Direito Processual Tributário
1) Processo Tributário – Introdução
Premissa fundamental (associada ao plano normativo): a ausência de um diploma processual especificamente voltado aos conflitos que tratam de matéria tributária impõe o uso do CPC (estatuto processual geral em vigor em nosso ordenamento)
Isso não quer significar que o direito processual tributário se confunde com o direito processual civil, impondo-se, no lugar disso, a tomada das técnicas/conceitos processuais fixadas pelo estatuto geral de acordo com os valores/premissas definidos pelo direito de fundo (o tributário)
Nesse sentido, o direito processual tributário pode ser entendido como resultado da associação de dois planos normativos: o processual geral e aquilo que o art. 96 CTN define como legislação tributária geral
2) Jurisdição
Atividade estatal (proporção subjetiva do conceito) tendente à composição de conflito de interesses (proporção objetiva do conceito)
2.1) Pressuposto (Fato Gerador) da Atividade Jurisdicional - Conflito
Instrumento de linguagem hábil à constituição do fato jurídico “conflito”: petição inicial (plano judicial). O conflito é figura instrumental, à medida que não existe por si mesma, mas vincula-se a uma relação jurídica, efetiva (já constituída) ou potencial (por se constituir).
- Instrumentalidade: o processo não é um fim em si mesmo;
- Secundariedade da relação processual: supõe uma relação primária, posta ou por ser posta.
2.2) Teoria da Interpenetrabilidade das Funções Estatais
As atividades do Estado não são atribuídas de modo estanque entre os três Poderes. Possível dizer, pois, que jurisdição é atividade predominantemente (e não exclusivamente) exercida pelo Poder Judiciário.
No plano tributário, jurisdição há tanto no plano judicial como no administrativo (“contencioso administrativo tributário”), sendo possível falar, então, em:
a) Processo tributário judicial;
b) Processo tributário administrativo.
- Eis uma forma de classificação das modalidades processuais-tributárias, decorrente do critério da autoridade julgadora.
A relação jurídica a que se vincula o fato jurídico “conflito”, no campo tributário, é a chamada obrigação tributária em sentido estrito, cuja definição se articula a partir do respectivo objeto, definido, por sua vez, no art. 3º CTN (tributo).
3) Sujeitos e Iniciativa
Além de seu elemento objetivo, a obrigação tributária envolve dois sujeitos:
- Ativo: Estado-fisco ou pessoa que faça as vezes (parafiscalidade); e
- Passivo: contribuinte ou terceiro ao qual a lei tenha atribuído a condição de responsável.
O processo tributário, por envolver uma obrigação necessariamente integrada por aqueles sujeitos, sempre se iniciará pela provocação de um ou de outro.
- Inércia - CPC, arts. 2º e 262 + legitimidade ordinária - CPC, art. 6º.
3.1) Processos iniciados:
a) Pelo Estado-fisco: exacionais - conjunto unitário, representado apenas pelas execuções fiscais e medidas acessórias;
- Todo processo exacional é judicial (não há manifestação processual exacional na órbita administrativa).
b) Pelo contribuinte: antiexacionais - conjunto plural, integrado por diversas medidas, administrativas e/ou judiciais;
- Nem todo processo antiexacional é judicial (as manifestações processuais antiexacionais operam tanto na órbita judicial como na administrativa). Portanto, todo processo administrativo é necessariamente antiexacional.
O Estado-fisco é encarnação do Poder Executivo; possível dizer que os atos que pratica são administrativos, regendo-se, pois, pelos princípios gerais do direito administrativo, inclusive o da autoexecutoriedade. Por isso, toda atividade tributária desenvolvida pelo Estado o é ex officio, não dependendo da intervenção do Judiciário. Única ressalva: os atos de expropriação do patrimônio do contribuinte. Daí a razão pela qual o Estado-fisco vem contemplado, de regra, por uma medida processual (ver acima a expressão “conjunto unitário”), representada pelas execuções fiscais
Diversamente, as medidas antiexacionais se mostram plurais: o contribuinte não vem provido de autoexecutoriedade e, por isso, toda vez que pretender frear o exercício da atividade tributante, deverá buscar a intervenção jurisdicional
4) Suspensão da exigibilidade do crédito tributário
Por suspensão da exigibilidade do crédito tributário devemos entender a provisória paralisação das providências administrativas tendentes a promover a exigibilidade tributária.
