  • A coculpabilidade, desenvolvida pelo penalista argentino Zaffaroni, segundo a qual a falta de oportunidade de desenvolvimento do agente deve ser dividida entre ele e a sociedade, pode ser considerada como atenuante inominada;
  • Leis especiais podem estabelecer atenuantes e agravantes específicas, isto é, que incidem somente nos crimes nelas previstas (ex.: Lei Ambiental, art. 14 e 15; CTB, art. 298);
  • A lei não estabelece o quantum de agravamento ou atenuação da pena diante das circunstâncias dessas duas primeiras etapas, ou seja, fica ao bom senso do Juiz essa missão. Por esta razão, nas duas primeiras etapas da fixação da pena, o Juiz não poderá fixá-la fora dos limites abstratos, isto é, abaixo do mínimo ou acima do máximo - Súmula nº 231-STJ;
  • Na concorrência entre circunstâncias, o art. 67 estabelece regra de preponderância, segundo a qual a personalidade do agente, a reincidência e os motivos determinantes do crime preponderam sobre as demais;
  • Na jurisprudência, alguns consideram a confissão espontânea como demonstração de personalidade arrependida, sendo assim preponderante em relação às demais (ex.: compensação entre reincidência e confissão); 
  • Da mesma forma, a jurisprudência considera a menoridade dos 21 anos preponderante sobre todas as demais circunstâncias (ex.: sendo menor, geralmente a pena fica no mínimo).

4.3) 3ª Fase - Pena definitiva: neste momento, com a pena obtida na fase anterior, o Juiz levará em consideração as causas de diminuição e de aumento de pena, respectivamente chamadas de minorantes e majorantes (ex.: a semi-imputabilidade é uma minorante de 1/3 a 2/3; o furto noturno é uma majorante de 1/3);
  • Nesta última etapa a pena poderá ser fixada fora dos limites legais (ex.: tentativa branca de homicídio simples, apenada com reclusão de 2 anos, sendo que o art. 121, caput, comina reclusão de 6 a 20 anos para este crime = pena mínima de 6 anos, com 2/3 de diminuição);
O que acontece na concorrência de minorantes e majorantes (simultâneas)? Como regra, todas as minorantes e majorantes deverão ser aplicadas pelo Juiz, em operações matemáticas sucessivas. Ou seja, não se pode somá-las para depois aplicá-las em conjunto, sob o risco de zerar a pena, o que é inconcebível pelo sistema;
  • O CP estabelece primeiro a diminuição e, na sequência o aumento; mas na prática muitos juízes fazem o inverso, pois é mais benéfico (se primeiro aumenta e depois diminui, a pena fica menor, matematicamente;
  • Excepcionalmente, havendo concorrência entre minorantes e majorantes da parte especial do CP, o Juiz aplicará apenas uma, isto é, a que mais diminua ou a que mais aumente - art. 68, Parágrafo único;
  • O STF, porém, admite que se a quantia de aumento ou de diminuição for flexível, mesmo que todas estejam previstas na parte especial, o Juiz poderá considerá-las todas (ex.: no roubo, a pena poderá ser aumentada de 1/3 até 1/2 em 5 situações do §2º do art. 157. Entretanto, de acordo com a Súmula nº 443-STJ, o Juiz deverá fundamentar aumento superior a 1/3 diante do caso concreto, isto é, o número das majorantes não basta para aplicar aumento superior ao mínimo);
  • A jurisprudência estabelece outra regra de preponderância entre duas causas de aumento da parte geral do CP, ou seja, havendo no mesmo contexto situação de crime continuado e concurso formal, prevalecerá somente o aumento decorrente da continuidade, porque é aquele que aumenta mais (ex.: ladrão entra no primeiro ônibus, anuncia o roubo e subtrai 5 celulares de 5 pessoas diferentes; desce, entra em outro ônibus e pratica outro roubo contra 10 pessoas diferentes; desce, entra em um terceiro e rouba outras 15 pessoas diferentes: ele responderá por 30 roubos continuados).

Na fixação da pena, é proibido o bis in idem, isto é, a valoração de um mesmo aspecto para prejudicar ou beneficiar o agente. Desta maneira, o Juiz deverá analisar todo o caso para saber de antemão em sua sentença quando irá valorar cada aspecto referente ao crime, respeitando a seguinte ordem na utilização/valoração de determinada situação:
  • Enquanto elementar do crime;
  • Enquanto qualificadora do crime;
  • Enquanto causa de aumento ou de diminuição;
  • Enquanto agravante ou atenuante;
  • Enquanto circunstância judicial.
Assim, uma única condenação definitiva, que caracteriza a reincidência, deve ser utilizada na segunda etapa enquanto agravante genérica, sendo proibido o seu uso enquanto maus antecedentes na primeira etapa, que caracterizaria bis in idem, proibido conforme a Súmula nº 241-STJ.


5) Reincidência

No CP, art. 63, caracteriza a reincidência a prática de um novo crime após o agente ter sido definitivamente condenado por crime no Brasil ou no estrangeiro.

Na Lei das Contravenções Penais, art. 7º, caracteriza a reincidência a prática de uma nova contravenção penal após o agente ter sido definitivamente condenado por crime no Brasil ou no estrangeiro, ou por contravenção penal no Brasil.
  • O CP contém uma lacuna referente ao agente que pratica crime após condenado definitivamente por contravenção penal, pois será considerado primário;
  • A lei penal estabelece, portanto, uma dicotomia, isto é, ou a pessoa é primária ou é reincidente. Assim, a figura do "tecnicamente primário" é uma invenção jurisprudencial para definir uma pessoa que possui uma condenação definitiva incapaz de caracterizar reincidência. Então, o "tecnicamente primário" viola o princípio da reserva legal, devendo ser repudiado para evitar a concessão de benefícios que exijam o status de primário.
Para fins comuns, não são considerados na caracterização da reincidência os crimes militares próprios e os crimes políticos;
  • Crime militar próprio é aquele exclusivamente definido como tal no CPM (ex.: deserção, dormir em serviço, pederastia, etc.);
  • Crime político, conforme orientação majoritária, é aquele cuja motivação é política, inclusive o objeto (ex.: por motivação política, o agente rouba o dinheiro de um partido político).

5.1) Depuração da Reincidência

A reincidência não é eterna, e será depurada nos termos do art. 64, I, isto é, em 5 anos contados do cumprimento da pena ou da extinção da punibilidade por outra razão (ex.: prescrição da pretensão executória).
  • O prazo do período de prova do sursis e do livramento condicional sem revogação deve ser computado no cálculo da depuração da reincidência;
  • Alguns denominam esta depuração como "prescrição da reincidência";
  • Em tese, as condenações definitivas depuradas, enquanto reincidência, poderão caracterizar maus antecedentes.

5.2) Consequências da Reincidência

Caracteriza a agravante genérica do art. 61, I, que incide nos crimes dolosos e culposos.

Impede a concessão de vários institutos e benefícios, tais como suspensão condicional do processo, alguns crimes privilegiados, etc.

A reincidência antecedente, isto é, aquela reconhecida em sentença aumenta em 1/3 o prazo da prescrição executória - art. 110, caput; Súmula nº 220-STJ.

A reincidência subsequente, isto é, aquela reconhecida depois da condenação, é causa interruptiva da pretensão executória - art. 117, VI.

A reincidência poderá revogar diversos benefícios, tais como sursis, livramento condicional, reabilitação, etc.

O que caracteriza a reincidência é o trânsito em julgado de uma sentença condenatória. Portanto:


  • Sentença que impõe multa gera reincidência;
  • Sentença estrangeira condenatória também gera reincidência;
  • Sentença que concede suspensão condicional da pena (sursis) também, pois primeiramente o Juiz condena, e diante dos requisitos concede o benefício;
  • Sentença que impõe pena alternativa em transação penal NÃO gera reincidência. Inclusive, é chamada de sentença condenatória imprópria, pois impõe pena sem o devido processo legal;
  • Sentença que concede perdão judicial não gera reincidência, por expressa previsão do art. 120. Ademais, de acordo com a Súmula nº 18-STJ, essa sentença tem natureza jurídica declaratória;
  • Sentença que impõe medida de segurança


segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

22 - Culpabilidade


Culpabilidade

1) Introdução

É o juízo de merecimento da pena. 

Antigamente, vigorava em nosso sistema penal a responsabilidade penal objetiva, isto é, a imposição de pena com base no simples nexo causal entre o comportamento do agente e o delito, independentemente de dolo ou culpa. Esse modelo vigorou no Brasil até 1984, pois nos crimes agravados pelo resultado o agente respondia pelo resultado mais grave mesmo que não tivesse dolo ou culpa. Era o sistema versari in re illicita (ex.: agente agredia mulher grávida, mas desconhecendo a gestação; se houvesse aborto, ele responderia pela lesão gravíssima - CP, art. 129, §2º, V - independentemente da existência de dolo ou de culpa de sua parte). 

Com a reforma de 1984, foi introduzido o art. 19, que prevê o delito preterdoloso, e para responder por esse resultado mais grave, o agente deveria causá-lo ao menos culposamente. No exemplo dado, o agente responderia por lesão simples (ele não conhecia a gravidez). Significava dizer, portanto, que o nosso sistema consagrava responsabilidade objetiva em direito penal. Isso mudou, mas hoje ainda é possível observar "três" (na verdade dois) casos de responsabilidade penal objetiva, que são as seguintes:
  • A responsabilidade sucessiva ou em cascata da revogada lei de imprensa: isso porque quando a matéria não era assinada, a própria lei indicava uma ordem sucessiva às pessoas responsáveis pelo delito. Estando a lei revogada, este apenas ERA um caso;
  • Crime de rixa com resultado morte ou lesão - CP, art. 137, Parágrafo único: todos os rixosos respondem por essa rixa com resultado morte; já aquele que provocou a morte responde por rixa simples em concurso com homicídio;
  • Embriaguez voluntária; culposa; ou pré-ordenada, em que, no momento da conduta o agente não tem consciência daquilo que estava fazendo, mas responde pelo fato com base na teoria actio libera in causa, em que haverá um retrocesso no tempo alcançando o agente no momento em que ele se colocou a beber, e não no momento da conduta.
Para FMB e LFG, esses casos são inconstitucionais, pois eles presumem culpa, quando na verdade a culpa deve ser comprovada. Esses três casos de responsabilidade objetiva violam a CF/88, pois é a inocência que deve ser presumida.


2) Fundamento da Culpabilidade

É o livre arbítrio do homem, isto é, o poder que o homem possui de decidir num noutro sentido e ser o responsável por seus atos. 


3) Natureza Jurídica

Há duas correntes.

Para a primeira, a culpabilidade é elemento do crime (teoria finalista tripartida = fato típico + antijurídico + culpável).

Para a segunda, a culpabilidade não é elemento do crime, mas pressuposto da pena (teoria finalista bipartida = fato típico + antijurídico).

Os menores de 18 anos e os doentes mentais praticam crimes? Depende da corrente adotada. Para a primeira, a resposta é NÃO, pois por falta de culpabilidade o tripé conceitual de crime está quebrado; para a segunda SIM, mas não estão sujeitos a sanção.


4) Teorias sobre a Culpabilidade

Quatro teorias se destacaram no estudo dessa matéria. As duas primeiras com origem na teoria clássica, que são as seguintes: teoria psicológica e teoria psicológico-normativa.

As outras duas são de origem finalista, em que o dolo e a culpa foram deslocados para a conduta, e a culpabilidade foi esvaziada. São as seguintes: teoria normativa pura (ou extremada) e teoria limitada da culpabilidade.


4.1) Teoria Psicológica

para essa teoria, culpabilidade é o nexo psíquico entre o agente e o delito. De origem clássica, para essa teoria a culpabilidade tem duas espécies: dolo e culpa.

Quanto à imputabilidade, para essa teoria trata-se de pressuposto da culpabilidade, isto é, um requisito anterior à culpabilidade. É um requisito da análise da culpabilidade, não sendo, ou funcionando, como elemento. Aliás, essa teoria não trabalha com elementos da culpabilidade, mas do contrário com espécies, que são: dolo e culpa.

