domingo, 31 de agosto de 2014

01 - Processo de Execução - Teoria Geral

Do Processo de Execução - CPC, Livro II

1) Introdução

A execução pode ser compreendida como um conjunto de instrumentos previstos em lei que podem ser utilizados pela jurisdição a fim de se obter a satisfação de um direito.

Esses atos materiais destinados à realização em concreto de um direito podem ser organizados de diversas formas, dando origem às diversas modalidades de execução existentes. Podemos classificá-las de diversas maneiras, como:


2) Classificação das Execuções

2.1) Quanto à Autonomia do Procedimento

a) Processo Autônomo de Execução: é aquele por meio do qual se busca, em uma relação processual autônoma e específica para tanto, a realização ou a satisfação de um direito já definido em um título executivo extrajudicial (todos) ou judicial (alguns, como a sentença penal transitada em julgado; a sentença arbitral; a sentença estrangeira homologada pelo STJ - CPC, art. 475-N, Parágrafo único), eliminando-se, desta forma, uma crise jurídica de inadimplemento;

b) Fase de Cumprimento de Sentença: é a forma executiva que não depende de nova relação processual autônoma para ser realizada. Com a reforma da execução judicial (Lei nº 11.232/05) passamos a ter, em regra, a satisfação das obrigações reconhecidas ou constituídas por títulos judiciais, por meio de uma mera fase de execução no processo de conhecimento.


2.2) Quanto aos Meios Executórios

a) Execução por subrogação ou execução direta: a jurisdição substitui a vontade do executado e assim satisfaz diretamente o direito do exequente (ex.: penhora e expropriação de um bem);

b) Execução por coerção ou execução indireta: a jurisdição não substitui a vontade do executado, atuando apenas no sentido de convencê-lo a cumprir voluntariamente sua obrigação. Esse convencimento do devedor pode se dar por uma ameaça de piora da sua situação jurídica (ex.: multas e prisão por alimentos) ou por oferecimento de uma vantagem (ex.: desconto de 50% dos honorários da execução, no caso de pagamento no prazo de 3 dias - art. 652-A, Parágrafo único).


3) Princípios do Processo de Execução

3.1) Nulla Executio Sine Titulus - art. 586 e 618

Não pode haver execução sem um título que a embase, sendo que este é apenas aquele documento reconhecido como tal pela lei (nullus titulus sine lege).


3.2) Responsabilidade Patrimonial ou Patrimonialidade - art. 591

A execução é sempre real e não pessoal, tendo em vista que apenas os bens do executado poderão ser atingidos por ela (alguns mencionam como exceção a prisão por alimentos, cujo meio de coerção seria pessoal. Os que discordam insistem que o meio de coerção não se confunde com o atingimento à pessoa, já que a prisão por alimentos continua tendo por objetivo a prestação alimentícia, e não o castigo).


3.3) Desfecho Único ou Disponibilidade - art. 569

A execução tem um só objetivo, que é satisfazer o direito do credor. Diante disso, o credor tem total disponibilidade deste processo ou dessa fase do processo sincrético, podendo desistir quando quiser (diferentemente do processo de conhecimento que depende de concordância do réu para a desistência, dependendo da fase - art. 267, §4º);
  • Se o devedor oferecer embargos à execução, poderá ou não haver a perda do interesse de agir, com a extinção da execução por desistência. A esse respeito, o CPC prevê que serão extintos os embargos que versarem apenas sobre questões processuais, pagando o exequente as custas e os honorários; nos demais casos, a extinção dependerá da concordância do embargante.


3.4) Utilidade - art. 659, §2º

A execução e seus meios devem ser aptos ao fornecimento de alguma utilidade ao credor. A execução não é um meio de vingança do credor contra o devedor. Portanto, não se admite penhora quando ficar evidente que o produto da sua expropriação será absorvido pelo pagamento das custas da execução. Nesse sentido, também não se pode fixar ou manter astreintes quando for materialmente impossível o cumprimento da obrigação.


3.4) Menor Onerosidade - art. 620

A execução deve provocar sacrifícios ao devedor apenas na estrita necessidade para a satisfação do direito do exequente. Se houver mais do que um meio de satisfazer o interesse do credor, o Juiz deve determinar que se utilize daquele menos gravoso ao devedor.