As causas provocadoras da suspensão da exigibilidade do crédito tributário vêm prescritas no CTN, art. 151: I - moratória; II - o depósito do seu montante integral; III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança; V - a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; VI - o parcelamento.
Das causas apontadas no sobredito dispositivo, quatro têm natureza processual (ou seja, verificam-se em ambiente jurisdicional); duas, por sua vez, são extraprocessuais.
4.1) Causas Processuais
a) Depósito - inciso II;
b) Processo administrativo - inciso III;
c) Liminar em mandado de segurança - inciso IV;
d) Outras medidas liminares ou tutela antecipada - inciso V.
As causas processuais podem ser subclassificadas, identificando-se:
4.1.1) Decorrentes da Emissão de Tutelas de Urgência
As causas processuais decorrentes da emissão de tutela de urgência demandam não só o aparelhamento de providências pelo contribuinte, senão também de um ato judicial de natureza decisória – esse ato decisório (e não propriamente o pedido feito pelo contribuinte) que provocará a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
a) Liminar em mandado de segurança;
b) Outras medidas liminares ou tutela antecipada.
- Os atos decisórios provocativos do efeito suspensivo da exigibilidade do crédito tributário (tanto os do inciso IV, quanto os do inciso V) subsumem-se a uma mesma classe: a das tutelas de urgência. E assim é por razão simples: sua outorga demanda, em regra, o reconhecimento de periculum in mora – pressuposto que serve para definir uma determinada tutela como sendo de urgência, posto que revelador de risco quanto ao bem da vida [risco esse que impõe a (provisória) intervenção jurisdicional antes do momento ideal (que seria o da sentença).
- A concessão de tutela suspensiva da exigibilidade do crédito tributário (assim tanto a do inciso IV, quanto a do inciso V) depende, afora a demonstração do periculum in mora, de um outro requisito, genericamente identificável pela ideia de plausibilidade do direito invocado pelo contribuinte. Esse requisito é por vezes chamado de fumus boni juris, de probabilidade, de relevante fundamento, etc.
- Ao examinar o pedido de suspensão da exigibilidade deduzido em nível liminar (ou de tutela antecipada), cabe ao julgador verificar, primeiro de tudo, o periculum in mora suscitado. Assim deve ser pois será a presença/dimensão do periculum que determinará a viabilidade da intervenção judicial em nível precário (típico das tutelas de urgência); mais ainda: será a presença/dimensão do periculum que determinará o conceito concreto de probabilidade/fumus que o caso suscita.
- Por outros termos: a dimensão do periculum determina o grau de plausibilidade que o julgador buscará levantar/apurar in concreto. Possível dizer, portanto, que há uma relação direta (e inversamente proporcional) entre periculum e fumus – quanto maior o primeiro, menos intenso precisa ser o segundo; quanto menor o primeiro, mais intenso há de ser o segundo.
- Para os fins do art. 151 do Código Tributário Nacional, parece indiferente a definição de uma determinada tutela como cautelar ou como antecipativa, à medida que, no contexto desse dispositivo, a eficácia suspensiva apregoada pelo respectivo caput se põe possível tanto numa como noutra hipótese.
- Possível dizer, por isso que a distinção estabelecida pela processualística comum entre tutela cautelar e tutela antecipada – as primeiras servindo apenas ao asseguramento do bem da vida; as outras, permitindo sua fruição antecipada – não se põe operativa quando o assunto é suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
- A suspensão da exigibilidade do crédito tributário é providência que, quando aparelhada em nível judicial (mediante a emissão de tutela de urgência), revela claramente a ideia de acautelamento, de cautelaridade: não é possível dizer que a suspensão da exigibilidade de um determinado crédito tributário seja, em si mesma, reveladora da pretensão deduzida pelo contribuinte numa das ações antiexacionais “clássicas” (declaratória ou anulatória). De se concluir, daí, que as tutelas antecipadas a que se refere o inciso V do art. 151 do Código Tributário Nacional, quando vinculadas àquelas demandas (declaratória ou anulatória, repita-se) são, em rigor, de cunho cautelar.