Quanto à consciência da ilicitude, para essa teoria havia uma divergência entre seus adeptos.

a) Para uma parte, tratava-se de um requisito inócuo, que não influenciava na culpabilidade. O agente iria responder pelo crime, quer ele conhecesse ou não a ilicitude do fato;

b) Tratava-se de um elemento do dolo, o chamado dolo normativo; logo, sem consciência real e atual da ilicitude, o agente era absolvido por falta de dolo para parte dos defensores dessa teoria.


4.2) Teoria Psicológico-Normativa

Essa teoria manteve a base psicológica, isto é, dolo e culpa na culpabilidade. Daí sua origem clássica.

Mas, ela é normativa porque além do dolo e da culpa, só haverá culpabilidade quando o agente violar a norma numa situação em que podia cumpri-la.

De outro lado, se esse agente violar a norma numa situação em que não se podia exigir dele outro comportamento, esse agente será inculpável, mesmo tendo agido com dolo ou culpa.

Frank, penalista alemão, em 1906, desenvolveu essa teoria, introduzindo como elemento da culpabilidade a exigibilidade de conduta diversa, isto é, o poder de agir de forma diferente.

Culpabilidade para essa teoria é o juízo de censura que liga psicologicamente o autor ao delito, por ter esse autor violado a norma numa situação em que podia cumpri-la. Para que haja culpabilidade não basta dolo ou culpa, nem a mera violação da norma; é necessário algo mais: a exigibilidade de conduta diversa.

Para essa teoria, os elementos da culpabilidade são:

a) Imputabilidade (para a teoria anterior era pressuposto);

b) Dolo e culpa (para a teoria anterior eram espécies);

c) Exigibilidade de conduta diversa (esse elemento não fazia parte da teoria anterior. Tem-se aí a grande diferença entre elas).


4.3) Teoria Normativa Pura ou Extremada; 4.4) Teoria Limitada da Culpabilidade

Ambas teorias são de origem finalista, com o deslocamento do dolo e da culpa da culpabilidade, que se esvaziou. Possuem os mesmos elementos da culpabilidade, que são os seguintes:

a) Imputabilidade;

b) Exigibilidade de conduta diversa;

c) Potencial consciência da ilicitude (isto é, para ser culpável não se exige mais o conhecimento real e atual da ilicitude, bastando o potencial).

Dolo e culpa foram expurgados culpabilidade, que acabou esvaziada, pois dolo e culpa passaram a ser analisados na conduta. Daí surgiu o nome teoria normativa pura da culpabilidade, porque ela não tem nada de psicológica.

A culpabilidade passa a se concentrar exclusivamente na cabeça do Juiz, não mais na mente do réu. Trata-se de um juízo de censura posterior ao fato e que recai sobre o passado.

As duas teorias são exatamente iguais: a teoria extremada e sua subespécie limitada da culpabilidade. A diferença entre elas reside no estudo das descriminantes putativas.
  • Descriminante putativa ocorre quando o agente imagina uma situação que não existe, mas se ela existisse tornaria lícita sua conduta. 
Para ambas teorias, se o erro do agente for inescusável, nas duas situações ele irá responder como crime culposo. 

Da mesma forma, para as duas teorias, se o erro for escusável, o agente será absolvido. 

A diferença entre essas teorias é o fundamento da absolvição:
  • 4.3) Teoria Normativa Pura ou Extremada: o agente será absolvido por erro de proibição;
  • 4.4) Teoria Limitada da Culpabilidade: o agente será absolvido, mas por erro de tipo.
As descriminantes putativas possuem três enfoques, que são os seguintes:

a) Erro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação: esse erro é sobre fato (erro de tipo), e não erro de direito;

b) Erro sobre a existência de uma causa de justificação (ex.: legítima defesa da honra - erro de proibição);

c) Erro sobre os limites de uma causa de justificação (ex.: excesso na legítima defesa - erro de proibição).

Apesar do exposto, nosso legislador equivocadamente inseriu a matéria no erro de tipo, consoante se constata no item 17 da Exposição de Motivos da nova parte geral do CP, gerando inúmeras confusões.


5) Culpabilidade no CP

Nosso legislador não adotou um capítulo específico para o estudo da culpabilidade. A matéria está espalhada, e os elementos da culpabilidade estão apresentados de maneira invertida:
  • A imputabilidade é art. 26 (inimputáveis);
  • A potencial consciência da ilicitude: art. 21 (erro de proibição); 
  • A exigibilidade de conduta diversa: art. 22 (coação moral irresistível e obediência hierárquica).

Elementos da Culpabilidade

5.1) Imputabilidade

É capacidade, é a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que ao tempo da conduta atribui ao agente a capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.
  • O elemento temporal levado em consideração é o tempo da conduta, isto é, se aplica a previsão do art. 4º - teoria da atividade. Isso porque se o agente praticar a conduta são e sobrevier patologia mental antes do julgamento, das duas haverá uma solução:
  • Ou o agente fica são até o julgamento; 
  • Ou se aguarda a prescrição pelo máximo da pena em abstrato, nos moldes do CPP, art. 152. Nesse caso, a prescrição não se interrompe ou se suspende. 
  • No caso de o agente ser considerado são, mas durante o cumprimento da medida sobrevêm patologia mental, se aplica a regra do CP, art. 41, que é a superveniência de doença mental. Aliás, o único caso de medida de segurança com prazo certo, em que a medida de segurança será aplicada pelo período equivalente ao restante da pena.
  • O critério adotado pelo CP para aferir essa capacidade é o biopsicológico, que é aquele que mistura na verificação da sanidade coeficientes mentais biológicos e psicológicos que possam influir na capacidade volitiva do agente.
  • O surdo-mudo pode ser inimputável, semi ou imputável;
  • O indígena também pode ser inimputável, semi ou imputável;
  • Quem julga crime cometido contra índio ou praticado por índio é a Justiça comum Estadual; já delito praticado contra a nação ou comunidade indígena é julgado pela Justiça Federal.

a) Inimputáveis - art. 26, caput: trata-se dos casos em que o agente apresenta doença mental, desenvolvimento mental retardado, ou incompleto. Nesses casos, constatada a patologia de ordem mental, após o agente ter cometido o evento de interesse criminoso, o Juiz, com base no exame psiquiátrico-forense, que irá observar o critério biopsicológico, deverá absolver o réu. A absolvição será fundamentada no CPP, art. 386, VI. 

No caso de o exame constatar a existência de periculosidade, estará o agente sujeito a medida de segurança que, por ser um tratamento, só possui prazo mínimo que varia entre 1 a 3 anos, não máximo (Defensoria: inconstitucional).

Pelo fato de essa sentença preconizar uma medida de segurança, mesmo o agente tendo sido absolvido, recebe o nome de sentença absolutória imprópria.

b) Semi-imputabilidade - art. 26, Parágrafo único: trata-se de uma situação intermediária entre a sanidade e a doença mental. São os casos de perturbação da saúde mental. Constatada a semi-imputabilidade, com base no exame psiquiátrico forense que utilizou o critério biopsicológico, havendo a prática do evento, o Juiz deverá condenar o acusado, devendo observar duas frentes:
  • Aplica pena reduzida de 1/3 a 2/3;
  • Deverá aplica medida de segurança. 
Essa adoção de pena ou de medida de segurança é realizada com base no sistema vicariante, que substituiu o antigo sistema do duplo binário ou sistema de dois trilhos, em que constatada a semi-imputabilidade, o Juiz aplicará pena e medida de segurança.

Constatada a semi-imputabilidade, o Juiz poderá aplicar a pena integral, sem observar o acima exposto? Nem sempre, pois no caso de a patologia não ter qualquer relação com o crime, não há falar em redução (ex.: cleptomaníaco que mata).


c) Menoridade - art. 27

A menoridade é aferida conforme o critério biológico (e não biopsicológico), isto é, pouco importa se o menor é superdotado, porque sendo menor ele será inimputável. A menoridade se encerra no primeiro instante do dia em que o menor completar 18 anos. Isso porque a prova da menoridade é feita com a certidão de nascimento. É impossível a mudança da menoridade por meio da legislação ordinária. A dúvida reside se em uma Emenda Constitucional seria possível, mas hoje prevalece que apenas o exercício do Poder Constituinte Originário é que seria legítimo para essa mudança, de duas formas:
  • Uma nova Constituição;
  • Por meio de plebiscito.
O menor não está sujeito a pena, mas a medida sócio-educativa (não pratica crime, mas ato infracional). 

Se menor praticar o crime permanente e ficar maior durante o cativeiro, será considerado maior; se pratica crime continuado, responderá por aquilo que praticou como maior. O mesmo se aplica se menor praticar crime habitual, caso reitere após atingir a maioridade. Suas condutas anteriores, aliás, não podem ser consideradas no exame da personalidade do agente para fins de fixação da pena - art. 59.


d) Emoção e Paixão - art. 28, I

Tanto um quanto outro sentimento não excluem a imputação, mas apenas poderão funcionar como causa de diminuição de pena, ou como atenuante. 
  • Emoção é sentimento de breve duração, como o medo, a ansiedade, a angústia, etc. Significa dizer que é a intensa perturbação psíquica de breve duração;
  • Paixão é o sentimento duradouro, o estado afetivo violento que perdura no tempo, como o amor, o ódio, a vingança.

e) Embriaguez - art. 28, II

É a intoxicação aguda provocada pelo álcool ou outra substância de efeito análogo, que atua sobre o sistema nervoso, mas com caráter transitório.

Conforme a modalidade de embriaguez, haverá uma situação jurídica distinta a ser enfrentada. A embriaguez pode ser:
  • Embriaguez voluntária: é aquela em que o agente bebe por beber. Solução: o agente vai responder pelo crime;
  • Embriaguez culposa: é aquela em que o agente ultrapassa seus limites. Solução: o agente vai responder pelo crime;
  • Embriaguez preordenada: é aquela em que o agente bebe para cometer crime. Solução o agente vai responder pelo crime. Além disso, terá contra si uma causa agravante prevista no art. 61, II, L;
  • Embriaguez acidental: são as situações de caso fortuito ou força maior, conforme laudo. Neste caso, há duas soluções:
  • Se ela for completa, o agente será absolvido - art. 28, II, §1º; 
  • Se ela for incompleta, o agente irá responder, mas terá sua pena reduzida de 1/3 a 2/3 -art. 28, II, §2º.
  • Embriaguez patológica ou alcoolismo crônico: o agente é tratado como doente, e será aplicada a previsão do art. 26, em que ele será tratado com inimputável. 
A teoria que consagra a responsabilidade nos casos de embriaguez voluntária, culposa e preordenada é a teoria actio libera in causa, um dos últimos resquícios da responsabilidade penal objetiva, em que o legislador faz uma ficção e ele retrocede no tempo para alcançar o agente no momento em que colocou-se a beber para responsabilizá-lo.


5.2) Potencial Consciência da Ilicitude

Nosso legislador acabou sendo um pouco mais rigoroso nessa parte do que era no passado. Para que haja responsabilidade basta a potencial consciência, não mais o conhecimento real e atual, como era exigido nas teorias passadas. O legislador adotou um sistema intermediário nessa parte da matéria, um modelo criado por Welzel em que irá responder criminalmente aquele que tem a possibilidade de conhecer a ilicitude do seu comportamento. Esse entendimento é segundo um juízo profano, isto é, um juízo feito pelo leigo, não pelo Juiz, no sentido de saber que o fato praticado pelo agente seja contrário ao direito como um todo. Não é necessário que o agente saiba que o fato praticado contrarie o direito penal, nem se exige que ele saiba que o fato viole costumes; o importante é ter a ciência que esse evento seja contrário ao direito em sua totalidade.

O lado oposto, o polo inverso da potencial consciência da ilicitude é o erro de proibição, descrito pelo legislador como erro sobre sobre a ilicitude do fato. Nessa modalidade de erro, o agente conhece o fato, mas desconhece, em linhas gerais, a norma que o prevê. Ele pensa que a norma permite, quando na verdade ela proíbe.

