quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

21 - Contratos Administrativos I



Contratos Administrativos

1) Introdução

Os contratos são acordos de vontades contrapostas, atos bilaterais destinados a desencadear efeitos jurídicos vinculantes para as partes envolvidas. 

O contrato é figura da teoria geral do direito, mas, por razões históricas, foi tratado primeiramente pelo direito civil e comercial. Com o desenvolvimento do direito administrativo, passou-se a estudar os contratos administrativos, dando­-lhes características próprias, distinguindo-os dos contratos formalizados sob as normas de direito privado. 


2) Os Contratos Administrativos

A doutrina discute sobre qual a natureza dos contratos celebrados pela Administração Pública. 

Basicamente, há três correntes sobre a natureza jurídica dos acordos de vontades em que a Administração Pública é parte: 

a) A que nega a existência de contratos administrativos: os seguidores dessa primeira corrente afirmam que o contrato sujeito a regime de direito público não se submete aos princípios da igualdade entre as partes, da autonomia da vontade e da força obrigatória do pacto (pacta sunt servanda). 

Não há igualdade porque a Administração Pública aparece na relação jurídica com posição de supremacia; não vigora o princípio da autonomia da vontade porque a Administração Pública está submetida ao princípio da legalidade e porque as cláusulas regulamentares ou de serviço são fixadas unilateralmente pela Administração; não há o respeito ao princípio da força obrigatória do pacto porque a Administração Pública pode alterar unilateralmente as cláusulas regulamentares ou de serviço. 

Entre nós, esta posição foi adotada por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Para o autor, as cláusulas regulamentares ou de serviço decorrem de ato unilateral da Administração, sob o influxo do princípio da legalidade, enquanto que as cláusulas econômicas submetem-se a regime contratual de direito comum. O contrato restringe-se apenas à equação econômico-financeira. O principal é o ato unilateral fixando as cláusulas regulamentares, sendo acessório o contrato de direito privado que estabelece as cláusulas econômicas. Assim, não poderia o acessório, o contrato de direito privado, definir a natureza de um instituto jurídico, daí porque o autor nega a existência do contrato administrativo.


b) A que entende que todos os contratos celebrados pela Administração Pública são contratos administrativos: para os adeptos dessa segunda corrente, todo e qualquer contrato celebrado pela Administração Pública é contrato administrativo.

Nesse sentido é o ensinamento de Roberto Ribeiro Bazilli, na obra Contratos Administrativos: “A razão fundamental estaria na situação privilegiada que a Administração assume nestas relações na salvaguarda dos interesses públicos. Nestes contratos há sempre, em vários aspectos ou em um aspecto ou em outro, a submissão a normas de direito público. Ora quanto à competência, ora no conteúdo, ora na forma, ora no procedimento, etc”. 


c) A que afirma que a Administração Pública pode celebrar contratos regidos ora pelo direito privado e ora pelo direito público, submetido, neste caso, ao regime jurídico de direito público, derrogatório e exorbitante do direito comum: para essa terceira corrente, os contratos regidos pelo direito público são os chamados contratos administrativos, em que se fazem presentes as cláusulas exorbitantes e derrogatórias do direito comum, agindo a Administração Pública com supremacia de poder em relação ao particular.

Os contratos regidos pelo direito privado, embora sujeitos a derrogações por normas de direito público, conservariam a característica privada dos ajustes. Estes contratos também poderiam ser chamados de contratos da Administração Pública, em oposição aos contratos administrativos. 

Embora em teoria não exista unanimidade a respeito da natureza dos contratos celebrados pela Administração Pública, na legislação, a partir do Decreto-lei nº 2.300/86 e, agora, com a Lei nº 8.666/93, consolidou-se a afetação ao direito público de todos os contratos celebrados pela Administração Pública, incluindo os que a doutrina costuma chamar de contratos privados celebrados pela Administração Pública. 

A análise do art. 62, §3º da Lei nº 8.666/93 evidencia a intenção do legislador em submeter ao regime de direito público todos os contratos em que a Administração seja parte, inclusive aos ditos contratos “privados”. 

Segundo MJF, "a mera participação da Administração Pública como parte em um contrato acarreta alteração do regime jurídico aplicável. O regime de direito público passa a incidir, mesmo no silêncio do instrumento escrito. O conflito entre regras de direito privado e de direito público resolve-se em favor destas últimas. Aplicam-se os princípios de direito privado na medida em que sejam compatíveis com o regime de direito público”. 