- Por conseguinte, não seria dado ao julgador, quando de seu exame, avaliar a pertinência do pedido com base em algo que difira da noção de fumus – como é o caso, p.e., da assim chamada “verossimilhança” (art. 273 do Código de Processo Civil).
- A medida liminar em mandado de segurança, porque provida de natureza cautelar, não pode ser satisfativa – ou seja, materialmente exauriente do direito de fundo. Por essa razão, não é dado buscar algo, via liminar em mandado de segurança, que vá para além da suspensão da exigibilidade do crédito tributário discutido. É o que ocorreria, p.e., nos casos de compensação, estando expressamente proibida sua outorga pelo art. 7º, parágrafo 2º, da Lei nº 12.016/2009 (nesse sentido: Súmula 212 do STJ).
Essas causas processuais não relacionadas à emissão de tutela de urgência distinguem-se das demais por conta de sua automaticidade/infalibilidade. O efeito suspensivo que delas promana decorre exclusivamente de sua articulação, não dependendo da verificação de qualquer outra condição.
a) Depósito: basta a sua efetivação para o efeito suspensivo da exigibilidade do crédito tributário correlato se deflagre;
b) Processo administrativo: basta a apresentação da correspondente impugnação para que a suspensão da exigibilidade do crédito tributário respectivo se verifique.
4.2) Causas Extraprocessuais
a) Moratória - inciso I;
b) Parcelamento - inciso II.
5) Ação de Repetição de Indébito Tributário
5.1) Relembrando o Conceito de “Processo de Positivação”
É a cadeia de produção normativa tendente à realização, no campo concreto, dos objetivos do direito (em nosso caso, do direito especificamente tributário).
a) Estrutura fundamental do ciclo de positivação do direito tributário:
- CF/88: norma atributiva de competência tributária;
- Regra matriz de incidência: norma geral e abstrata representativa do exercício da competência outorgada pela CF/88;
- Lançamento - CTN, art. 142: ato administrativo (norma individual e concreta). Representa o exercício da competência administrativa outorgada pela regra matriz - pressupõe a ocorrência do fato gerador;
- Notificação: constitui o estado de exigibilidade. É ato administrativo (norma individual e concreta);
- Pagamento: representado no documento de quitação. É norma individual e concreta geradora do efeito previsto pelo art. 156, I, CTN.
b) Ações propostas:
- Preventivas: antes da constituição do estado de exigibilidade (ou seja, anteriores à notificação do lançamento);
- Repressivas: após a constituição do estado de exigibilidade (ou seja, posteriores à notificação do lançamento).
O fato de haver o pagamento por fim ao processo de positivação (à medida que faz extinguir a obrigação tributária correlata – art. 156, I, do CTN) não implica a impossibilidade de se firmar, processualmente, discussão acerca da compatibilidade das normas integrantes daquele ciclo.
Assim, é possível que o contribuinte, mesmo depois de efetuado o pagamento, debata:
- A compatibilidade da regra matriz de incidência com o plano constitucional – tema típico das ações declaratórias/preventivas;
- A compatibilidade do lançamento e/ou respectiva notificação com a regra matriz de incidência – tema típico das ações anulatória/repressiva.
Ora, o instrumento posto à sua disposição para esse fim é a ação de repetição de indébito.
5.2) Premissas da Repetição
A repetição de indébito demanda o exaurimento do processo de positivação pela efetivação do pagamento do tributo devido pelo contribuinte.
A despeito disso, segundo ressaltado, o fato do pagamento não desautoriza o estabelecimento de discussão, em nível processual, da regularidade do ciclo de positivação.
Portanto, não existe preclusão temática no que se refere às ações antiexacionais declaratória, anulatória e de repetição de indébito.