3.5) Lealdade e Boa-fé Processual

É o mesmo princípio aplicável aos processos em geral. São considerados atentatórios à dignidade da Justiça os atos do executado que:
  • Frauda a execução;
  • Se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos;
  • Resiste injustificadamente às ordens judiciais;
  • Não indica ao Juiz onde se encontram os bens sujeitos à execução;
  • Intimado, não indica ao Juiz, em 5 dias, quais são e onde se localizam os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores;
Diante dessas condutas, o devedor incidirá em multa, em montante não superior a 20% do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções processuais ou materiais, multa essa que será revertida em proveito do credor, exigível na própria execução.

O Juiz poderá relevar a pena se o devedor se comprometer a não mais praticar qualquer dos atos acima vistos e, cumulativamente, apresentar um fiador idôneo, que responda pela dívida principal, juros, despesas e honorários.


3.6) Contraditório

Apesar de na execução se buscar apenas a satisfação, em concreto, do direito do credor, o Juiz resolve nela uma série de questões incidentais. Para isso, deve sempre ser observado o contraditório (ex.: na substituição da penhora, na avaliação dos bens, na decisão sobre o preço vil, etc.).


4) Partes na Execução

O sujeito que promove na execução é chamado de exequente ou credor, e a parte contrária de executado ou devedor. 


4.1) Legitimidade Ativa

a) Podem ajuizar a execução:
  • O credor que tiver o título executivo (legitimação ordinária);
  • O MP, quando a lei autorizar - legitimação extraordinária (ex.: execução de sentença condenatória proferida em ação civil pública envolvendo direito difuso ou coletivo, mesmo se não tiver sido o autor daquela ação) - Lei nº 7.347/85, art. 3º e 15;
b) Também podem ajuizar a execução ou nela prosseguir as seguintes entidades:
  • O espólio, os herdeiros ou sucessores do credor sempre que, por morte deste, lhes for transmitido o direito resultante do título executivo (a representação do espólio, em regra, é do inventariante, mas também pode ser feita por todos os herdeiros conjuntamente. Se o inventariante for dativo, a representação só pode ser feita em conjunto por todos os herdeiros - art. 12, §1º. Com a partilha concretizada, a legitimidade ativa passa ao herdeiro ou sucessor a quem foi transmitido o respectivo crédito);
  • O cessionário (quem recebe em cessão), quando o direito resultante do título tiver sido a ele transferido por ato entre vivos;
  • O sub-rogado, nos casos de sub-rogação legal - CC, art. 346 (ex.: fiador que paga a dívida do afiançado), ou de sub-rogação convencional - CC, art. 347 (ex.: credor recebe pagamento de um terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos);
  • O sub-rogado não ingressa, necessariamente, na execução, ou seja, é facultativo; nesse caso, o credor originário permanece como exequente, mas agora no exercício de legitimidade extraordinária;

4.2) Legitimidade Passiva

a) Pode ser executado: 
  • Devedor: reconhecido como tal no título executivo, mesmo que não tenha participado da relação de direito material da qual se originou a obrigação (ex.: o emitente do título extrajudicial, mas também o avalista e seu endossante);
  • Dificilmente o Ministério Público figurará como réu em uma ação, quanto mais em uma execução. Contudo, é possível que ocorra nas relações em que atue administrativamente, em que contraiu obrigações de sua exclusiva responsabilidade, como questões envolvendo sua sede física, etc. Aí, porém, poderá ser chamado devedor;
b) Também podem ser executados:
  • O espólio, os herdeiros ou sucessores do devedor;
  • Concretizada a partilha dos bens, a legitimação passiva fica apenas com o sujeito que ficou com aquele débito em seu quinhão. Caso isto não seja observado, cada herdeiro responderá na proporção exata do que lhe tocou na herança; 
  •  Somente responderão pelas dívidas do de cujos os herdeiros e sucessores nos limites da herança (benefício do inventário - CC, art. 1.792);

  • O novo devedor que assumiu, com o consentimento do credor, a obrigação resultante do título executivo (cessão de débito);
  • Fiador judicial, isto é, aquele que presta fiança em processo judicial, que garante a reparação de um eventual dano decorrente de certa atividade processual (ex.: fiança para permitir o levantamento de valores em execução provisória - art. 475-O, III);
  • Responsável tributário, assim definido em legislação própria (CTN, art. 121 a 138; Lei nº 6.830/80, art. 4º, V).