Para Carlos Ary Sundfeld: “... faltando à Administração a liberdade negocial usufruída pelos particulares, seus contratos jamais são em essência regidos pelo direito privado. Todos eles, mesmo quando sigam os modelos comuns (encontráveis na legislação civil ou comercial) e, por isso, não prevejam prerrogativas em favor do ente estatal, têm regime próprio, o do sistema de direito público”. 


3) Conceito

Contrato administrativo é todo ajuste de vontades entre a Administração Pública e pessoa física ou jurídica, para o atendimento de interesse público, com aplicação do regime jurídico de direito público, marcado principalmente pela presença das cláusulas exorbitantes e derrogatórias de direito comum. 


4) O Regime Jurídico de Direito Público - Cláusulas Exorbitantes e Derrogatórias do Direito Comum

O que diferencia o contrato de direito privado do contrato administrativo é a presença, neste último, das cláusulas exorbitantes e derrogatórias de direito comum. 

São consideradas cláusulas exorbitantes e derrogatórias de direito comum porque não são encontradas de praxe no direito privado. Sua previsão, no contrato de direito privado, não é comum ou pode até mesmo ser considerada ilícita (dependendo da cláusula, especialmente verificado em contratos de adesão), por estabelecer privilégio a uma das partes contratantes. 

Estão dispostas principalmente no art. 58, incisos I a V, da Lei nº 8.666/93, e possibilitam: 

a) A modificação unilateral do contrato; 

b) A extinção unilateral do contrato; 

c) A fiscalização do contrato; 

d) A aplicação de sanções ao contratado; 

e) A ocupação provisória de bens e pessoal vinculados ao objeto do contrato.


Acrescenta-se a estas:

f) A exigência de garantia; 

g) A retomada do objeto do contrato; 

h) As restrições à invocação da “exceptio non adimpleti contractus”. 


4.1) Alteração Unilateral do Contrato

Os contratos administrativos são informados por duas ordens de cláusulas: as regulamentares ou de serviço e as econômicas:

  • As primeiras dispõem sobre o objeto do contrato e o modo de sua execução;
  • As segundas dizem respeito à equação econômico-financeira do contrato, fixam a remuneração e os direitos do contratado diante da Administração. 
A alteração unilateral do contrato permitida à Administração Pública diz respeito unicamente às cláusulas regulamentares ou de serviço, ficando imunes a tal prerrogativa as cláusulas econômicas. 

Na lei, isso decorre do disposto no artigo 58, §1º, cujo teor é o seguinte: “as cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado”. 

Ainda que não houvesse qualquer previsão legal ou contratual acerca da possibilidade da Administração Pública alterar as cláusulas regulamentares ou de serviço, haveria de ser aceita a prerrogativa, eis que o interesse público necessita de instrumentos que confiram poderes indispensáveis ao seu atendimento. 

Para Hely Lopes Meirelles: “Enquanto nas avenças de Direito Privado domina a regra de que o contrato é lex inter partes, sujeito ao princípio pacta sunt servanda, nos ajustes de Direito Público, prevalece em favor da Administração o jus variandi, que autoriza a modificação unilateral do contrato sempre que o interesse público o exigir”. 

Genericamente previsto no artigo 58, I, o poder de modificação unilateral do contrato tem cabimento para a melhor adequação às finalidades de interesse público. Mais adiante, no art. 65, I, “a” e “b”, a lei prevê, respectivamente, a alteração unilateral do contrato “quando houver modificação do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos seus objetivos” e “quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto”. 

  • A alteração contratual decorrente de acréscimo ou supressão quantitativa do objeto contratado está sujeita a limites: 25% no caso de obras, serviços e compras ou, no caso de reforma, 50% apenas para os acréscimos - art. 65, § 1º.
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I - unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;
II ...
§ 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.

Expressiva parte da doutrina entende que somente os acréscimos e as supressões quantitativas do objeto do contrato é que estão sujeitos aos limites acima considerados, ou seja, o disposto no art. 65, § 1º teria aplicação apenas à hipótese do art. 65, inciso I, alínea “b”, excluindo-se a hipótese da alínea “a” do dispositivo.