À medida que avançamos no ciclo de positivação (saindo do campo da declaratoriedade, para avançar na direção da anulatoriedade; saindo, depois, do campo da anulatoriedade para avançar sobre o campo da repetição), percebemos que os temas típicos de cada demanda vão se “acumulando”:
- Em declaratória: a discussão fundamental diz respeito à compatibilidade da regra-matriz de incidência com o plano constitucional;
- Em anulatória: a discussão fundamental diz respeito à compatibilidade do lançamento (e/ou correspondente notificação) com a regra-matriz de incidência, agregada a possibilidade de se discutir os temas declaratórios (“acumulação”);
- Em repetição: a discussão fundamental diz respeito à compatibilidade do pagamento com as normas que o regem, agregada a possibilidade de se discutir os temas declaratório e anulatório (“acumulação”).
O que define uma ação de repetição de indébito não é propriamente sua causa de pedir (à medida que é possível replicar, em repetição, causas de pedir tipicamente declaratórias ou anulatórias); o que define essa espécie processual é o respectivo pedido (objeto): constituir o fato do pagamento indevido, mais a relação jurídica que dele deriva, chamada de relação de débito do Fisco.
5.3) Delineando a Repetitória
Na relação de débito do Fisco, o contribuinte (que figurava como sujeito passivo no seio da obrigação tributária) oficia como sujeito ativo; o Fisco, por sua vez, figura como sujeito passivo; o objeto dessa relação é a prestação pecuniária de valor econômico equivalente ao do tributo que, primitivamente, figurava como objeto da obrigação tributária originária (lembre-se, porém, que, juridicamente, essa prestação pecuniária não corresponde a tributo).
Ao constituir o fato do pagamento indevido e a correspondente relação de débito do Fisco, a sentença que julga procedente a ação de repetição de indébito acaba por ostentar efeito condenatório no sentido estrito do termo (oficiando, por isso, como título executivo), à medida que impõe à Fazenda Pública a obrigação de pagar a quantia correspondente ao tributo indebitamente recolhido pelo contribuinte.
A constituição da sentença de procedência da repetição de indébito como título executivo – com o reconhecimento da plena eficácia condenatória que lhe subjaz – demanda, porém, seu efetivo trânsito em julgado.
Constituído o título, possível falar em execução – momento em que se dará a reversão ao estado anterior ao pagamento (com a disponibilização, em favor do contribuinte, do capital que lhe foi despojado para quitação do tributo).
Assim, não é a repetição de indébito em si mesma que faz promover, em benefício do contribuinte, a reversão do status anterior ao pagamento tido como indevido, mas sim a execução da sentença que dela (ação de repetição de indébito) deriva.
5.4) Execução da Sentença de Repetição do Indébito Tributário
A execução da sentença tirada em ação de repetição de indébito integra o capítulo das chamadas “execuções contra a Fazenda Pública”, matéria de que se ocupam os arts. 100, e parágrafos, da Constituição, e 730 e 731 do Código de Processo Civil.
a) Linhas gerais: as execuções contra a Fazenda Pública, como se passa com toda execução, também requisitam a presença de título executivo – documento que atesta, por presunção, a existência de uma obrigação. Segundo a processualística, os títulos executivos podem ser classificados, dentre outros critérios, de acordo com sua fonte produtora/ejetora:
- Se produzido em ambiente processual, dir-se-á judicial o título;
- Caso contrário, dir-se-á extrajudicial (observe-se que esses, os títulos extrajudiciais, são definidos por excludência).
As execuções contra a Fazenda Pública podem se escudar em título judicial ou extrajudicial. Porém, caso se esteja a falar de execução contra a Fazenda Pública em matéria tributária, só é possível supor título judicial.