 4.3) Responsabilidade Patrimonial 

É o conjunto de regras que explica o princípio da patrimonialidade: diz quando e de que forma o patrimônio de alguém responde pela execução. A regra básica é a da responsabilidade patrimonial primária - art. 591, ou seja, o próprio devedor responde pela dívida com seus bens atuais (existentes no início do processo), futuros (adquiridos durante o processo) e passados (alienados em fraude).

Portanto, em regra, dívida e responsabilidade recaem sobre o devedor. Dívida é o dever de cumprir a obrigação, que é sempre do devedor. A responsabilidade patrimonial é a possibilidade de se atingir os bens de alguém, ocorrendo quando este responder com seus bens pelo pagamento. Nessa linha, existem hipóteses em que a lei atribui responsabilidade patrimonial a quem não tem dívida, ou seja, a quem não é devedor: a chamada responsabilidade patrimonial secundária - art. 592, I, II, IV e V.

Portanto, responsabilidade patrimonial secundária é a que recai sobre quem não é devedor, mas responde pelo pagamento ou execução forçada;

  • Uma parte da doutrina entende que o responsável secundário não pode ser parte na execução, ainda que seus bens respondam pela satisfação da obrigação; entendem que seriam legitimados somente aqueles descritos no art. 568;
  • Para outros, houve uma indevida separação desses responsáveis e dos legitimados do art. 568, aceitando serem parte, mas apenas a partir do momento em que houver indicação efetiva ou a constrição de seus bens. Prevalece esta última posição.

Hipóteses do art. 592:
  • Tem responsabilidade secundária o sucessor singular quando se tratar de execução fundada  em direito real ou obrigação reipersecutória;
  • Sucessor singular é aquele que adquiriu a coisa litigiosa no curso do processo de conhecimento ou de execução, tenha ou não substituído a parte originária na demanda; 
  • A execução fundada em direito real é aquela que visa à realização de um dos direitos descritos no CC, art. 1.225; 
  • Obrigação reipersecutória é aquela pela qual o devedor se obriga a restituir a coisa ao proprietário; 
  • Nesses casos, a alienação da coisa é válida, mas os ônus reais e as obrigações reipersecutórias permanecem com a coisa, e mesmo sendo a execução movida contra o alienante, o bem do adquirente pode sofrer seus efeitos;
  • Observe-se, porém, o texto da Súmula nº 308-STJ: A HIPOTECA FIRMADA ENTRE A CONSTRUTORA E O AGENTE FINANCEIRO, ANTERIOR OU POSTERIOR À CELEBRAÇÃO DA PROMESSA DE COMPRA E VENDA, NÃO TEM EFICÁCIA PERANTE OS ADQUIRENTES DO IMÓVEL;
  • Tem responsabilidade secundária os sócios, nos termos da lei;
  • Quando as regras de Direito Empresarial preveem responsabilidade solidária ou subsidiária dos sócios, conforme o tipo de sociedade; 
  • Quando, independentemente do tipo de sociedade, ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica;
  • Cônjuge, nos casos em que seus bens próprios reservados ou de sua meação responderem pela dívida:
  • Se a dívida tiver sido contraída diretamente pelos dois cônjuges, haverá responsabilidade primária de ambos; 
  • Presume-se que a dívida de uma pessoa casada foi revertida em benefício da família. O cônjuge inocente, nesses casos, somente não será responsabilizado se provar o contrário;
  • Quando houver fraude à execução, o adquirente responde com o bem adquirido pela dívida do devedor alienante.