Para CABM, isso não significa total e ilimitada liberdade para a Administração modificar o projeto ou suas especificações, sob pena de burla ao instituto da licitação. As alterações só se justificam em razão de fatos supervenientes e de circunstância anômalas. 

MJF não discrepa do entendimento. Admite a modificação unilateral do contrato apenas em razão de fato superveniente à contratação, ou seja, em decorrência de eventos ocorridos ou apenas conhecidos após a contratação. 

De fato, a Administração Pública encerra sua competência discricionária ao definir o objeto da contratação, tanto que somente por razão de interesse público decorrente de fato superveniente é que pode revogar a licitação - art. 49 da Lei, de sorte que a única conclusão possível é a de que apenas a modificação das circunstâncias de fato é que pode justificar a alteração das cláusulas regulamentares ou de serviço. 

A alteração das cláusulas regulamentares ou de serviço impõe o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro inicial, caso os encargos do contratado sejam aumentados - art. 65, §6º. 


4.2) Rescisão Unilateral

A rescisão ou extinção unilateral do contrato pela Administração somente pode ocorrer nas hipóteses dos art. 78 e 79, I, da Lei. 

A extinção unilateral do contrato é admitida desde que motivada e precedida de ampla defesa ao contratado - art. 78, Parágrafo único. 

Pode se dar em duas hipóteses: 

a) Por razões de interesse público: havendo razão de interesse público para determinar a extinção unilateral do contrato, o contratado deve ser ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido, além da devolução da garantia, dos pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão e do pagamento do custo da desmobilização - art. 79, § 2º, I a III;
b) Por falta do contratado: a rescisão unilateral do contrato em decorrência da falta do contratado permite à Administração a retenção da garantia e dos créditos do contratado para ressarcimento de seus prejuízos. Pode acarretar ainda a imediata assunção do objeto do contrato e a ocupação e utilização provisória de pessoal e equipamentos do contratado. 


4.3) Fiscalização da Execução do Contrato

O art. 58, III, da Lei confere à Administração Pública o poder de fiscalizar a execução do contrato. 

Trata-se também de um dever, já que para o bom atendimento do interesse público a Administração Pública deve acompanhar a execução do contrato em todas as suas etapas. 

O art. 67 estabelece que a Administração Pública deve designar um representante para acompanhar a execução do contrato, a quem compete anotar as ocorrências em livro próprio e determinar o que for necessário à correção das faltas ou defeitos observados, devendo solicitar a seus superiores as providências que ultrapassarem de sua competência. 

Também visando à efetivação da fiscalização, o contratado deverá manter, no local da obra ou serviço, preposto, aceito pela Administração. 

O descumprimento das determinações da autoridade fiscalizadora pode acarretar a rescisão unilateral do contrato, conforme artigo 78, VIII, sem prejuízo das sanções cabíveis. 


4.4) Aplicação de Sanções ao Contratado

A Administração Pública pode impor sanções ao contratado em razão da inexecução parcial ou total do contrato. Segundo o artigo 87 da Lei, as penalidades são: 

a) Advertência; 

b) Multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; 

c) Suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; 

d) Declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior. 

MJF entende que a Lei foi omissa quanto às hipóteses de incidência das penalidades, sendo a menção à inexecução total ou parcial do contrato demasiada ampla para autorizar a aplicação das penalidades. O autor recusa a aplicação das penalidades com base na discricionariedade da Administração Pública: “A repressão à impunidade deve fazer-se no nível legislativo. Cabe à lei delinear os ilícitos e fixar a sanção aplicável. Sem isso, é inconstitucional admitir o sancionamento”. 

Para CABM a aplicação das penalidades descritas no artigo 87, III e IV, somente é possível no caso de comportamentos tipificados como crimes.

Para HLM, a aplicação da suspensão temporária do direito de participar de licitação e de contratar com a Administração somente é possível para a punição de infrações culposas, excluídas as infrações cometidas com dolo. Daí porque o autor repudia a aplicação de tal penalidade na hipótese do art. 88. A declaração de inidoneidade, por sua vez, teria cabimento para infrações dolosas ou na hipótese de reiteração de falhas do profissional ou da empresa. 

De toda sorte, a aplicação de qualquer uma das penalidades depende de prévia concessão ao contratado do direito de defesa, conforme a CF/88, art. 5º, LV e a Lei nº 8.666/93, art. 87.