É no ambiente do processo judicial (ressalvados os casos de restituição administrativa) que se constitui o fato jurídico do pagamento indevido, assim como a correlata relação (de débito do Fisco); não havendo a possibilidade de tais figuras (fato e relação) serem constituídos por outro meio, só possível falar, por conseguinte, em título judicial.
b) Cadeia de eventos: a execução contra a Fazenda Pública em matéria tributária supõe, nessa medida, uma sucessão de eventos, assim definíveis, pela ordem:
- O prévio exaurimento do processo de positivação, mediante o pagamento;
- A propositura, pelo contribuinte, da ação de repetição de indébito, observado prazo de cinco anos a contar do evento anterior (o pagamento);
- O acolhimento, por sentença, do pedido formulado pelo contribuinte na ação proposta;
- O trânsito em julgado da sentença de procedência.
A execução (conquanto reconhecível como processo autômono) será instaurada e processada nos mesmos autos da ação que a implicou (a repetição), sendo conduzida, portanto, pelo mesmo Juízo.
c) Procedimento da execução:
- Formulado, pelo contribuinte, o pedido correspondente ao início da execução, a Fazenda Pública será citada para, querendo, oferecer embargos, observado o prazo de trinta dias;
- Os embargos, se oferecidos, implicarão, automática e infalivelmente, a suspensão da execução;
- Nos embargos, não é possível revisitar temas ventilados e decididos na ação de origem, sob pena de se os transformar (os embargos) em sucedâneo recursal;
- Se julgados procedentes, os embargos experimentarão eficácia prática equivalente à da ação rescisória, à medida que desconstituirão o título executivo materializado sob a forma de sentença transitada em julgado – nesses casos, a execução fica prejudicada, obviamente, pela desconstituição do título que lhe dava base;
- Se, ao contrário, os embargos não forem opostos, ou, se opostos, forem definitivamente rejeitados, a execução prosseguirá mediante a expedição do assim chamado ofício precatório.
d) Precatório: requisição judicial, lançada pelo juiz que responde pelo processo de execução contra a Fazenda Pública, de numerário suficiente para efetivação do pagamento da quantia devida pela Fazenda Pública. Pagamento tempestivo do precatório:
- Até o fim do exercício subseqüente à entrada do ofício precatório (se protocolizado até 01 de julho);
- Até o fim do exercício seguinte ao subseqüente à entrada do ofício precatório (se protocolizado depois de 01 de julho).
e) Preterição da ordem: tem como conseqüência o sequestro da quantia inscrita no precatório preterido.
- Juros de mora – posição do STF: “não são devidos juros moratórios no período compreendido entre a data de expedição e a do efetivo pagamento de precatório judicial, no prazo constitucionalmente estabelecido, à vista da não-caracterização, na espécie, de inadimplemento por parte do Poder Público” (posição do Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 298.616/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes).
A execução contra a Fazenda pública é catalogável como modalidade executiva anômala, visto que, diferentemente do que se passa com as execuções de obrigação de pagar quantia certa, não se processa mediante a agressão do patrimônio do devedor. Razão: o devedor, no caso, é a Fazenda Pública, sendo certo que seu patrimônio é insuscetível de expropriação – daí o emprego da figura esdrúxula do precatório.
6) Compensação Tributária
Firmados, por sentença transitada em julgado, o fato jurídico do pagamento indevido e a consequente “relação de indébito tributário” (também chamada de “relação de débito do Fisco”), é possível que o contribuinte, como titular do crédito estampado na sentença, o execute em sentido estrito ou, alternativamente, lance mão da figura da compensação.
Porque visam a um mesmo resultado prático, a execução (estrito senso) e a compensação não podem ser manejadas ao mesmo tempo, cabendo ao titular do crédito (o contribuinte) optar por uma ou outra via.
Não é possível falar em compensação – assim como não é possível falar em execução – à revelia de título constitutivo do fato do pagamento indevido e da correspondente relação de débito do Fisco. O título de que se fala é a sentença passada em julgado, fruto da ação de repetição de indébito. Nesse sentido, prescreve o CTN, art. 170-A, que é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.
Quando “efetivada” pela via da compensação, a sentença tirada na ação de repetição de indébito tem sua face constitutiva (do fato do pagamento indevido e da consequente relação jurídica, a de indébito) realçada, ficando em segundo plano sua face condenatória – enxergável com muito mais nitidez nos casos em que a sentença, ao invés de se “efetivar” pelo caminho da compensação, o é pela via da execução (leia-se, “precatório”).