4.4) Fraudes do Devedor

Existem três espécies de fraude:

4.4.1) Fraude contra credores - CC, art. 158 a 165: esta fraude ocorre quando existe uma obrigação pendente, mas sem que haja um processo judicial em curso. O interesse principal defendido é particular, ou seja, do credor. 

a) Requisitos:
  • Obrigação pendente;
  • Eventus damni: é o estado de insolvência do devedor, que foi provocado ou agravado pelo negócio (requisito objetivo);
  • Consilium fraudis: é a intenção do devedor de gerar ou agravar sua insolvência com a ciência, ainda que apenas potencial, do adquirente. Essa potencialidade vem da notoriedade advém da notoriedade da insolvência (ex.: fato público na 'praça'), das relações próximas com o devedor (ex.: amigo, parente), ou das circunstâncias do negócio (ex.: baixo preço, forma, etc.);
  • A demonstração do consilium fraudis é dispensada nos negócios gratuitos, sendo ele presumido de maneira absoluta;
b) Forma de arguição:
  • Deve ser proposta a ação pauliana, que nada mais é do que a ação anulatória de negócio jurídico em razão de fraude contra credores. Também chamada ação revocatória;
  • Não se pode discutir a fraude contra credores incidentalmente em outros processos;
c) Efeitos do reconhecimento:
  • Para a maioria dos civilistas, e segundo a determinação do CC, o negócio jurídico será anulado, de forma que a sentença de procedência da ação pauliana desconstitui o negócio, fazendo com que o bem retorne ao patrimônio do devedor fraudador;
  • Para a maioria dos processualistas e para alguns civilistas, o negócio jurídico será ineficaz apenas perante o credor. 

4.4.2) Fraude à execução: já existe um processo judicial de qualquer natureza em andamento; não precisa ser de execução. O interesse protegido é o do credor, mas também público, pois afeta diretamente o resultado da atividade jurisdicional, na medida em que se tenta levar um processo já instaurado à inutilidade

a) Requisitos:

  • Processo pendente: deve haver prova de que o devedor tinha conhecimento da existência de um processo contra ele;
  • Eventus damni: a alienação do bem deve colocar o devedor em situação de insolvência diante das obrigações que lhes são cobradas nas ações pendentes;
Pelo CPC, o consilium fraudis não seria um requisito, pois a publicidade do processo já gera a ciência potencial para o devedor e para o terceiro adquirente. No entanto, o STJ, sendo benevolente com o adquirente de boa-fé, na prática exige a prova do consilium fraudis, conforme se observa da Súmula nº 375-STJ: O reconhecimento à fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. A prova da má-fé é feita pelo comportamento, pelos indícios, pelas circunstâncias do negócio

b) Forma de arguição:
  • É alegada incidentalmente em execução por um pedido simples, seja por cota ou petição, e o Juiz também decide incidentalmente, respeitando o contraditório.

c) Efeito do reconhecimento:

  • É a ineficácia do negócio fraudulento em relação à execução, permanecendo válido e eficaz perante terceiros.


4.4.3) Fraude por alienação de bem judicialmente constrito:

É uma espécie de fraude do devedor ainda mais grave do que as anteriormente vistas. Decorre de uma alienação ou oneração de um bem que já foi objeto de penhora, arresto, depósito ou qualquer outra espécie de constrição judicial. Com esta constrição, o bem passa a ficar vinculado a um determinado processo, razão pela qual o ato do devedor é acintoso à atividade jurisdicional.

a) Requisito:
  • Basta a mera alienação ou oneração de um bem já judicialmente constrito;
O STJ também tem ressalvado o a hipótese de terceiro adquirente de boa-fé.

b) Forma de arguição e efeitos de reconhecimento:
  • Idênticos à da fraude à execução.

4.5) Litisconsórcio na Execução

É possível, mas em regra é facultativo. Excepcionalmente, pode a lei determinar a necessidade de sua formação (ex.: CPC, art. 12, §1º).