O erro de proibição é dividido da seguinte forma:

a) Erro de vigência: está previsto na primeira parte do art. 21 com a frase "o desconhecimento da lei é inescusável". Nessa modalidade, o agente não conhece a norma nem o caráter criminoso do fato; ele desconhece a existência de qualquer previsão legal. Terá o agente, ao seu favor, no caso da prática do evento, uma atenuante genérica prevista no art. 65, II (ex.: extrativista natural não sabe que passou a ser crime o corte de palmito);

b) Erro de proibição direto: o agente até possui ciência da lei, mas ele desconhece a ilicitude do seu comportamento (ex.: namorado leva companheira doente mental ao motel para comemorar maioridade);

c) Erro de proibição indireto: o agente conhece a lei que incrimina o fato, mas ele supõe equivocadamente que existe em direito uma norma que exclua a ilicitude desse fato (ex.: marido flagra a esposa em adultério e pensa que pode agredir para puni-la);

d) Erro de proibição mandamental: é a situação em que o agente supõe que diante de um evento de perigo, não mais existe o dever jurídico de impedir o resultado, consagrado no art. 13, §2º (ex.: diante da avalanche, o guia de alpinistas abandona o grupo por entender que nessa situação de perigo não mais subsiste dever jurídico de agir);

Em qualquer das situações acima, o erro de proibição pode ser:
  • Invencível, inevitável ou escusável: o agente estará isento de pena pela exclusão da culpabilidade;
  • Vencível, evitável ou inescusável: o agente vai responder, mas terá ao seu favor uma causa de diminuição de pena que varia de 1/3 a 1/3;
Erro de proibição invertido: quando o agente pensa que a lei proíbe quando, na verdade, não há previsão (ex.: o pai que mantém relação sexual com a própria filha maior de idade de maneira consentida - no Brasil o incesto é conduta atípica, sendo apenas moralmente reprovável).


5.3) Exigibilidade de Conduta Diversa

Significa exigir do agente uma conduta diversa da criminosa, quando no caso concreto o agente tiver a liberdade para decidir por uma conduta lícita. São os casos, de outra parte, da previsão do art. 22, que consagrou a coação moral irresistível e a obediência hierárquica.

a) Na coação moral irresistível, o coacto ou coagido, em razão do constrangimento sofrido, irá atuar de maneira anormal, e que não se poderá exigir desse agente uma conduta diversa (ex.: gerente do banco que tem a família sequestrada). Se exige nessa figura dois requisitos:
  • Irresistibilidade da coação: deve ser insuperável;
  • Existência de três pessoas: o coator (bandido), o coacto ou coagido (gerente), sobre quem recai a coação, e a vítima, que é o instrumento do constrangimento (família).
Preenchidos os dois requisitos, o agente terá isenta sua pena pela exclusão da culpabilidade.

Se a coação for resistível, o agente vai responder, mas poderá ter a seu favor uma atenuante genérica prevista no art. 65, III, c.


b) Obediência Hierárquica

Também prevista no CP, art. 22, funciona quando preenchidos seus requisitos como uma causa de exclusão da culpabilidade. Por conta disso, o agente estará isento de pena. Os requisitos são os seguintes:

  • Relação de subordinação fundada no direito administrativo (público);
  • Estrita observância aos limites da ordem;
  • Ordem não manifestamente ilegal.
Preenchidos esses três requisitos, o subordinado não irá responder pelo evento, ficando, caso necessária, a apuração da responsabilidade ao superior hierárquico. 

No caso de a ordem ser legal e o subordinado ultrapassar os seus estreitos limites, é esse subordinado que irá responder pelo resultado.

No caso de a ordem ser manifestamente ilegal, irão responder superior e subordinado.


domingo, 14 de dezembro de 2014

21 - Antijuridicidade - Exercício de Direito e Cumprimento do Dever


2) Causas de Exclusão da Antijuridicidade


2.2) Legítima Defesa

2.3) Exercício Regular de Direito - CP, art. 23

É a maior das excludentes, pois direito é uma ciência única, e a divisão por matérias é meramente acadêmica. Essa excludentes transcende para todas as áreas, como por exemplo no caso do parlamentar que faz discurso em desalinho; ele é inviolável, consoante a previsão da CF/88, art. 53. O mesmo ocorre quando o agente reage por meio do desforço imediato, quando o possuidor tiver sua posse turbada ou esbulhada. Ainda, ocorre com relação às atividades esportivas violentas, desde que a lesão esteja dentro da regra. Finalmente, o mesmo vale para as intervenções cirúrgicas, mesmo que sem necessidade.


2.3.1) Ofendículos, Ofensáculos ou Ofendidos

São os aparatos predispostos à defesa da propriedade (ex.: cercas eletrificadas, concertina, cacos-de-vidro no muro, etc.). A grande problemática é a sua natureza jurídica:
  • Para Mirabete, são exercício regular de direito (de propriedade);
  • Para Nélson Hungria, são legítima defesa preordenada;
  • Para os autores de vanguarda, há uma terceira posição que preconiza a natureza mista ou eclética dos ofendículos, isto é, quando são instalados haverá exercício regular de direito, mas quando são acionados são legítima defesa.
Como em todas as excludentes, os ofendículos também estão sujeitos ao excesso, que pode ser doloso ou culposo.

Quanto a cão, pode ou não ser ofendículo. Dependerá da maneira como a qual o animal foi adquirido, isto é, por qual motivo ocorreu sua aquisição. Se for para fins de lazer, por exemplo, não será ofendículo. O cão de guarda geralmente é ofendículo. 

Para que seja configurada esta natureza de ofendículo é importante que haja notícia àquele cidadão de bem, razão pela qual são colocadas placas que indicam a existência de cerca elétrica ou de cão bravo. Esses avisos são indispensáveis no setor com contato ao público geral, mas dispensáveis se não há qualquer acesso com meio comum, como no caso do fundo do sítio, onde o fazendeiro cria cães de guarda (não precisa de placas).

O ofendículo não pode ser algo nocivo (ex.: colocar agulhas com sangue com vírus HIV).


2.4) Estrito Cumprimento do Dever Legal

Diferentemente da excludente anterior, em que há uma faculdade, no estrito cumprimento do dever legal não há esta opção, mas do contrário há obrigação de cumprir um dever previsto em lei. 

Para os penalistas antigos, como Nélson Hungria, essa excludente só se aplicava aos funcionários públicos, que são aqueles que possuem o dever legal de cumprir a lei. Entretanto, essa matéria traz consigo uma norma benéfica, e o seu alcance deve ser o mais amplo possível, abrangendo todos, mesmo aqueles que não são agentes públicos (posição dominante atual). 

Aquele que cumpre um dever social, moral ou religioso não pode se beneficiar dessa excludente, e responde pelo crime (ex.: não se pode arrombar uma porta para pregar).


3) Excesso Punível

Excesso é a intensificação desnecessária da conduta inicialmente acobertada por uma das excludentes da antijuridicidade. O excesso é aplicável a todas as excludentes. Aliás, essa é a previsão do art. 23, Parágrafo único. 

As modalidades são as seguintes:

a) Excesso doloso: quando o agente quer ou assume o risco do excesso; ele vai responder como crime doloso. O agente poderá, eventualmente, ter algum privilégio, mas só isso;

b) Excesso culposo: quando há imoderação decorrer de negligência, imprudência ou imperícia. O agente vai responder como crime culposo, se houver previsão;

c) Excesso acidental ou causal: é aquele que decorre de caso fortuito ou força maior, ou seja, um acontecimento imprevisível, e o agente será absolvido porque não agiu com dolo ou culpa (ex.: moderadamente, para se defender, o agente aponta a arma para o agressor, mas essa arma tinha ficado o dia inteiro no sol, e no momento em que foi apontada ela dispara;

d) Excesso exculpante: é aquele que decorre de uma perturbação do ânimo do agente, uma intensificação que decorre do susto ou medo, de modo que não se podia exigir um comportamento diferente do agente (ex.: após o roubo, o amigo da vítima brinca, e a vítima de roubo vira de repente, reagindo por susto contra o amigo, quebrando seu nariz. O agente será absolvido, com uma excludente de culpabilidade, pela inexigibilidade de conduta diversa, modalidade não prevista em lei, mas admitida pela doutrina e jurisprudência;

e) Excesso extensivo: é aquele que se prolonga no tempo, geralmente pelo uso equivocado do meio necessário (ex.: reação com metralhadora, mas no modo automático);

f) Excesso intensivo: é aquele que não se prolonga no tempo, mas o equívoco diz respeito ao meio escolhido. O agente usa algo desproporcional frente à agressão (ex.: reação com bazuca).



quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

18 - Organização dos Poderes - Legislativo - Processo Legislativo

Organização dos Poderes

1) Introdução

2) Poder Legislativo Federal
...

2.8) Espécies Normativas e Processo Legislativo -  - CF/88, arts. 59 e ss.

O art. 59 relaciona as seguintes espécies normativas:

2.8.1) Emenda à Constituição - art. 60

É o ato normativo que promove a reforma constitucional, e sujeita-se a algumas limitações que visam a assegurar a estabilidade da própria Constituição. A doutrina classifica essas limitações da seguinte maneira:

a) Limitações formais ou procedimentais: são as que incidem sobre o processo legislativo da Emenda, e que tornam a Constituição rígida. São detectadas desde a iniciativa para apresentação da proposta de Emenda. O art. 60 prevê que possuem iniciativa para a PEC o Presidente da República, ou 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados, ou 1/3 do Senado, ou mais da metade das Assembleias Legislativas, sendo que nas Assembleias a adesão à PEC ocorre por maioria relativa (isto é, maioria dos presentes);
  • Para o STF, o mencionado rol é taxativo, razão pela qual não há iniciativa popular para a PEC;
  • As propostas de iniciativa do Presidente e de 1/3 da Câmara são apresentadas à Câmara;
  • As de iniciativa de 1/3 do Senado e das AL são apresentadas ao Senado;
  • No processo legislativo das Emendas, não há participação do Presidente da República, salvo quanto à iniciativa (ou seja, não veta, não sanciona e não promulga). A promulgação cabe às mesas da Câmara e do Senado, em sessão conjunta;
  • A Constituição determina também que a PEC deve ser discutida e votada em dois turnos na Câmara e em dois turnos no Senado, e o quórum de aprovação é a maioria qualificada de 3/5 dos membros de cada Casa, em cada turno;
  • Maioria simples = maioria dos presentes (desde que esteja presente pelo menos a maioria absoluta da casa - ex.: 41 Senadores é o mínimo dos presentes, aprovando a lei ordinária com no mínimo 21); 
  • Maioria absoluta = maioria dos membros que compõem a Casa; 
  • Maioria qualificada = qualquer maioria maior que a absoluta (ex.: 3/5 para Emenda, 2/3 para impeachment, etc.).
  • No processo legislativo das Emendas, a segunda Casa não atua como mera revisora, porque as duas Casas atuam com igualdade de forças; não há o predomínio da Casa iniciadora; só surgirá a Emenda se as duas Casas consentirem sobre o mesmo texto. Temos, neste caso, um bicameralismo igualitário ou de equilíbrio. A parte da PEC que receber consentimento de ambas as Casa já será promulgada; o restante da PEC em que houver divergências será discutida, alterada e novamente submetida a ambas as Casas em busca de um texto que atenda à exigência, quando então será publicada nova Emenda. Foi o que aconteceu com a reforma da previdência, em que a Emenda nº 41 foi aprovada antes da Emenda nº 47; o mesmo acontece com a reforma do Judiciário, sendo que a Emenda nº 45 é apenas uma parte da PEC, e o restante continua em tramitação;
  • O art. 60, §5º, prevê que o assunto objeto de PEC rejeitada ou tida por prejudicada, só poderá constar de nova PEC na sessão legislativa seguinte (próximo ano de trabalho do Legislativo). PEC rejeitada é a que teve o mérito apreciado; PEC prejudicada é a arquivada sem a apreciação do mérito. A doutrina minoritária considera esta restrição como uma limitação temporal; porém, prevalece o entendimento de que é uma limitação procedimental - se for rejeitada em dezembro, já pode ser proposta no mês seguinte. 
b) Limitações circunstanciais - art. 60, §1º: significa que a Constituição não poderá ser emendada na vigência de três circunstâncias: intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio; afinal, todas elas são situações de extrema anormalidade. A limitação visa a preservar a estabilidade da Constituição e dos direitos fundamentais que ela assegura. Por isso, a melhor interpretação deste dispositivo é a de que essas circunstâncias provocam a suspensão da própria tramitação da PEC, e não apenas da deliberação;