A pena de multa, para ser imposta, depende, ainda, de previsão no instrumento convocatório ou no contrato. Para MJF, a multa deverá necessariamente ter sido prevista no instrumento convocatório, “sob pena de ser inviável sua exigência”. 

A multa pode ser aplicada cumulativamente com as demais sanções e, uma vez imposta, seu valor pode ser descontado da garantia prestada e dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração, caso a garantia seja insuficiente. Assegura-se, de qualquer modo, a cobrança judicial - art. 87, § 1º. A lei possibilita, então, a “executoriedade da multa”. 

Advirta-se que há entendimento contrário ao ora esposado. Há quem sustente que o valor da garantia não pode ser retido pela Administração para o pagamento de multa contratual imposta ao contratado, havendo necessidade de se promover ação própria contra o contratado, no Poder Judiciário. O STJ já adotou esse entendimento, nos autos do REsp nº 813.662.

As penas de suspensão temporária para licitar e contratar e de declaração de inidoneidade para o mesmo fim diferenciam-se porque a primeira tem prazo máximo de dois anos, enquanto que a segunda tem prazo mínimo de dois anos. A aplicação da pena de suspensão temporária para licitar e contratar é feita pela autoridade competente do órgão contratante; a pena de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar é de competência da máxima autoridade do órgão ou entidade promotora do certame. 

Como as penas de suspensão temporária para licitar e contratar e a declaração de inidoneidade para o mesmo fim acarretam o impedimento do penalizado de participar de licitação e contratação com o Poder Público, é relevante dispor a respeito da abrangência de tais penalidades. 

Com relação a extensão das penalidades de suspensão temporária para licitar e contratar e de declaração de inidoneidade para licitar e contratar, há divergências doutrinárias. 

Para Carlos Ari Sundfeld, a aplicação das penalidades em pauta impede o interessado de participar de licitação e de celebrar contrato apenas em relação à esfera administrativa que tenha imposto a sanção. “Silente a lei quanto à abrangência das sanções, deve-se interpretá-la restritiva, não ampliativamente, donde a necessidade de aceitar, como correta, a interpretação segundo a qual o impedimento de licitar só existe em relação à esfera administrativa que tenha imposto a sanção. Adotar posição oposta significaria obrigar alguém a deixar de fazer algo sem lei específica que o determine, em confronto com o princípio da legalidade, o qual, especialmente em matéria sancionatória, deve ser entendido como de estrita legalidade”. 

HLM é da opinião de que “a suspensão provisória pode restringir-se ao órgão que a decretou ou referir-se a uma licitação ou a um tipo de contrato, conforme a extensão da falta que a ensejou. (...) A inidoneidade só opera efeitos em relação à Administração que a declara, pois que, sendo uma restrição a direito, não se estende a outras Administrações ”. 

Há autores que entendem que a suspensão temporária para licitar e contratar fica restrita ao órgão que aplicou a penalidade, enquanto que a declaração de inidoneidade para licitar e contratar abrange todos os órgãos da Administração Pública. Isso decorreria da diferença de vocábulos utilizados nos incisos III e IV do artigo 87, mencionando o primeiro o termo “Administração”, enquanto que o segundo menciona o termo “Administração Pública”, o que faria com que incidisse a abrangência dada a cada um dos termos pelos incisos XI e XII do art. 6º da Lei 8.666/93. 

  • “Administração”, termo referido no inciso III do art. 87, ao tratar da suspensão temporária para licitar e contratar é, segundo o artigo 6º, XII, “órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente”;
  • “Administração Pública”, termo referido no inciso IV, do art. 87, ao cuidar da declaração de inidoneidade para licitar e contratar é, conforme art. 6º, XI, “a Administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do Poder Público e das fundações por ele instituídas ou mantidas”. 
O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, é do entendimento de que a Administração Pública é una e não há razão para diferenciar a suspensão temporária para licitar e contratar da declaração de inidoneidade para o mesmo fim porque ambas têm uma mesma consequência: a de impedir o penalizado de participar de licitação e contratação com o Poder Público. Nessa esteira, tem entendido que ambas as penalidades estendem-se a todo e qualquer órgão da Administração Pública, de qualquer esfera de governo - REsp nº 151.567: 
EMENTA: ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – SUSPENSÃO TEMPORÁRIA – DISTINÇÃO ENTRE A ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – INEXISTÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA – LEGALIDADE – LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III.
- É irrelevante a distinção entre os termos Administração Pública e Administração, por isso que ambas as figuras suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a não-participação em licitações e contratações futuras.
- A Administração Pública é una, sendo descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum.
- A limitação dos efeitos da “suspensão de participação de licitação” não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública.
- Recurso especial não conhecido.