Segundo a sistemática hoje vigente, a compensação é manejável por iniciativa do contribuinte, ao qual cabe, desde quando fixado o título constitutivo do indébito (e desde que não tenha ele, contribuinte, se valido da via do precatório), promover a entrega de declaração eletrônica (DECOMP/PERDCOMP) na qual constarão:
- O crédito tributário que se pretende ver extinto pela compensação; e
- O débito devidamente apurados na ação judicial de origem.
Assim prescreve, com efeito, o art. 74, e §1º, da Lei nº 9.430/96, observada a redação dada pela Lei nº 10.637/2002, que o sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.
Parágrafo 1º. A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados.
A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação (parágrafo 2º do art. 74 da Lei nº 9.430/96, com a redação da Lei nº 10.637/2002), o que quer significar que a Administração, diante de declaração de compensação que repute indevida poderá/deverá glosá-la, suprimindo a eficácia extintiva proveniente, em princípio, daquela mesma declaração.
Os casos de não-homologação vem prescritos nos incisos do parágrafo 3º do art. 74 da Lei nº 9.430/96 (observada a redação das Leis nºs 10.637/2002, 10.833/2003 e 11.051/2004). Eis a redação de tal dispositivo:
§3º. Além das hipóteses previstas nas leis específicas de cada tributo ou contribuição, não poderão ser objeto de compensação mediante entrega, pelo sujeito passivo, da declaração referida no § 1º:
I - o saldo a restituir apurado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física;
II - os débitos relativos a tributos e contribuições devidos no registro da Declaração de Importação;
III - os débitos relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal que já tenham sido encaminhados à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa da União;
IV - o débito consolidado em qualquer modalidade de parcelamento concedido pela Secretaria da Receita Federal - SRF;
V - o débito que já tenha sido objeto de compensação não homologada, ainda que a compensação se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa; e
VI - o valor objeto de pedido de restituição ou de ressarcimento já indeferido pela autoridade competente da Secretaria da Receita Federal - SRF, ainda que o pedido se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa.
Nos casos apontados no item anterior, o crédito tributário declarado, porque intacto, restaria exigível. Ao invés de submetê-lo a imediata inscrição em Dívida Ativa – como o faria se se estivesse cuidando de declaração “comum” (DCTF) –, à Administração cabe notificar o contribuinte para fins de pagamento ou de “impugnação” (à qual se dá o nome de “manifestação de inconformidade”), tudo no prazo de 30 dias.
Art. 74. (...)
§7º. Não homologada a compensação, a autoridade administrativa deverá cientificar o sujeito passivo e intimá-lo a efetuar, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da ciência do ato que não a homologou, o pagamento dos débitos indevidamente compensados.
(...)
§9º. É facultado ao sujeito passivo, no prazo referido no § 7o, apresentar manifestação de inconformidade contra a não-homologação da compensação. (Lei nº 9.430/96, com a redação da Lei nº 10.833/2003)
A manifestação de inconformidade é dotada, por lei, de eficácia suspensiva da exigibilidade do crédito tributário.
Art. 74. (...)
§11. A manifestação de inconformidade e o recurso de que tratam os §§ 9o e 10 obedecerão ao rito processual do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, e enquadram-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, relativamente ao débito objeto da compensação. (Lei nº 9.430/96, com a redação da Lei nº 10.833/2003)
Diferentemente dos casos de não-homologação, os de “declaração não declarada” qualificam-se pela presunção legal de que a declaração apresentada pelo contribuinte seria tomada como inexistente.