c) Limitações materiais - art. 60, §4º: são as chamadas cláusulas pétreas (ou núcleo intangível, ou cerne fixo). De acordo com o dispositivo, não será objeto de deliberação PEC tendente a abolir cláusula pétrea. Isto significa, segundo entendimento firmado pelo próprio STF, que Emenda não poderá abolir cláusula pétrea, nem introduzir modificação que enfraqueça, que atinja os elementos substanciais definidores de matéria definida como cláusula pétrea. As cláusulas pétreas expressas constam dos incisos do §4º do art. 60:
  • I - Forma federativa de Estado: este dispositivo não fez referência à forma de governo e ao sistema de governo;
  • II - Voto direto, secreto, universal e periódico: o voto direto como cláusula pétrea decorre do momento em que foi elaborada a CF/88, razão pela qual a interpretação usual é a de que esta cláusula pétrea refere-se apenas ao exercício das funções legislativa e governamental do Estado;
  • É possível discutir se haveria ou não violação à cláusula pétrea do voto direto diante de eventual Emenda que suprimisse a previsão constitucional do voto direto para Juiz de Paz - art. 98, II; afinal, haveria uma redução dos casos de eleição direta previstos pelo texto originário da Constituição;
  • Voto secreto refere-se à manutenção do voto popular secreto, para garantir a autonomia da vontade do eleitor, afastando eventuais pressões políticas, sociais e econômicas;
  • Voto universal é uma referência ao denominado sufrágio universal, que é o sistema de definição de quem terá o direito de votar, que não admite critérios discriminatórios. É o sistema oposto ao chamado sufrágio restrito, com suas históricas modalidades de sufrágio censitário (toma por base a condição econômica do indivíduo), de sufrágio cultural, e de sufrágio masculino; 
  • Voto periódico: a CF consagra com esta cláusula pétrea a temporariedade do mandato, e por via reflexa, o sistema que garante a alternância do poder. O limite máximo aceitável de periodicidade depende da ideia de razoabilidade. É possível utilizar como critério objetivo de verificação desse limite máximo tolerável o mandato de maior extensão previsto pela própria Constituição, art. 46, §1º.
  • III - Separação de Poderes: de acordo com o STF, não há uma fórmula abstrata e prévia de separação de Poderes obrigatória a todos os Estados. Portanto, separação de Poderes é o que cada Constituição considerar como tal. Na realidade, o Poder soberano do Estado é uno e indivisível, e suas funções é que são distribuídas por órgãos distintos e autônomos. O que esta cláusula pétrea pretende é exatamente evitar a concentração de funções; pretende a manutenção do modelo de distribuição das funções do Estado por ramos distintos do Poder soberano;
  • IV - Direitos e garantias individuais: alguns autores como Paulo Bonavides e Manoel Gonçalves Ferreira Filho sustentam que todos os direitos fundamentais, e não apenas os individuais, devem ser considerados cláusulas pétreas, alegando que não teria sentido imaginar que a Constituição tivesse privilegiado apenas uma geração de direitos fundamentais. Sustentando posição contrária, Moreira Alves destaca que cláusula pétrea é norma de interpretação restritiva. Quanto ao direito adquirido, existem as seguintes posições:
  • 1ª posição: sustentou que não é cláusula pétrea, uma vez que o art. 5º, XXXVI, prevê que a lei, e não a Emenda, não retroagirá para atingir o direito adquirido; 
  • 2ª posição: entende que o art. 5º, XXXVI, é um aspecto do direito individual à segurança, e como os direitos individuais são cláusulas pétreas, o direito adquirido também seria. É a posição que por enquanto prevalece no STF; 
  • 3ª posição: sustenta que, em princípio, direito adquirido é cláusula pétrea, mas eventualmente, diante de casos concretos, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, poderá deixar de ser reconhecido e nome de um interesse superior.
Emenda não pode criar cláusula pétrea inédita, por tratar-se de prerrogativa do poder constituinte originário, mas poderá tornar expressa matéria implicitamente tida como cláusula pétrea, ou então que já era um aspecto inerente a outra cláusula pétrea (ex.: criação, pela Emenda nº 45, do inciso LXXVIII do art. 5º, que consagrou expressamente o direito à celeridade processual e o direito à razoável duração do processo), que também constituem cláusulas pétreas porque já eram elementos do devido processo legal.

A doutrina reconhece a existência de cláusulas pétreas implícitas. As que não geram divergência são o titular do poder constituinte originário, o titular do poder constituinte derivado, e o próprio §4º do art. 60. A maioria tem entendido, inclusive, que todo o art. 60 constitui cláusula pétrea implícita.

Existe polêmica em relação à forma de governo republicana e ao sistema de governo presidencialista, que não constaram do roldas cláusulas pétreas expressas do art. 60, §4º.
  • Os que sustentam que essas matérias constituem cláusulas pétreas implícitas alegam que ambas foram objeto de deliberação popular direta no plebiscito de 1993, e só poderiam ser alteradas por um novo plebiscito. Além disso, a forma republicana seria cláusula pétrea decorrente de outra, que é o voto direto, e o sistema presidencialista seria cláusula pétrea também decorrente de outra, que é a separação de poderes;
  • Os que sustentam a posição contrária alegam, em primeiro lugar, que o resultado de um plebiscito pode ser obrigatório em um dado momento, mas não é permanente, e a CF, no art. 1º, Parágrafo único, consagrou em posição de igualdade a democracia representativa e a democracia direta. Além disso, a cláusula pétrea do voto direto, por referir-se apenas às funções legislativa e governamental, não seria incompatível com o modelo de monarquia parlamentarista; e quanto ao presidencialismo, nada impediria sua substituição pelo parlamentarismo, já que a cláusula pétrea da separação de poderes exige apenas um modelo de distinção de poderes, o que também existe no parlamentarismo.

2.8.2) Lei Complementar e Lei Ordinária

2.8.2.1) Diferenças

Tradicionalmente, a doutrina aponta diferenças de caráter material e de caráter formal entre elas.

a) Caráter material: a CF reservou a disciplina de determinadas matérias para Lei Complementar, deixando o restante para a lei ordinária. Portanto, a lei ordinária é fruto da atividade cotidiana, usual do legislador, enquanto que a Lei Complementar é fruto da atividade excepcional do legislador;

b) Caráter formal: refere-se ao quórum de aprovação. Lei Complementar deve ser aprovada por maioria absoluta, e lei ordinária pode ser aprovada por maioria simples.
  • O STF firmou entendimento de que não há hierarquia entre elas; entendeu que eventual conflito não deve ser solucionado com base em hierarquia, e sim com base na natureza da norma. Isto significa que se o Congresso aprovar norma por ele denominada Lei Complementar para tratar de matéria que não foi reservada pela CF à Lei Complementar, esta norma terá natureza de lei ordinária. Apesar desta posição do STF, na doutrina persiste a divergência sobre esta questão: 
  • Os que sustentam a inexistência de hierarquia, apenas consideram que a CF distribuiu matérias para Lei Complementar e lei ordinária;
  • Os que sustenta a hierarquia alegam que o quorum mais rigoroso para a aprovação é indicativo de superioridade. A previsão do art. 59, Parágrafo único, de que Lei Complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, deixando claro que esta Lei Complementar (nº 95/98) deve ser obedecida por todas as demais leis. Ainda, o argumento histórico, pois a ideia de Lei Complementar foi importada da Constituição da França de 1958, que previu uma lei de estatura intermediária, abaixo da Constituição e acima da lei ordinária

2.8.2.2) Processo Legislativo

O processo legislativo das leis é ato complexo, e que envolve necessariamente a participação do Legislativo e do Executivo. A doutrina divide o processo legislativo em fases:
  • 1ª fase - Fase introdutória: compreende a apresentação do projeto, seu recebimento pela Casa iniciadora, atribuição de um número e publicação do projeto no jornal oficial desta Casa. 
  • O art. 61 relaciona os que possuem iniciativa legislativa. São eles qualquer deputado federal, qualquer senador, qualquer comissão parlamentar das duas casas e as mistas, Presidente da República, PGR, STF, Tribunais Superiores e qualquer cidadão (chamada iniciativa popular, exigindo a CF que o cidadão consiga a assinatura de 1% do eleitorado nacional, com não menos de 0,3% do eleitorado de cada um de 5 Estados). Além disso, o STF entendeu que o TCU tem iniciativa legislativa, a partir de interpretação conjunta dos art. 73 e 96 da CF. 
  • Prevalece o entendimento de que os cidadãos, os parlamentares, as comissões parlamentares e o Presidente da República podem apresentar projetos sobre qualquer assunto, ressalvados os casos de iniciativa exclusiva, enquanto que os demais só poderão apresentar projetos sobre os respectivos órgãos. 
  • Os projetos são apresentados, via de regra, na câmara dos deputados, que é a Casa representativa do povo. Só poderão ser apresentados no senado projetos de iniciativa de senador ou de comissão do senado.
  • 2º fase - Fase constitutiva: recebido o projeto, o presidente da Casa iniciadora o distribuirá à comissão parlamentar competente para exame. 
  • As comissões parlamentares podem ser permanentes e temporárias. As permanentes são divididas por matéria, razão pela qual são chamadas comissões técnicas ou temáticas; são permanentes porque não tem prazo de duração. As temporárias são criadas para o exame de projetos específicos, e são extintas com a conclusão dos trabalhos; exemplos disso são as comissões especiais criadas para o exame de projetos de código e de projetos que tratam de matérias incidentes no campo temático de mais de 3 comissões permanentes. Em princípio, cabe à comissão parlamentar competente examinar e emitir um parecer sobre o projeto; poderá inclusive, durante seus trabalhos, convocar audiência pública para ouvir especialistas na matéria; 
  • Aprovado o parecer, o projeto é enviado ao plenário da Casa para discussão e votação. Porém, esse trajeto pode ser encurtado, pois com base no art. 58, §2º, I, não havendo vedação constitucional ou regimental, a própria comissão parlamentar poderá votar o projeto em caráter final, e remetê-lo posteriormente ao plenário. É o que se denomina delegação interna corporis. Nessas situações, só haverá a posterior apreciação pelo plenário se for dado provimento a recurso com esta finalidade interposto por pelo menos 1/10 dos membros da casa. Entre os casos em que não se admite a delegação interna corporis encontram-se os projetos de código, os projetos de Lei Complementar, os de iniciativa popular, dentre outros. 
  • Votado o projeto, seja pelo plenário, seja em caráter final pela comissão parlamentar, se houver rejeição, o projeto será arquivado, e de acordo com o art. 67 um novo projeto sobre o mesmo tema só pode ser apresentado na mesma sessão legislativa se for subscrito pela maioria absoluta da Câmara ou do Senado; caso contrário, só poderá ser apresentado na sessão legislativa seguinte; 
  • Aprovado o projeto, seguirá ele para a Casa revisora, na qual as mesmas etapas serão realizadas. Se a casa revisora rejeitá-lo, o projeto será arquivado, e a apresentação de um novo também deverá observar o art. 67. Se a casa revisora aprovar sem alterações, remeterá o projeto ao Presidente da República, mas se aprová-lo com alterações o devolverá à casa iniciadora, a qual apenas examinará as emendas da revisora, e prevalecerá a decisão da casa iniciadora, que enviará na sequência o projeto ao Presidente da República. Temos aqui um bicameralismo não igualitário, ou de desequilíbrio (diferentemente das PEC) - há uma primazia da casa idealizadora. A apreciação legislativa poderá ser submetida a procedimento de urgência. A CF faz referência a um tipo de procedimento de urgência: é o que consta do art. 64, que prevê que o Presidente da República poderá requerer urgência aos projetos de sua iniciativa; é o que se chama procedimento sumário ou de urgência constitucional. Neste procedimento não há supressão de etapas, mas redução de prazos de apreciação. 
  • 3ª fase - Sanção ou veto: são atos do Presidente da República;
  • Sanção: é a concordância do Presidente da República com o PL. Esta sanção pode ser expressa (o Presidente concorda expressamente) ou tácita (o Presidente recebe o PL e deixa de se manifestar por 15 dias úteis, após os quais o PL está sancionado tacitamente); 
  • Veto: é a discordância do Presidente com o PL, o qual deve ocorrer no prazo de 15 dias úteis, sob pena de sanção tácita. Além de expresso, o veto deve ser fundamentado, seja político (o PL é contrário ao interesse público) ou jurídico (o PL é inconstitucional, por vício formal ou material). A sanção presidencial não convalida o PL de iniciativa privativa do Presidente, mas que foi iniciado por outro interessado. O veto pode ser total (todo o PL é vetado) ou parcial (trechos do PL é vetado - o veto parcial deve abranger texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea, sob pena de se mudar os sentidos das expressões maculando o intento do legislador - art. 65, Parágrafo único). Os motivos do veto devem ser comunicados ao Presidente do Congresso no prazo de 48 horas, para ser colocado em deliberação se será mantido ou derrubado. Aqui, o quórum de votação é a maioria absoluta do Congresso Nacional em sessão conjunta, no prazo de até 30 dias do recebimento. Se não entrar em votação nesse prazo, o veto fica mantido. Se o veto for derrubado, o PL está sancionado, seguindo para promulgação.
  • 4ª fase - Promulgação: é o ato que formalmente transforma o PL em Lei. É ato do Chefe do Poder Executivo. Quando a sanção é expressa, a promulgação é feita no mesmo ato, sendo enviado para publicação. Quando a é sanção tácita, ou o veto é derrubado, o Presidente da República terá o prazo de 48 horas para fazer a promulgação. Se não promulgar no prazo, o Presidente do Senado promulgará, no prazo de 48 horas. Se não promulgar no prazo, o Vice-Presidente do Senado promulgará, no prazo de 48 horas;
  • 5ª fase - Publicação: no Diário Oficial, importante para determinar a entrada em vigor, sendo caso, o prazo de vacatio legis.