Admite-se, ainda, a cumulatividade das sanções previstas na Lei com a rescisão contratual por ato unilateral da Administração - art. 80.

Cabe recurso da aplicação das penas de advertência, suspensão temporária ou multa, no prazo de cinco dias úteis a contar da intimação do ato, conforme artigo 109, I, “f”, da Lei. 

Da aplicação da pena de declaração de inidoneidade para licitar ou contratar cabe o pedido de reconsideração, no prazo de dez dias úteis a contar da intimação do ato, dirigida à autoridade que aplicou a pena - art. 109, III. 


4.6) Ocupação Provisória de Bens e Pessoal Vinculado ao Objeto do Contrato

Prevista no art. 58, V, c.c. art. 80, II, a ocupação provisória de bens e utilização de pessoal vinculados ao objeto do contrato tem cabimento nos casos de serviços essenciais. Decorre, ordinariamente, da rescisão unilateral do contrato, mas a lei também prevê a medida para apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado. 

Na primeira hipótese, há quem entenda que apenas a rescisão unilateral do contrato por falta do contratado é que autoriza a medida, excluindo a possibilidade de ocupação provisória de bens e pessoal vinculados ao objeto do contrato no caso da rescisão unilateral do contrato por razões de interesse público. 

A justificativa é a de que o apossamento dos bens privados por razão de conveniência e oportunidade demandaria prévia indenização, sendo inadmissível a ocupação prévia com posterior indenização. A rigor, deveria a Administração Pública desapropriar os bens de que necessitasse para somente depois ocupá-los. 

No que se refere à segunda hipótese, ou seja, de ocupação provisória de bens e de pessoal do contratado para atendimento da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, MJF entende inconstitucional o dispositivo. Havendo necessidade de acautelamento quanto à produção de prova, o monopólio é do Poder Judiciário, cabendo à Administração Pública providenciar o que de direito junto a este Poder. 

A ocupação provisória está relacionada com a retomada do objeto contratual. É que com a rescisão unilateral do contrato, a Administração retoma o objeto do contrato e poderá ocupar provisoriamente bens e utilizar pessoal do contratado vinculado ao contrato. Por óbvio que a medida não dispensa pagamento de indenização ao contratado. 


4.7) Exigência de Garantia

A critério da autoridade competente e desde que prevista no instrumento convocatório, do contratado poderá ser exigida a prestação de garantia nos contratos de obras, serviços e compras - art. 56. 

As modalidades de garantia, à opção do contratado, são: 

a) Caução em dinheiro ou títulos da dívida pública; 

b) Seguro-garantia; 

c) Fiança bancária. 

A garantia não excederá a 5% do valor do contrato, podendo ser elevado para até 10% de seu valor, para obras, serviços e fornecimentos de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis - art. 56, §§2º e 3º. 

Consideram-se obras, serviços e fornecimentos de grande vulto aqueles cujo valor estimado seja superior a 25 (vinte e cinco) vezes o limite estabelecido na alínea “c” do inciso I do artigo 23 da Lei. 

Nos casos de contratos que importem na entrega de bens pela Administração, dos quais o contratado ficará depositário, ao valor da garantia deverá ser acrescido o valor desses bens - art. 56, § 5º. 

A garantia deverá ser devolvida ao término do contrato, a não ser que seja utilizada para desconto de multa eventualmente aplicada ou para pagamento de prejuízos causados pelo contratado à Administração Pública - art. 80, III. 


4.8) Restrições à Invocação da "Exceptio non Adimpleti Contractus"

Em direito privado, uma das partes não pode exigir o cumprimento do dever da outra antes de cumprir com o seu próprio dever. Caso isso ocorra, a parte demandada pode invocar a “exceptio non adimpleti contractus”, ou seja, a exceção (defesa) de contrato não cumprido, acarretando, assim, o não reconhecimento de sua inadimplência ou de simples mora no cumprimento da sua obrigação. 

Em direito administrativo, o contratado não pode deixar de cumprir sua obrigação em razão do descumprimento pela administração das cláusulas contratuais. Justifica-se a inoponibilidade da exceção de contrato não cumprido no princípio da continuidade, o que impede a interrupção no atendimento do interesse público. 