Esses casos vêm definidos no parágrafo 12 do art. 74 Lei nº 9.430/96 (com as modificações trazidas pelas Lei nºs 11.051/2004 e 11.941/2009):
§12. Será considerada não declarada a compensação nas hipóteses:
I - previstas no § 3o deste artigo;
II - em que o crédito:
a) seja de terceiros;
b) refira-se a "crédito-prêmio" instituído pelo art. 1º do Decreto-lei nº 491, de 5 de março de 1969;
c) refira-se a título público;
d) seja decorrente de decisão judicial não transitada em julgado;
e) não se refira a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal – SRF;
f) tiver como fundamento a alegação de inconstitucionalidade de lei, exceto nos casos em que a lei:
1 – tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade ou em ação declaratória de constitucionalidade;
2 – tenha tido sua execução suspensa pelo Senado Federal;
3 – tenha sido julgada inconstitucional em sentença judicial transitada em julgado a favor do contribuinte; ou
4 – seja objeto de súmula vinculante aprovada pelo Supremo Tribunal Federal nos termos do art. 103-A da Constituição Federal.
Nos casos a que se refere o item anterior, à “impugnação administrativa” oferecida pelo contribuinte não se outorgaria, pela lei, o efeito suspensivo da exigibilidade do crédito declarado.
Art. 74. (...)
§13. O disposto nos §§ 2º e 5º a 11 deste artigo não se aplica às hipóteses previstas no § 12 deste artigo. (Lei nº 9.430/96, com a redação da Lei nº 11.051/2004)
Por meio da Emenda Constitucional nº 62/2009 – que incluiu no art. 100 da Constituição Federal os novos parágrafos 9º e 10 –, o regime a que se submetem as execuções contra a Fazenda Pública passou a contar com um mecanismo que pode ser entendido como uma forma esdrúxula de satisfação do crédito fazendário, representando, por isso mesmo, um sucedâneo do tradicional executivo fiscal. Essa forma nos remete a um outro tipo de compensação, agora de iniciativa fiscal.
Assim opera esse “novo” mecanismo:
- Definitivamente condenada numa determinada demanda, a Fazenda Pública passa a responder pelo débito judicialmente reconhecido;
- A execução desse débito ostentado pela Fazenda Pública, dar-se-ia, em princípio, por meio da figura a que se refere o caput do mencionado art. 100, vale dizer, o precatório judicial;
- Antes, porém, de se providenciar a expedição do referido documento, preconiza o novel parágrafo 9º que deverão ser abatidos do montante devido pela Fazenda Pública, os valores correspondentes a eventuais créditos, inclusive os referentes a prestações vincendas de parcelamento, créditos esses que tenham sido constituídos em face do administrado-credor (aquele que seria, na sede do precatório, o correspondente titular).
O raciocínio posto nessa breve suma revela, por si, a ideia subjacente à figura da compensação (entendida, enquanto categoria integrante da teoria geral do direito, como encontro de contas “opostas”, assim entendidas as que apresentam credor e devedor recíprocos).
Para fins de implementação do indigitado regime, prescreve o novo parágrafo 10 do art. 100 da Constituição, que a autoridade judicial responsável pela expedição do precatório deverá, antes de assim fazê-lo, intimar a Fazenda Pública devedora para que, em até trinta dias, indique a existência de créditos que preencham as condições antes mencionadas, sob pena de perda do direito à compensação.
Embora seja expresso o parágrafo 9º quanto à aplicabilidade do aludido mecanismo independentemente de regulamentação, não podemos deixar de consignar que a Lei nº 12.431/2011, cuidou de detalhar os procedimentos inerentes a essa peculiar figura, o que se vê identificado em seus arts. 30 a 44.
Nos termos do art. 31, caput, da Lei nº 12.431/2011, recebidas as informações da Fazenda, o juiz intimará o beneficiário do precatório para que se manifeste, em termos de impugnação, em quinze dias.
Se for oferecida a sobredita impugnação, o juiz intimará, mais uma vez, o órgão responsável pela representação judicial da Fazenda, para fins de “réplica” – prazo de trinta dias (art. 32) – seguindo-se, com isso, decisão que, nos termos do art. 33, restringir-se-á a identificar:
- Eventuais débitos que não poderão ser compensados,
- O montante que deverá ser submetido ao abatimento; e
- O valor líquido do precatório. Porque interlocutória, referida decisão desafiará agravo de instrumento (art. 34, caput), ao qual a lei atribui, anomalamente, efeito suspensivo “constante”.
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