PGFN 2012
17- Sobre a organização constitucional do Poder Legislativo, é incorreto afirmar:
a) que, salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa do Congresso Nacional e de suas comissões serão tomadas por maioria absoluta de votos, presente a maioria absoluta de seus membros.
b) é da competência exclusiva do Congresso Nacional, dispensada a sanção presidencial, autorizar o Presidente da República a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar.
c) que a Câmara dos Deputados, ou qualquer de suas comissões, poderá convocar Ministro de Estado para prestar, pessoalmente, informações sobre assuntos previamente determinados, ou, ainda, a Mesa da Câmara dos Deputados poderá encaminhar pedidos escritos de informação a Ministro de Estado, para adequado atendimento, sob pena de crime de responsabilidade, no prazo de trinta dias.
d) que ao Senado Federal compete privativamente processar e julgar, nos crimes de responsabilidade, o Advogado-Geral da União.
e) que os deputados e senadores não poderão, desde a expedição do diploma, firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes.
GABARITO: A


PGE-RS 2015
QUESTÃO 27 – Nas deliberações parlamentares, o voto secreto era previsto
GABARITO: E) nas hipóteses de cassação de mandato parlamentar e de apreciação de veto presidencial, sendo abolido em ambas as hipóteses pela Emenda Constitucional nº 76/2013, em consonância com os princípios da transparência e moralidade.



2.8.3) Medida Provisória - art. 62

São editadas pelo Presidente da República, com força de lei, em casos de relevância e urgência. É uma função atípica do Poder Executivo, o qual em regra só legisla regulamentos, decretos e normas inferiores. A medida provisória deve ser submetida de imediato ao Congresso Nacional. Publicada, ela já produz efeitos.

Há matérias nas quais é vedada a edição de medida provisória; são aquelas previstas no art. 62, §1º: relativa a nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; direito penal, processual penal e processual civil; organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; também é vedada MP que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; matéria reservada a lei complementar; matéria já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.

Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II (impostos de importação, de exportação, IPI, IOF e impostos extraordinários na iminência de guerra), só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada - art. 62, §2º. MP não pode alterar o CTN, o qual tem status de lei complementar.


2.8.3.1) Prazos

a) Prazo para conversão em lei: o prazo é de 60 dias, podendo ser prorrogado uma vez por igual período. Este prazo fica suspenso durante o período de recesso do Poder Legislativo. Se nesse prazo a MP não for convertida em lei, perderá a eficácia desde sua edição. Antes disso, ela será apreciada pelo Congresso;

b) Prazo para apreciação (votação): o prazo é de 45 dias contados de sua publicação (este prazo corre dentro do período dos 60 dias acima). Se nesse prazo ela não for apreciada, entrará em regime de urgência, ficando sobrestadas todas as demais votações, até que ela seja apreciada - trancamento de pauta;

c) Rejeição ou perda de eficácia: se a MP for rejeitada ou perder a eficácia, caberá ao Congresso Nacional regular as relações decorrentes da MP por meio de Decreto Legislativo, no prazo de 60 dias. Se o Congresso não regular tais relações, estranhamente, as mesmas permanecem sendo regidas por aquela MP rejeitada ou não apreciada. A MP não poderá ser reeditada na mesma sessão legislativa em que foi rejeitada ou perdeu a eficácia.


2.8.3.2) Procedimento de Conversão em Lei

Fases:
  • 1ª fase - Apreciação por comissão mista: o primeiro passo do procedimento é que a MP deve ser apreciada por uma comissão mista formada por Deputados e Senadores. Tal comissão especial é temporária, e analisará a MP para emissão de parecer. Não será apreciada por comissões temáticas, seguindo para votação, inicialmente na Câmara dos Deputados (tal como os PL de iniciativa do Presidente). O quórum de aprovação é o de maioria simples, tal como nos PL;
  • 2ª fase - Alterações: se houver alteração do texto da MP, será tratado como PL, e seguirá para sanção ou veto do Presidente da República. Daqui pra frente, segue as fases da lei ordinária. Enquanto o projeto não é sancionado, ficará valendo a redação original da MP;
  • 3ª fase - Aprovação: se não houver alteração no texto da MP, a promulgação será feita pelo Presidente do Senado (dispensa-se a sanção ou o veto, obviamente).

PGFN 2015
9- Sobre o processo legislativo escolha a opção correta:
GABARITO: d) A medida provisória mantém-se integral até que sancionado ou vetado o projeto de lei de conversão que alterou o seu texto original. 



2.8.4) Lei Delegada - art. 68

Pouco utilizada, está esvaziada pela MP, que na prática é utilizada inclusive quando não há relevância ou urgência.

A lei delegada é elaborada pelo Presidente da República, que solicita delegação pelo Congresso Nacional. Trata-se também de exercício de função atípica pelo Poder Executivo. Tal delegação é dada na forma de Resolução do Congresso Nacional, a qual será específica na concessão da autorização. Se a lei delegada extrapolar os limites da delegação legislativa, o Congresso Nacional poderá sustá-la por meio de decreto legislativo, com fundamento no art. 49, V.

As matérias do art. 68, §1, não podem ser objeto de delegação.

Se houver previsão na resolução, o Congresso Nacional poderá apreciar o projeto de lei delegada. Neste caso, será feita uma votação única, vedada qualquer emenda.


2.8.5) Decreto Legislativo

São cabíveis em dois casos:

a) Matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional, que são as do art. 49;

b) Regular as relações decorrentes da medida provisória que for rejeitada ou perder a eficácia.

Assim, a diferença elementar entre o decreto legislativo e a lei é que o decreto legislativo não se submetem a sanção ou veto do Presidente da República.


2.8.6) Resolução do Congresso

São cabíveis em 3 casos.

a) Para fins de autorizar a elaboração de lei delegada, acima tratada;

b) Tratar das matérias de competência privativa da Câmara dos Deputados - art. 51;

c) Tratar das matérias de competência privativa do Senado Federal - art. 52.

As resoluções também não se submetem à sanção ou veto do Presidente da República.


22 - Contratos Administrativos II




8) Consequências da Inexecução do Ajuste

São consequências da inexecução do ajuste a responsabilidade civil e administrativa, além da revisão e a rescisão do contrato. Estão previstas especialmente na Lei nº 8.666/93.

A responsabilidade civil resolve-se com a indenização ao prejudicado e, ordinariamente, decorre de culpa em sentido amplo, abrangendo o dolo e a culpa em sentido estrito (negligência, imprudência e imperícia).

A responsabilidade administrativa acarreta principalmente a aplicação de sanções ao contratado, já vistas no item pertinente.

A revisão e a rescisão do contrato serão tratadas em separado, dada a sua importância.


8.1) Revisão do Contrato

O contrato deverá ser revisto se ocorrer:
  • Alteração unilateral das cláusulas regulamentares ou de serviço pela Administração Pública; ou
  • Causas justificadoras da inexecução do ajuste:
  • Caso fortuito (evento da natureza, como inundação); 
  • Força maior (evento humano, como greve); 
  • Fato do príncipe (ato geral do Estado, como lei); 
  • Fato da administração (ato específico do Estado, como falta de licenciamento ambiental); 
  • Interferências imprevistas (situações preexistentes, como terreno arenoso).

A revisão do contrato enseja a recomposição dos preços diante da nova situação fática existente e para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.

O contratado recebe remuneração proporcional aos encargos assumidos, de forma que, alterados os encargos, há que se alterar a remuneração, para manutenção da equação econômico-financeira ou do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo deve ser mantido, impondo a revisão do contrato sempre que o equilíbrio fique comprometido em razão da alteração das cláusulas regulamentares ou de serviço pela Administração Pública ou mesmo diante da ocorrência de eventos imprevisíveis, ou previsíveis, mas de consequências incalculáveis, que onerem excessivamente uma das partes contratantes, ou seja, diante da ocorrência do caso fortuito, da força maior, do fato do príncipe, do fato da administração e das interferências imprevistas.

Segundo Hely Lopes Meirelles: “Não se trata, nesses casos, do reajustamento contratual do preço, mas, sim, de revisão do próprio ajuste diante de situações novas, imprevistas e imprevisíveis, e portanto não cogitadas pelas partes no momento da celebração do contrato”.

A revisão do contrato que acarreta a recomposição dos preços não deve ser confundida com o reajuste de preços. O reajustamento contratual do preço decorre da prática contratual brasileira. Em razão da inflação, tornou-se praxe a previsão da variação dos preços contratuais segundo a variação de índices, isto é, a indexação dos preços com base em índices setoriais.

A recomposição dos preços e o reajuste contratual dos preços têm o mesmo fundamento, assegurar a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, mas são figuras distintas:
  • Recomposição dos preços: devolução do poder de compra da moeda (ex.: no início do contrato, um saco de cimento custava X;  na medida que esse saco de cimento vai tendo seu valor majorado, a moeda vai perdendo seu poder de compra - inflação);
  • Reajuste contratual: como no fato do príncipe (ex.:  o Estado majorou a alíquota do ICMS sobre o cimento), ou caso fortuito (ex.: o cimento encareceu por falta do produto na praça), ou fato da Administração (ex.: o DNIT passou a exigir que a obra conte com um tipo especial de cimento).

O restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato mediante a recomposição dos preços se faz nos termos do art. 65, inciso II, alínea “d”, da Lei, ou seja, mediante acordo entre as partes e por aditamento contratual.

O reajuste do valor da contratação por aplicação dos índices previstos nos contratos independe de aditamento contratual. Prevendo o contrato o índice para o reajuste, desnecessário o aditamento.


8.2) Rescisão do Contrato

O contrato, uma vez celebrado, deve ser fielmente cumprido pelas partes e ser extinto pela execução de seu objeto. No entanto, nem sempre isto ocorre. A rescisão acarreta o desfazimento do contrato durante sua execução.