A não oposição da exceção de contrato não cumprido pelo contratado sofreu restrições na Lei nº 8.666/93, não se revelando, então, absoluta. 

A lei autoriza o contratado a invocar a exceção de contrato não cumprido, podendo optar pela rescisão do contrato ou pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até a normalização da situação nas seguintes hipóteses:

a) suspensão da execução, por ordem escrita da Administração, por mais de 120 dias, salvo calamidade, guerra, grave perturbação da ordem, ou por repetidas suspensões que totalizem esse prazo - art. 78, XIV;

b) atraso dos pagamentos, superior a 90 dias, nos contratos de obras, serviços ou fornecimento, salvo calamidade, guerra, grave perturbação da ordem - art. 78, XV).

O contratado ainda poderá requerer a rescisão do contrato em razão da não liberação pela Administração da área, local ou do objeto necessários à execução do contrato de obra, serviço ou fornecimento - art. 78, XVI.


5) Formalização, Conteúdo e Publicidade dos Contratos

Em direito administrativo, os contratos devem ser celebrados, de regra, pela forma escrita. Admite-se a contratação pela forma verbal em uma hipótese: para os contratos de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% do limite estabelecido no art. 23, II, “a” da Lei - art. 60, Parágrafo único. 

Tratando-se de contratos relativos a direitos reais sobre imóveis, exige-se escritura pública - art. 60. 

O conteúdo do contrato é informado pelas cláusulas descritas no art. 55 da Lei, que, de resto, deverão constar ato convocatório. MJF, a propósito, esclarece: “... as regras do art. 55 são dirigidas antes ao elaborador do ato convocatório do que ao redator do instrumento contratual. (...) É claro, porém, que o instrumento contratual precisará alguns tópicos previstos apenas de modo genérico no ato convocatório. Esse detalhamento terá em vista a proposta do licitante.” 

A publicação resumida do instrumento contratual na imprensa oficial é condição indispensável à eficácia do contrato - art. 61, Parágrafo único. 


6) Duração e Prorrogação do Contrato

O prazo de vigência do contrato equivale a sua duração. 

A lei proíbe a contratação por prazo indeterminado - art. 57, § 3º, donde se conclui que todos os contratos devem estipular o prazo de sua duração ou vigência. 

Os contratos, de regra, têm sua duração vinculada à vigência dos respectivos créditos orçamentários - art. 57. A regra é consentânea com o disposto nos art. 7º, § 2º, inciso III e 14 da Lei, não se admitindo a licitação ou a contratação sem a indicação de recursos orçamentários para seu pagamento. 

Todavia, a lei admite exceções à regra. São elas: 

a) Os contratos referentes aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual poderão ser prorrogados, desde que haja interesse da Administração e previsão no instrumento convocatório - art. 57, I; 

b) Os contratos de prestação de serviços a serem executados de forma contínua poderão ser prorrogados por até sessenta meses, e excepcionalmente, admite-se a prorrogação por mais doze meses - art. 57, II e seu §4º; 

c) Os contratos de locação de equipamentos e de utilização de programas de informática podem ter vigência pelo prazo de até 48 meses - art. 57, IV. 

Igualmente, não se sujeitam à aplicação do art. 57 os contratos administrativos em que o Poder Público não efetua despesa, como é o caso dos contratos de concessão de serviço público e de concessão de obra pública. 

Quanto à prorrogação dos contratos, tem-se por regra inadmissível, a não ser nas hipóteses já tratadas acima. 

A doutrina diverge quanto à necessidade de previsão no instrumento convocatório da possibilidade de prorrogação dos contratos nos casos do art. 57, II e IV:

  • Para HLM, não há necessidade de previsão neste sentido no instrumento convocatório; 
  • MJF entende diferentemente em nome do princípio da segurança. Para ele, omisso o ato convocatório, não será possível a prorrogação do contrato. O autor excepciona, no entanto, a prorrogação do contrato descrito no art. 57, II, na hipótese do § 4º do mesmo artigo, ou seja, entende que a prorrogação do §4º não precisa estar prevista no instrumento convocatório. 
Ressalte-se, ainda, que a Lei previu a prorrogação dos prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega, desde que mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção do equilíbrio econômico­-financeiro, mediante justificação por escrito e autorização pela autoridade competente para celebrar o contrato. As hipóteses em que é possível a prorrogação dos prazos referidos estão tratadas no artigo 57, § 1º. 