Além disso, a natureza da relação jurídica pode determinar a necessidade da formação de um litisconsórcio na execução (ex.: execução de uma obrigação que deve ser cumprida obrigatoriamente por duas pessoas em conjunto, como um show de uma dupla sertaneja).


sábado, 30 de agosto de 2014

09 - Direito Civil 2 - Obrigações - Contratos


1) Negócio Jurídico 

1.1) Negócio Jurídico Unilateral

É o que se forma com a manifestação de uma única vontade. Ele já existe com a manifestação de uma única vontade. Alguns negócios existem quando a pessoa manifestou-se, independentemente do acordo de vontades. Os negócios unilaterais podem ser:

a) Receptícios: formam-se com uma vontade, mas só produz efeitos se for comunicado à outra parte (ex.: resilição de contrato, como notificação para extinção de contrato de tempo indeterminado. Exige comunicação, mas não concordância);

b) Não receptício: produz efeitos com a manifestação da vontade, sem a necessidade de comunicar quem quer que seja (ex.: renúncia ou aceitação de herança).


1.2) Negócio Jurídico Bilateral

É o que se forma pelo acordo de vontades (ex.: contratos).

Todo contrato é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, isto é, mais de duas vontades (ex.: sociedade, consórcio). Pode-se falar em contratos unilaterais (uma classificação a ser vista adiante), mas não existe negócio jurídico unilateral, pela necessidade de acordo de vontades.

O contrato (negócio jurídico bilateral) forma-se com o acordo de vontades. O negócio jurídico receptício forma-se com uma vontade só, mas para produzir efeitos exige que a outra parte seja comunicada (não se exige que ela concorde).


2) Contrato

Negócio jurídico bilateral ou plurilateral (acordo de vontades) realizado com o fim de criar, modificar ou extinguir obrigações. 


2.1) Elementos do Contrato

a) Elemento estrutural, ou alteridade: é o acordo de vontades. Esse acordo deve recair sobre todas as cláusulas contratuais. Nenhum contratante pode impor cláusulas unilateralmente;

b) Elemento funcional: é a função do contrato. O contrato é um meio de atingir fins, isto é, de criar, modificar ou extinguir obrigações.
  • Pacto: é o contrato acessório, pacto adjeto (ex.: retrovenda, hipoteca, comissório). Na essência, não há distinção entre pacto e contrato, sendo ambos acordos de vontade;
  • Autocontrato: é o contrato consigo mesmo. Em regra não é possível. Excepcionalmente, a doutrina moderna apresenta a procuração em causa própria (mandato in rem suam) e procuração para contrato consigo mesmo. Em ambas, o mandante, isto é, o que outorga a procuração, autoriza expressamente o procurador a comprar o bem objeto da outorga. Sem esta autorização expressa, o procurador não pode adquirir o bem, sob pena do negócio ser anulável - CC, art. 117;
  • A procuração em causa própria é irrevogável, ainda que ambas as partes morram. Para lavrar esta procuração, paga-se ITBI (se a procuração for relativa a bem imóvel). Se a procuração preencher os requisitos da escritura pública de compra e venda (descrever a coisa e o preço), o procurador pode registar no registro de imóveis a própria procuração para transmitir o bem em seu nome, dispensando a lavratura de nova escritura pública de compra e venda - STF. Logo, a procuração em causa própria é um negócio definitivo capaz até de gerar a transmissão da propriedade;
  • A procuração para contrato consigo mesmo é revogável. Não se recolhe ITBI. Se o procurador optar por comprar o bem, será necessária uma escritura pública de compra e venda. Ambas, se versar sobre imóvel, exige escritura pública.
No caso de  procuração para o procurador vender o imóvel sem cláusula que o autorize a comprar, se o procurador comprar o bem, o negócio é anulável, salvo se o mandante compareceu, isto é, assinou a escritura de compra e venda, caso em que o STF editou a Súmula nº 165, pois o comparecimento do mandante ao ato implica revogação tácita da procuração.

Tutor ou curador não podem comprar bens do pupilo ou curatelado - art. 497. Os pais podem comprar bens dos filhos menores, desde que haja alvará judicial. Já o tutor ou curador, nem com alvará judicial - art. 1.749, I.

Os relativamente incapazes podem celebrar contrato com assistência do representante legal, exceto no caso de alienação de imóveis, em que não basta a assistência, sendo necessário alvará judicial - art. 1.691. A assistência é bastante na aquisição de imóveis. O mesmo se aplica ao absolutamente incapaz, que na alienação de imóveis depende da representação legal e do alvará judicial. Para outros contratos, basta a representação. 