A rescisão se efetiva pelas seguintes formas: 
  • Rescisão administrativa, isto é, por ato unilateral da Administração;
  • Rescisão amigável, ou seja, por acordo entre as partes;
  • Por rescisão judicial, via decisão judicial; 
  • Por rescisão de pleno direito, que é a declaração da ocorrência de fato que acarrete o rompimento do ajuste.


8.2.1) Rescisão Administrativa

Dá-se por ato unilateral da Administração Pública, nas seguintes hipóteses:

a) Por inadimplência do contratado: estando o contratado inadimplente, além de sofrer a rescisão unilateral do contrato, ainda deverá indenizar a Administração Pública pelos prejuízos causados, podendo também ser punido. Caracteriza a inadimplência do contratado - art. 78, I a VIII: 
  • Descumprimento ou cumprimento irregular de cláusulas, especificações, projetos ou prazos; 
  • Lentidão no seu cumprimento; 
  • Atraso no início da execução; 
  • Paralisação da execução do contrato; 
  • Subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato; 
  • Desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a execução do contrato; 
  • Cometimento reiterado de faltas na execução do contrato;
  • Utilização irregular de mão de obra, conforme a idade do empregado, nos termos da CF/88, art. 7º, XXXIII - inserido pela Lei nº 9.54/99. Menores de 14 anos não podem trabalhar nem como aprendizes; menores de 16 anos podem trabalhar como aprendizes; menores de 18 anos não podem exercer trabalhos noturnos, insalubres ou perigosos.

Merece comentário mais detalhado a hipótese descrita no artigo 78, VI, da Lei, a que autoriza a rescisão unilateral do contrato em decorrência de subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato.

Os contratos administrativos são intuitu personae, isto é, são contratos pessoais, embora a regra não seja absoluta, havendo que se afastar tal natureza, por exemplo, nos contratos de venda de bem inservível para a Administração, em que não importa a pessoa contratada.

No entanto, via de regra, os contratos administrativos são intuitu personae, e isso porque a escolha do contratado depende prévio procedimento licitatório, onde são analisadas as características subjetivas, na fase de habilitação dos licitantes.

A natureza intuitu personae dos contratos administrativos visa a impedir que a transferência das obrigações contratuais acarrete risco de inadimplência do avençado, além de evitar fraude à licitação (ex.: empresa vence a licitação e depois se funde a uma outra que estava declarada inidônea).

Carlos Ari Sundfeld adverte que não se deve confundir natureza personalíssima da prestação com caráter pessoal do contrato, pois o segundo nem sempre implica na primeira. A prestação é personalíssima quando só possa ser realizada por certa pessoa física, dotada de habilidade especial (ex: parecer de um jurista, o mural de certo artista gráfico). Por óbvio, se a prestação é personalíssima, o contrato também será intuitu personae. Mas nem todo contrato pessoal envolve prestação personalíssima, podendo-se citar os contratos administrativos para limpeza de prédio púbico, em que pouco importa a pessoa física executora.

Para o autor, a pessoalidade do contrato decorre, alternativamente:
  • Da natureza personalíssima da prestação; ou
  • Da necessidade de garantia de boa execução; ou 
  • Do respeito devido à ordem de classificação na licitação.
Por tais razões é que a hipótese do artigo 78 acarreta a rescisão unilateral do contrato. A rescisão unilateral por inadimplência do contratado ainda acarreta - art. 80:
  • A retomada do objeto do contrato pela Administração;
  • A ocupação provisória dos bens e pessoal do contratado, vinculados à execução do contrato, no caso de serviços essenciais;
  • A execução da garantia para ressarcimento de multas e de outros prejuízos causados pelo contratado;
  • A retenção dos créditos devidos ao contratado até o limite dos prejuízos por ele causados à Administração.

b) Por razões de interesse público: a rescisão unilateral por razões de interesse público acarreta o dever da Administração Pública indenizar o contratado pelas despesas efetuadas e pelo que deixou de lucrar, o que impõe seja realizada apenas quando a manutenção do contrato propiciar um prejuízo ainda maior ao interesse público do que a sua rescisão.

Na justa observação de MJF: “A rescisão por inconveniência da contratação provoca, de modo inevitável, um prejuízo para a Administração Pública. As despesas já efetivadas anteriormente e a indenização devida ao particular acarretarão uma perda para o patrimônio público. Logo, apenas se aplica a regra quando a continuidade da execução do contrato acarretar lesões ainda maiores. A perda da Administração deve configurar-se como um mal menor do que a continuidade da execução”.

A rescisão unilateral, por inadimplência do contratado ou por razões de interesse público, deve ser precedida de oportunidade de defesa e de contraditório ao contratado - art. 78, Parágrafo único.

MJF entende que no caso de rescisão unilateral do contrato por interesse público, não há lugar para aplicação do disposto no artigo 80, retro transcrito. Confira-se:

“Se a Administração invocou razões de conveniência administrativa - art. 78, XII, não estarão presentes os pressupostos para aplicação das providências previstas no artigo 80. Primeiramente, inexistirá inadimplemento do particular. Logo, não há risco de suspensão da prestação do serviço público ou de inexecução das prestações contratuais. Ao ver da Administração existirá uma forma mais conveniente para executar a prestação. Mas, no momento enfocado, a prestação estará sendo desenvolvida segundo as restritas regras contratuais".

Se a Administração reputar mais conveniente executar a prestação sob outra modalidade jurídica, não pode se apossar dos bens privados. A conveniência, no caso, autorizaria a desapropriação, e não a requisição dos bens particulares. A desapropriação exigiria prévia indenização em dinheiro.

Tanto é verdade que o art. 79, § 2º, aludiu ao direito do particular receber indenização pelo custo da desmobilização do aparato utilizado na execução da prestação, quando a rescisão invocar a conveniência administrativa. Pressupõe que o particular permanecerá investido na posse de seus bens. Nem se poderia cogitar de excussão de garantia (a qual, na hipótese do inc. XII, deverá ser devolvida ao particular – art. 79, § 2º, inc. I) ou de retenção pela Administração de pagamentos devidos ao particular”.

A rescisão unilateral produz efeitos “ex nunc”, isto é, a partir da rescisão.


8.2.2) Rescisão Amigável

É feita de comum acordo entre as partes. Deve ser realizada da mesma forma que a contratação, observando-se o instrumento utilizado e a competência.

A Administração somente pode celebrar a rescisão amigável se for conveniente ao interesse público.

Nos termos do art. 79, § 1º, a rescisão amigável depende de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente, gerando efeitos “ex nunc”, embora as partes possam convencionar regras com efeitos retroativos (ex: juros incidentes em parcelas atrasadas).


8.2.3) Rescisão Judicial

É a determinada por decisão judicial em decorrência de ação proposta. Normalmente é a via utilizada pelo contratado, caso não consiga obter a rescisão amigável. 

A Administração também pode requerer a rescisão judicial, embora não esteja obrigada a fazê-lo porque dispõe da rescisão unilateral (decorrente da autotutela e autoexecutoriedade).

O contratado pode pleitear a rescisão judicial nas hipóteses do artigo 78, incisos XIII a XVI da Lei, quais sejam:

a) Supressão, pela Administração, do objeto do contrato, além do limite legal; 

b) Suspensão da execução do objeto do contrato, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo; 

c) Atraso superior a 90 dias dos pagamentos devidos pela Administração, nos contratos de obras, serviços ou fornecimento, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra; 

d) A não-liberação, por parte da Administração, da área, local ou objeto para a execução do contrato de obra, serviço ou fornecimento (fato da Administração);

O contratado tem direito à indenização na hipótese de inadimplência da Administração, composta pelas despesas que efetuou, prejuízos sofridos e lucros cessantes. Também deverá receber de volta a garantia eventualmente prestada.


8.2.4) Rescisão de Pleno Direito

É aquela que decorre de fato extintivo do contrato, previsto na lei, regulamento ou no próprio texto do contrato ou do Edital, independentemente da vontade das partes (ex.: falência do contratado; falecimento do contratado).

O rompimento do vínculo contratual ocorre com o fato ou o ato extintivo previsto, sendo que eventual declaração posterior tem efeitos “ex tunc”.



9) Principais Contratos Administrativos

Serão analisados os principais contratos administrativos: o de obra pública, o de serviço público, o de fornecimento, o de concessão. A concessão será subdividida em: concessão de serviço público, concessão de obra pública, concessão de uso de bem público e parceria público-privada. Também será analisada a permissão de serviço público, ressalvando-se, desde logo, existir discussão quanto à sua natureza, ou seja, se configura ato administrativo unilateral ou contrato administrativo.


9.1) Contrato de Obra Pública e Contrato de Prestação de Serviços

Dispõe o inciso I, do art. 6º da Lei nº 8.666/93 que obra é toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta.

O inciso II do mesmo artigo define o serviço como toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens publicidade, seguro ou trabalho técnico-profissionais.
  • O elenco de obra pública é taxativo, ou seja, somente o que consta do inciso I, do artigo 6º é que poderá ser entendido como sendo obra pública;
  • Já o elenco do serviço é exemplificativo.

Os serviços pretendidos pela Administração podem ser comuns ou técnico-­profissionais:
  • Os primeiros não exigem habilitação específica (ex: serviço de limpeza de prédio público);
  • Os demais exigem habilitação específica (ex.: serviços de arquitetura). 
  • Dentre os serviços técnico-profissionais, destacam-se os especializados, dispostos no art. 13, quando a contratação deverá ser feita preferencialmente por licitação de modalidade concurso; 
  • Na hipótese da Administração pretender contratar profissional notoriamente especializado - art. 25, § 1º, a licitação é inexigível - art. 25, II; 
  • Existe também a modalidade de serviço artístico, que pode ser contratado sem licitação, desde que se trate, nos termos do art. 25, III, de profissional consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

A execução da obra ou do serviço pode ser feita diretamente, isto é, pelos próprios órgãos e entidades da Administração, hipótese em que não existirá o contrato. A execução indireta caracteriza-se pela contratação de terceiros para o fim de executar a obra ou o serviço - arts. 6º, VII e VIII, e 10.


9.2) Modalidades de Execução Indireta de Obra ou de Serviço

A execução indireta, ou seja, mediante a contratação de terceiro para a feitura da obra ou do serviço, pode se dar por empreitada ou por tarefa.
  • A modalidade da Administração contratada ou Administração interessada foi vetada pelo Presidente da República, não constando do rol da Lei 8.666/93. Por tal modalidade, a Administração contratava um particular para gerenciar a execução da obra ou do serviço, fixando-se a remuneração em percentual do custo total do objeto do contrato.


a) Empreitada: caracteriza a empreitada a execução, pelo particular, da obra ou do serviço, por sua conta e risco, mediante remuneração preestabelecida. A empreitada pode ser de lavor ou de materiais:
  • De lavor: o empreiteiro executa a obra ou o serviço, sem fornecer o material;
  • De material: o empreiteiro executa a obra ou o serviço e fornece o material.

Além destas espécies, a Lei prevê outra classificação de acordo com a forma de pagamento: empreitada por preço global e empreitada por preço unitário:
  • Por preço global: o pagamento é feito pelo valor total da obra ou do serviço;
  • Por preço unitário: o pagamento é feito com base na unidade contratada, como, por exemplo, por quilômetro.

A Lei 8.666/93 inovou ao estabelecer a empreitada integral. É caracterizada pela contratação de um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega ao contratante em condições de entrada em operação - art. 6º, VIII, “e”. A empreitada integral, para MJF, é espécie de empreitada global, mas nem toda empreitada global é empreitada integral.

A empreitada é global porque a forma de pagamento é feita com base no valor total da obra ou do serviço. Assim, na hipótese de ser realizada contratação para a instalação da parte elétrica de uma determinada obra, pode se avençar a empreitada global, mas não será integral porque o contratado apenas executou parte do empreendimento (elétrica), não a integralidade dele.


b) Tarefa: ocorre quando se ajusta mão-de-obra para pequenos trabalhos, por preço certo, com ou sem fornecimento de materiais - art. 6º, VIII, “d”. Tem lugar para contratos de pequenos valores, com dispensa de licitação, em que o documento escrito de contratação é a ordem de execução de serviço ou a nota de empenho de despesa (ex.: colocação de película de controle solar insulfilm nos vidros do prédio da Administração).