7) Execução dos Contratos

Já foi visto que a Administração Pública pode alterar unilateralmente as cláusulas regulamentares ou de serviço. Não obstante a mutabilidade de tais cláusulas, os contratos administrativos devem ser cumpridos fielmente, respondendo cada uma das partes pela inexecução total ou parcial do ajuste. A execução fiel do ajuste é, portanto, o que normalmente deveria ocorrer - art. 66. 


7.1) Recebimento do Objeto

Executado o contrato e recebido o objeto pela Administração Pública, ter-se-á por extinto. 

O recebimento do objeto do contrato pode ser provisório ou definitivo - art. 73. O recebimento provisório implica transferência do bem ou do resultado do serviço à Administração, sem reconhecimento da perfeição da execução do ajuste. Não importa quitação, portanto, para o contratado. 

O contratado, todavia, a partir do recebimento provisório do objeto do contrato, está liberado dos riscos em caso de perda ou deterioração da coisa. 

A Administração, a partir do recebimento provisório do objeto do contrato, é que sofrerá a perda ou deterioração. 

O objeto do contrato é recebido provisoriamente para que a Administração faça testes, verificações e exames necessários à aferição da perfeita execução do ajuste. Caso encontre defeitos, deverá determinar a correção ao contratado. 

Em se tratando de obras e serviços, cabe a vistoria a uma comissão. 

Decorrido o prazo de observação e não existindo defeitos a serem sanados, faz-se o recebimento definitivo do objeto do contrato. 

Havendo problemas na execução do avençado, estaremos diante da inexecução do contrato, tratada a seguir. 


7.2) Inexecução dos Contratos

A inexecução do contrato ocorre pelo descumprimento total ou parcial de suas cláusulas. Pode acarretar simples retardamento (mora) no cumprimento dos deveres assumidos pelas partes ou pode desencadear o descumprimento total do pactuado. Pode decorrer de culpa, tomada em sentido amplo, incluindo-se o dolo e a culpa em sentido estrito (negligência, imprudência e imperícia), ou pode ocorrer sem atuação culposa de qualquer uma das partes. 

A inexecução culposa, decorrente de dolo, negligência, imprudência ou imperícia, enseja responsabilização do inadimplente e pode desencadear a rescisão do contrato. 

A inexecução sem culpa não é proveniente de ato da parte inadimplente, mas de atos ou fatos estranhos à sua vontade. Incidem, no caso, as causas justificadoras da inexecução do contrato, todas elas advindas da aplicação da cláusula rebus sic stantibus, também conhecida como Teoria da Imprevisão. 

A cláusula rebus sic stantibus, aplicável aos contratos a termo ou de execução sucessiva, autoriza a revisão do pactuado pela superveniência de condições imprevisíveis onerando excessivamente uma das partes contratantes. 

O fundamento da cláusula é o de que o pacto foi celebrado segundo a situação fática existente ao tempo da contratação e somente deverá ser observado o pactuado se não houver alteração desta situação fática decorrente de condições imprevisíveis, ou previsíveis, mas de consequências incalculáveis, que onerem excessivamente uma das partes contratantes. 

A cláusula rebus sic stantibus remonta ao período dos pós-glosadores e ao direito canônico, mas ficou esquecida principalmente durante a vigência do Código Napoleônico, de cunho individualista. Ressurgiu na França, notadamente a partir do famoso caso “Gaz de Bordeau”, em que se permitiu a revisão das tarifas em contrato de concessão de serviço público de distribuição de gás de iluminação decorrente da grande alta do carvão durante a Guerra, em 1.916, sob o nome de Teoria da Imprevisão. 

Sua aplicação nos contratos administrativos é reconhecida pela doutrina. 

Para HLM, “a aplicação da cláusula rebus sic stantibus somente é possível nos contratos públicos quando sobrevêm fatos imprevistos e imprevisíveis, ou, se previsíveis, incalculáveis nas suas consequências, e que desequilibram totalmente a equação econômica estabelecida originalmente pelas partes. Não a simples elevação de preços, álea própria do contrato, mas somente a álea econômica extraordinária e extracontratual é que autoriza a revisão do contrato”. 

Sobrevindo tais eventos extraordinários, o contrato administrativo deve ser revisto ou rescindido, aplicando-se a Teoria da Imprevisão. 

A Teoria da Imprevisão pode ser desdobrada, segundo o autor supra citado, em: força maior, caso fortuito, fato do príncipe, fato da administração e interferências imprevistas. 

a) Força maior: é o evento humano imprevisível e inevitável que impede a normal execução do ajuste (ex: greve que paralise a fabricação de produto de que dependa a execução do contrato);

b) Caso fortuito: é o evento da natureza imprevisível e inevitável que impede a normal execução do ajuste (ex: inundação no local da obra pública que acarreta a demora na execução da obra);
  • As partes contratantes podem invocar a força maior e o caso fortuito para se eximirem das consequências da mora ou do inadimplemento contratual. Na hipótese de tais ocorrências impedirem totalmente a execução do ajuste o contrato deverá ser rescindido, segundo o que estabelece o artigo 78, XVII da Lei;
  • Há quem conceite a força maior como se fosse o caso fortuito acima conceituado, e vice-versa, e inclusive há quem diga que são expressões sinônimas.

c) Fato do príncipe: “é toda determinação estatal, geral, imprevista e imprevisível, positiva ou negativa, que onera substancialmente a execução do contrato administrativo” - HLM;
  • Pode advir de lei, regulamento ou outro ato geral do Poder Pública que atinja o contrato. Não se trata de ato destinado a atingir o contrato administrativo; o contrato administrativo é atingido de forma reflexa pela edição do ato geral. 
  • Pode advir de ato praticado pela própria Administração contratante ou por outra esfera administrativa competente para a adoção da medida governamental. Exemplo de fato do príncipe consta do artigo 65, §5º da Lei, destacando-se a criação, alteração ou extinção de tributo, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicando sua revisão para mais ou para menos, conforme o caso. Comentando o dispositivo, MJF observa que “é necessário, porém, um vínculo direto entre o encargo e a prestação. Por isso, a lei que aumentar a alíquota do imposto de renda não justificará alteração do valor contratual”. 

PGE-RS 2015
QUESTÃO 38 – Nos contratos administrativos, o fato do príncipe
A) enseja reequilíbrio econômico-financeiro do contrato somente quando originário do mesmo ente federativo contratante.
B) enseja indenização ao contratado por meio de providência adotada ao final do contrato.
C) enseja reequilíbrio econômico-financeiro do contrato por meio de providência concomitante ou adotada logo em seguida a sua ocorrência.
D) não enseja direito à indenização em virtude da validade jurídica da medida adotada.
E) não enseja direito à indenização ou reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, tendo em vista que não existe direito adquirido oponível a atos futuros do Poder Público.
GABARITO: C


d) Fato da administração: “é toda ação ou omissão do Poder Público que, incidindo direta e especificamente sobre o contrato, retarda, agrava ou impede sua execução” - HLM;
  • O fato da administração incide direta e especificamente sobre o contrato e é exatamente isso que o diferencia do fato do príncipe, o qual decorre de ato geral do Poder Público que apenas reflexamente atinge o contrato;
  • O fato da administração, por ser específico e incidente sobre determinado contrato, caracteriza inadimplência da Administração contratante (ex: não promoção da desapropriação da área onde seria construída a obra). 

e) Interferências imprevistas: “são ocorrências materiais não cogitadas pelas partes na celebração do contrato, mas que surgem na sua execução de modo surpreendente e excepcional, dificultando e onerando extraordinariamente o prosseguimento e a conclusão dos trabalhos” - HLM;
  • As interferências imprevistas distinguem-se das demais causas justificadoras da inexecução do contrato porque não se caracterizam como eventos futuros, elas existem mesmo antes da contratação, mas são desconhecidas das partes contratantes (ex.: existência de lençol de água com volume anormal que dificulta a execução de obra pública). 
  • Criam maiores dificuldades e onerosidade na conclusão dos trabalhos, o que enseja a adequação dos preços e dos prazos. 

Portanto, para invocar a Teoria da Imprevisão, é necessário que essas situações (não cumulativamente, por óbvio), sejam caracterizadas por fatos imprevistos e imprevisíveis, ou, se previsíveis, incalculáveis nas suas consequências, e que desequilibram totalmente a equação econômica estabelecida originalmente pelas partes. Será caso de revisão ou rescisão do contrato.

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