9.3) Contrato de Fornecimento

É o ajuste administrativo pelo qual a Administração adquire coisas móveis (materiais, produtos industrializados, gêneros alimentícios etc.) necessárias à realização de suas obras ou à manutenção de seus serviços.

Os contratos de fornecimento podem ser classificados em três modalidades: 
  • Fornecimento integral: o fornecimento é feito de uma só vez; é a que mais se aproxima da compra e venda do Direito Privado;
  • Fornecimento parcelado: o fornecimento se faz em parcelas e se exaure com a entrega final da quantidade avençada;
  • Fornecimento contínuo: entrega se estende no tempo pelo período avençado no contrato.

As compras, sempre que possível, deverão ser realizadas pelo sistema do registro de preços - art. 15, II.

As compras realizadas pela Administração Pública, com exceção das realizadas com dispensa de licitação quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, deverão ser divulgadas mensalmente em órgão de divulgação oficial ou em quadro de avisos de amplo acesso público - art. 16.


9.4) Contrato de Concessão

O contrato de concessão é contrato administrativo típico, ou seja, a presença das cláusulas exorbitantes e derrogatórias de Direito Comum existe de maneira acentuada.

Para MSZP, a concessão é “contrato administrativo pelo qual a Administração confere ao particular a execução remunerada de serviço público ou de obra pública, ou lhe cede o uso de bem público, para que o explore por sua conta e risco, pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais”.

É possível, então, destacar três espécies de contratos de concessão, que serão tratadas separadamente: contrato de concessão de serviço público, contrato de concessão de obra pública e contrato de concessão de uso de bem público.


10) Contrato de Concessão de Serviço Público

10.1) Legislação

A Constituição Federal dispõe, no art. 175, que a lei deverá estabelecer regras sobre a concessão (e também a permissão) de serviço público. A União tem competência para dispor a respeito de normas gerais sobre licitação e contratação, nos termos do artigo 22, XXVII, o que inclui a concessão de serviço público.

A Lei nº 8.987/95 foi editada com a finalidade de dar cumprimento aos artigos supra citados da CF/88, admitindo-se a aplicação subsidiária da Lei 8.666/93.

Há ainda a Lei nº 9.074/95 que “estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviço público”.

Existem também leis específicas disciplinando a concessão de energia elétrica, Lei nº 9.427/96, e a concessão de telecomunicações, Leis nºs 9.295/96 e 9.472/97.

Todas as pessoas políticas têm competência para editar normas específicas sobre a matéria, desde que não contrariem as normas gerais de competência da União (ex: Lei Paulista nº 7.835/92).


10.2) Conceito

Antes de discorrer sobre o contrato de concessão de serviço público, breves noções a respeito do serviço público devem ser feitas.

A definição do que deve ser entendido como serviço público decorre da opção feita pelo legislador. Em primeiro lugar, o legislador constituinte é quem elenca certas atividades como sendo “serviços públicos”. Além do legislador constituinte, o legislador infraconstitucional poderá descrever outras atividades como serviços públicos, desde que não invada o campo das atividades econômicas, deixado pela Constituição, à livre iniciativa dos particulares. Assim, por exemplo, os Municípios, em suas leis orgânicas, costumam tratar o serviço funerário como serviço público, exatamente porque esta atividade não invade o campo das atividades econômicas, a cargo dos particulares.

A CF/88 aponta alguns serviços como públicos, citando-­se, por exemplo, os artigos 21 e 23.

Os serviços públicos são, portanto, de titularidade do Estado (União, Estados, Municípios e Distrito Federal).

A prestação do serviço público, por sua vez, pode ser feita pelo próprio Estado, isto é, pelas próprias pessoas políticas, ainda que por meio de seus órgãos; como pode ser feita por pessoas jurídicas diversas das pessoas políticas. Nesta hipótese, o Estado pode criar pessoa jurídica para prestação do serviço público, conferindo-lhe personalidade jurídica de direito público ou privado, como também pode transferir o exercício da atividade para particulares alheios ao aparelhamento estatal, mediante concessão ou permissão.

Interessa, por ora, a concessão de serviço público.

Para CABM “concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço”.


10.3) Características do Contrato de Concessão de Serviço Público

Para caracterização do contrato de concessão de serviço público é necessário que a remuneração do concessionário seja decorrente da exploração do serviço concedido.

De regra, a remuneração provém das tarifas cobradas dos usuários. Como exceção à regra, a exploração do serviço público pode provir de outras fontes de receita, como acontece nas concessões de rádio e televisão (radiodifusão sonora e de sons e imagens) em que a remuneração advém da divulgação de publicidade de anunciantes.

Acrescente-se que para favorecer a modicidade das tarifas, o poder concedente pode subsidiar parcialmente o concessionário, como também podem ser previstas fontes de receitas alternativas em seu favor.

Confere-se ao concessionário apenas o exercício de um certo serviço público, permanecendo em mãos da Administração concedente a titularidade do serviço, o que lhe atribui as prerrogativas de alterar unilateralmente as cláusulas regulamentares e de rescindir unilateralmente o contrato por motivo de interesse público.

Na opinião de CABM, somente os serviços públicos privativos do Poder Público é que podem ser objeto de concessão. Assim, não se sujeitam à concessão os serviços de saúde, de educação, de previdência social e de assistência social, visto que podem ser prestados pelos particulares, embora submetidos ao poder de polícia.

Depende sempre de licitação, conforme art. 175 da CF/88. Ressalvadas algumas hipóteses, a modalidade cabível é a concorrência - Lei 8.987/95, art. 2º, II.

O concessionário executa o serviço por sua conta e risco, correndo os riscos normais do empreendimento. Faz jus à remuneração, de regra, mediante tarifa. Tem direito ao equilíbrio econômico-financeiro entre encargos e remuneração.

O usuário tem direito à prestação do serviço público, além de outros direitos, conforme art. 175, Parágrafo único, II, como também o faz a Lei nº 8.987/95, 7º.

Ao usuário deve ser prestado serviço adequado, entendido como aquele que satisfaz as condições de regularidade, generalidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, cortesia na prestação e modicidade das tarifas.

O concessionário responde pelos prejuízos causados a terceiros em decorrência da execução do serviço e a responsabilidade é objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Há responsabilidade subsidiária do Poder Público na hipótese do patrimônio do concessionário não ser suficiente para compor os prejuízos causados na prestação do serviço público. Isso ocorre porque a modificação subjetiva na prestação do serviço público não pode modificar a responsabilidade em detrimento do usuário.

A rescisão unilateral da concessão antes do prazo estabelecido por motivo de interesse público recebe o nome de encampação, devendo a Administração indenizar o contratado pelas perdas e danos - Lei 8.987/85, art. 37.

A rescisão unilateral por motivo de inadimplência recebe o nome de caducidade ou decadência; a indenização circunscreverá apenas à parcela não amortizada do capital, formada pelos equipamentos necessários à prestação do serviço que reverterão ao concedente.

Em qualquer caso de extinção da concessão, os bens afetados à prestação do serviço público incorporam-se ao patrimônio da Administração concedente; é o que se denomina de reversão. O fundamento da reversão é o princípio da continuidade do serviço público. Portanto:
  • Encampação: a Administração rescinde o contrato por interesse público, com indenização do concessionário;
  • Caducidade: a Administração rescinde o contrato por inadimplência do concessionário, com indenização da parte não amortizada do investimento;
  • Reversão: em ambos os casos acima, a Administração incorpora os bens afetados que pertenciam ao concessionário, que será indenizada total (encampação) ou parcialmente (caducidade). Ou, ainda, poderá não ser indenizada, se o concessionário tiver que indenizar a Administração, conforme a seguir.


10.4) Reversão dos Bens

É a passagem dos bens do concessionário, aplicados ao serviço público, ao poder concedente no término da concessão. Trata-se de consequência da extinção do contrato de concessão de serviço público.

A reversão dos bens pode se dar com ou sem indenização do concessionário.

Na hipótese da concessão se findar pelo término de seu prazo, é de se presumir que o tempo do contrato tenha sido avençado para que proporcionasse ao concessionário o reembolso do capital investido e mais o lucro. Neste caso, seria cabível a indenização apenas para compor parcelas não amortizadas do capital, principalmente quando foi realizado algum investimento para garantir a atualização do serviço público.

Na hipótese da concessão se findar antes do prazo previsto, seja por culpa do concessionário ou por interesse público, o concessionário tem direito a receber indenização pelas parcelas ainda não amortizadas do capital.

Aliás, havendo rescisão por interesse público, o concessionário receberá, ainda, indenização por lucros não auferidos.

No caso de rescisão por inadimplência do concessionário, deverá ele indenizar a Administração pelos prejuízos a ela causados. Haverá, então, de ser feito o confronto entre o devido pela Administração em razão da reversão dos bens e o devido pelo concessionário pelos prejuízos causados ao Poder Público. O concessionário somente receberá verba indenizatória se o devido pela Administração pela reversão dos bens for superior aos prejuízos que causou.

PGFN 2012
53- Como regra, dão azo à indenização pela assunção de propriedade dos bens reversíveis, cujos investimentos respectivos ainda não tenham sido amortizados ou depreciados,
a) todas as espécies de extinção da concessão ou permissão.
b) todas as espécies de extinção da concessão ou permissão, à exceção das que ocorrem pelo advento do termo contratual.
c) todas as espécies de extinção da concessão ou permissão, à exceção das que ocorrem em face da rescisão.
d) todas as espécies de extinção da concessão ou permissão, à exceção das que ocorrem pelo advento do termo contratual ou pela rescisão.
e) todas as espécies de extinção da concessão ou permissão, à exceção das que ocorrem pelo advento do termo contratual e da caducidade.
GABARITO: A


10.5) Intervenção

É a medida disponível à administração pública para assumir o controle de concessionárias de serviço público ou signatárias de contrato de concessão administrativa, em situações de urgência, que põem em risco a continuidade dos serviços, os usuários ou o meio ambiente.
Lei nº 8.987/95
Art. 32. O poder concedente poderá intervir na concessão, com o fim de assegurar a adequação na prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes.
Parágrafo único. A intervenção far-se-á por decreto do poder concedente, que conterá a designação do interventor, o prazo da intervenção e os objetivos e limites da medida. 
Art. 33. Declarada a intervenção, o poder concedente deverá, no prazo de trinta dias, instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas determinantes da medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa.
§ 1º Se ficar comprovado que a intervenção não observou os pressupostos legais e regulamentares será declarada sua nulidade, devendo o serviço ser imediatamente devolvido à concessionária, sem prejuízo de seu direito à indenização.
§ 2º O procedimento administrativo a que se refere o caput deste artigo deverá ser concluído no prazo de até cento e oitenta dias, sob pena de considerar-se inválida a intervenção. 
Art. 34. Cessada a intervenção, se não for extinta a concessão, a administração do serviço será devolvida à concessionária, precedida de prestação de contas pelo interventor, que responderá pelos atos praticados durante a sua gestão.
PGFN 2012
54- No que se refere à figura da intervenção prevista no âmbito das concessões e permissões de serviços públicos, assinale a opção correta. 
a) A intervenção tem duração máxima de 180 (cento e oitenta) dias. 
b) Tal instituto é espécie de extinção da concessão ou permissão de serviço público. 
c) Como medida excepcionalíssima, a intervenção far-se-á por lei do poder concedente. 
d) A intervenção não demanda a prévia observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 
e) A intervenção demanda a prévia indenização pela assunção dos bens reversíveis, pelo Poder Público.
GABARITO: D



10.6) Concessão e Permissão de Serviço Público

A concessão de serviço público, como se viu, é contrato administrativo, isto é, provém de acordo de vontades, de ato bilateral.

A permissão de serviço público sempre foi entendida como ato unilateral, discricionário e precário, mediante o qual o particular recebia o exercício de serviço público que não necessitasse de grandes dispêndios financeiros. A precariedade conferia à Administração Pública a possibilidade de revogar a permissão, sem qualquer indenização ao permissionário.
  • Todas essas características revelam a natureza jurídica de contrato de adesão à permissão de serviço público.
A CF/88 tratou da concessão e da permissão no art. 175, Parágrafo único, I, conferindo a ambas a natureza de contrato. A Lei nº 8.987/95 também trata da permissão como contrato, embora o faça com impropriedade técnica porque lhe deu natureza jurídica contratual, mas estabeleceu a precariedade e a revogabilidade unilateral da permissão pelo poder concedente.

A falta de técnica jurídica contida no art. 40 da Lei 8.987/95 reside justamente em atribuir natureza contratual à permissão e, logo adiante, impor­-lhe o traço de precariedade, admitindo a revogação da permissão, como se ato fora. É sabido que somente os atos unilaterais podem ser revogados; os contratos, diversamente, são rescindidos.

São traços distintivos entre a concessão e a permissão:
  • A precariedade da permissão sem prazo determinado, em exceção à regra do art. 57, §3º da Lei nº 8.666/93. Caso seja instituída com prazo, praticamente desaparecerão as diferenças entre a concessão e a permissão;
  • A possibilidade de outorga a pessoa física na hipótese da permissão; 
  • A concorrência é modalidade de licitação obrigatória para a concessão, mas a lei não estatui modalidade obrigatória alguma para a permissão, não obstante haja quem defenda que a permissão também deve ser licitada via concorrência por força da norma contida no artigo 40 da Lei nº 8.987/95.


11) Contrato de Concessão de Obra Pública

Para MSZP, “é o contrato administrativo segundo o qual o Poder Público transfere a outrem a execução de uma obra pública, para que a execute por sua conta e risco, mediante remuneração paga pelos beneficiários da obra ou obtida em decorrência da exploração dos serviços ou utilidade que a obra proporciona”. 
  • Há quem entenda que o contrato de concessão de obra pública não existe autonomamente, mas apenas como acessório a um contrato de concessão de serviço público. Entre nós, tal tese foi defendida por Mário Masagão;
  • Outros, porém, admitem a existência autônoma do contrato de concessão de obra pública, notadamente quando a remuneração do concessionário decorre da cobrança de contribuição de melhoria pela realização da obra.

A Lei nº 8.897/95, em seu artigo 1º, admite a existência autônoma do contrato de concessão de obra pública, mas adiante refere-se a contrato de concessão de serviço público, precedido de obra pública - art. 2º, inciso III, sugerindo a natureza acessória do contrato de concessão de obra pública.

A remuneração do concessionário pode se dar de duas maneiras: pelo recebimento de tarifas dos usuários ou pelo recebimento de contribuição de melhoria daqueles que experimentaram proveito em decorrência da obra.

No Brasil, é usual a concessão de obra pública mediante a remuneração por tarifas pagas pelos usuários. Exemplos deste tipo têm-se na construção de estradas pelos concessionários que se remuneram pela cobrança de pedágio dos usuários.

A concessão de obra deve ser precedida de licitação, na modalidade de concorrência, aplicando-se, quanto ao mais, as regras da concessão de serviço público.


12) Contrato de Concessão de Uso de Bem Público

Para HLM, contrato de concessão de uso de bem público “é o destinado a outorgar ao particular a faculdade de utilizar um bem da Administração segundo sua destinação específica, tal como um hotel, um restaurante, um logradouro turístico ou uma área de mercado pertencente ao Poder Público concedente”.

Deve ser utilizada a concessão de uso de bem público preferentemente à permissão se o particular necessitar efetuar despesa considerável.


13) Contrato de Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia

Relevante acrescentar a concessão de uso especial para fins de moradia, regulada pela MP 2.220/01, que modifica em parte o Estatuto das Cidades - Lei nº. 10.257/2001. Segundo a MPV citada, quem, até 30 de junho de 2.001, haja possuído como seu, por cinco anos ininterruptos e sem oposição, imóvel público urbano de até 250 m2, utilizando-o para sua moradia, tem direito à concessão de uso especial, desde que não seja proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano ou rural. Se não for possível identificar os terrenos ocupados por possuidor, dispõe o art. 2º da MPV que a concessão será conferida de forma coletiva. E, nesse caso, o possuidor pode acrescentar à sua posse a de seu antecessor, desde que as duas sejam contínuas, para perfazer o total de cinco anos na data de 30 de junho de 2.001.

Trata-se de alternativa aos ocupantes de imóveis públicos urbanos, já que não se admite usucapião de bem público. A limitação temporal estabelecida na Medida Provisória citada tem por finalidade impedir o incentivo a invasões de imóveis públicos urbanos e, ao mesmo tempo, regularizar a situação daqueles que já possuíam imóvel público urbano por cinco anos ininterruptos e sem oposição até 30 de junho de 2.001.

A obtenção de título à concessão de uso especial para fins de moradia é gratuita e seu reconhecimento, seja por via administrativa, seja por via judicial (sentença), servirá para efeito de registro no cartório de Registro de Imóveis. O título é transferível por ato inter vivos ou causa mortis.

Caso o concessionário der ao imóvel destinação diversa da moradia para si ou sua família ou se adquirir a propriedade ou concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural, a concessão se extingue.


14) Distinção entre Concessão, Autorização e Permissão de Uso de Bem Público

Cumpre distinguir a concessão de uso de bem público da autorização e da permissão de uso de bem público.
  • A concessão, como se viu, tem natureza contratual, ao passo que a autorização e a permissão são atos unilaterais:
  • A autorização de uso de bem público é ato unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração confere ao particular a utilização de um bem público, gratuitamente ou não, com exclusividade. Por ser precária, pode ser revogada a qualquer momento, sem indenização. Confere ao particular mera faculdade de utilização do bem público, não um dever, já que é concedida para atender interesse predominante do particular. Reveste-se de maior precariedade do que a permissão. Destina-se à utilização de bens públicos por períodos transitórios. Independe de licitação e autorização legislativa (ex: uso de área municipal para instalação de circo, para formar canteiro de obra pública); 
  • A permissão de uso de bem público é ato unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração confere ao particular a utilização de um bem público, gratuitamente ou não, com exclusividade para fins de interesse coletivo. A precariedade é mais acentuada na autorização do que na permissão. A permissão é conferida no interesse do particular e do público e, portanto, obriga o permissionário ao uso do bem, sob pena de caducidade do ato. Embora não dependa de autorização legislativa e nem de licitação, parece razoável exigir esta última se houver possibilidade de competição entre interessados (ex: bancas de jornais em ruas 
  • Fala-se que o uso de calçadas públicas para colocação de mesas e cadeiras em frente aos restaurantes e bares depende de permissão. Não parece que isso seja do interesse coletivo, do interesse público, nem que seja obrigatório. O bar não é obrigado a colocar as mesas e as cadeiras na calçada; se deixar de colocar, não perde tal permissão. Por isso, a pretensão tem todos contornos de autorização.




15) Contrato de Parceria Público-Privada

A Lei nº 11.079/04 institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública.

Trata-se, em linhas gerais, de instrumento destinado a captar recursos privados para o desenvolvimento de atividades em que a atuação isolada do Estado se revele insuficiente.


15.1) Conceito

Parceria público-privada, conforme artigo 2º, é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.
  • Concessão patrocinada: é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado - § 1º;
  • Concessão administrativa: é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, ainda que envolva a execução de obra ou fornecimento e instalação de bens - § 2º.


15.2) Concessão Comum e Comparação com a PPP

Segundo o artigo 2º, § 3º, não constitui parceira público-privada a concessão comum, assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987/95, quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.

Tradicionalmente, a concessão, seja de serviço público, seja de obra pública, tem sido entendida como contrato administrativo mediante o qual o particular recebe a incumbência de prestar um serviço público ou de realizar uma obra pública, por sua conta e risco, mas mediante remuneração preestabelecida e obtida pela exploração do serviço público ou das utilidades que a obra pública proporciona, conforme se trate de concessão de serviço público ou de obra pública.

Embora a tarifa cobrada dos usuários seja a forma mais comum de remunerar o concessionário, não descaracteriza o contrato de concessão a previsão de fontes de receitas alternativas, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, como previsto no art. 11 da Lei nº 8.987/95. Nem mesmo eventual subsídio do Poder Público ao concessionário descaracteriza a concessão. Confira-se o ensinamento de CABM: “De outro lado, quando a exploração de faça pela cobrança de tarifas dos usuários, não há impedimento a que o concedente subsidie parcialmente o concessionário. Obviamente, também não há obstáculo a que possam ser previstas fontes alternativas de receita, complementares ou acessórias, como, aliás, o admite a lei nacional de concessões, tendo em vista favorecer a modicidade das tarifas”.

Não era novidade, portanto, a possibilidade de existir contraprestação do Poder Público ao concessionário e nem por isso deixava-se de falar em concessão de obra pública ou de serviço público.

A lei, então, ao prever a concessão patrocinada, apenas criou uma modalidade da concessão de serviço público ou de obra pública, qualificada pela existência de contraprestação do parceiro público (Poder Público) para o parceiro privado (o concessionário). E, assim, reservou para a concessão de serviço público ou de obra pública em que não haja a contraprestação, o nome de concessão comum. 
  • A concessão patrocinada é contrato administrativo de parceria público-privada. A concessão comum não. A primeira rege-se pela nova Lei das PPP, com aplicação subsidiária da Lei nº 8.987/95, enquanto que a segunda continua a ser regida pela Lei 8.987/95.

No que se refere à concessão administrativa, apesar do nome, não se trata de concessão. Recordando-se os termos da lei, concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, ainda que envolva a execução de obra ou o fornecimento e a instalação de bens.

Há, portanto, contrato administrativo em que o objeto principal é a obtenção de um serviço para ser usufruído direta ou indiretamente pela Administração. O contrato é, pois, contrato de serviços, mas podendo existir cumulação de outros objetos contratuais, como a realização de uma obra ou o fornecimento e a instalação de bens, hipótese em que se terá, adicionalmente, o contrato de obra ou o de fornecimento. Na verdade, há vários contratos em um só: de serviços com obras ou fornecimento. A isso a lei denomina de parceria público-privada na modalidade de concessão administrativa.

Aparentemente, o objetivo da lei é possibilitar a celebração de contrato de prestação de serviços em condições mais vantajosas para o contratado, como, por exemplo, com prazos maiores, até 35 anos - art. 5º, I, em comparação com os prazos previstos na Lei nº 8.666/93, que, na melhor das hipóteses para o contratado, seria de 60 meses, com prorrogação por mais doze meses e, mesmo assim, em certos casos - art. 57, II e § 4º da Lei 8.666/93. Sem falar em outros benefícios, como constam do artigo 8º da Lei, destacando-se a garantia do inciso I, a vinculação de receitas, observado o disposto no artigo 167, IV, da CF/88.


15.3) Vedações na Celebração do Contrato de PPP

O art. 2º, § 4º da lei veda a celebração de contrato de parceria público­ privada:
  • Cujo valor seja inferior a R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais);
  • O período de prestação do serviço inferior a 5 anos; ou 
  • Que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.
No que se refere à vedação de que o contrato de parceria público-privada tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública, a norma é até dispensável porque, nas hipóteses, não se tem contrato de concessão, mas sim contrato de serviço, de fornecimento ou de obra pública.


PGFN 2012
55- Relativamente às parcerias público-privadas a que se refere a Lei n. 11.079, de 2004, assinale a opção correta.
a) Sempre devem ser precedidas de licitação, na modalidade concorrência ou pregão.
b) Admite-se que os valores mobiliários atinentes à sociedade de propósito específico possam ser negociados no mercado.
c) Como regra, a sociedade de propósito específico deverá, direta ou indiretamente, ser controlada pela Administração Pública, que deterá a maioria do capital social com direito a voto.
d) Antes da celebração do contrato de parceria, poderá ser constituída sociedade de propósito específico, que ficará responsável pela gestão das atividades pactuadas.
e) Consoante a legislação pátria, admite-se um único órgão gestor das parcerias público-privadas, que contará com a participação obrigatória de representantes de todos os estados, ao lado de representantes da União.
GABARITO: B