Aquisição de bens no Brasil por estrangeiro: em caso de imóveis urbanos, o estrangeiro pode adquirir sem limites. Em caso de imóveis rurais, há limites, não podendo adquirir mais que 1/4 da superfície do município em que se situa o bem, salvo se tiver filho brasileiro ou for casado com brasileiro na comunhão universal de bens - Lei nº 5.709/71, art. 12;
  • Governo estrangeiro não pode adquirir imóveis no Brasil, salvo a sede da embaixada e a sede do consulado - LINDB, art. 11.

3.2) Cláusulas Contratuais

a) Cláusulas essenciais: são as que devem estar expressas, sob pena do negócio ser inexistente;
  • Na compra e venda, são as cláusulas que descrevem a coisa, o preço e o consentimento (acordo);
b) Cláusulas naturais: são aquelas que decorrem da própria natureza do negócio, estando implícitas, pois são as consequências normais do negócio. Estas cláusulas não precisam constar expressamente;
  • Na compra e venda, é a obrigação do vendedor entregar a coisa e o comprador pagar o preço;
c) Cláusulas acidentais: são as que visam modificar as cláusulas naturais, isto é, alterar as consequências normais do negócio. Dependem de menção expressa;
  • Na compra e venda, pode ser, por exemplo, o termo (alteração da data), o encargo (obrigação extra) e a condição.

4) Princípios Contratuais

4.1) Autonomia da Vontade

É a liberdade de contratar, se quiser, com quem quiser e como quiser. Abrange:

a) Liberdade de contratar: é a de contratar se quiser e com quem quiser. Esta liberdade é quase absoluta, possuindo poucas exceções (ex.: prestadores de serviços públicos como metrô, energia, são obrigados a licitar, não podendo escolher com quem vai contratar; igualmente, contratos do CDC, em que o fornecedor é obrigado a vender, sob pena de crime contra a economia popular - Lei nº 1.521/51);

b) Liberdade contratual: é o poder que as partes tem de fixar as cláusulas contratuais como quiser, inclusive dispondo de forma contrária às normas do CC, que são normas dispositivas, isto é, tutelam interesses privados; logo, podem ser afastadas pela vontade das partes;
  • O CC, em matéria de contratos, tem aplicação subsidiária, ou supletiva, pois só é aplicado naquilo que o contrato for omisso. Nas omissões do contrato, porém, aplica-se obrigatoriamente o CC;
  • A liberdade contratual é relativa, pois é limitada por três princípios:
  • Supremacia da ordem pública; 
  • Função social do contrato; 
  • Boa-fé objetiva.

4.2) Supremacia da Ordem Pública

É o que proíbe cláusulas contratuais que violam a ordem pública e os bons costumes. Assim, o contrato não podem ter cláusulas que ferem a moral, os bons costumes e as leis cogentes.
  • Lei cogente é a que visa tutelar interesse público. Não pode ser modificada pela vontade das partes (ex.: lei que proíbe anatocismo, juros sobre juros - art. 354 e Súmula nº 121-STF; proibição de cláusulas leoninas; que proíbem sócio de participar de lucros da sociedade - art. 1.008; proibição de pacto corvina ou sucessório, envolvendo herança de pessoa viva - art. 426);
  • Dirigismo contratual: é a intervenção do Estado no conteúdo dos contratos para manter o equilíbrio entre as partes e evitar o abuso do poder econômico. O dirigismo se dá de duas formas:
  • Através de leis cogentes, emanada da União - CF/88, art. 22, I - competência para legislar sobre direito civil; logo, eventual lei estadual sobre contratos é inconstitucional (ex.: lei estadual legislando sobre plano de saúde é inconstitucional); 
  • Revisão judicial: o Juiz, para aplicar a teoria da imprevisão, pode modificar as cláusulas contratuais. Igualmente, para aplicar os princípios da função social e boa-fé objetiva.

4.3) Função Social do Contrato

É a prevalência do interesse coletivo sobre os interesses individuais dos contratantes (ou mesmo de um contratante perante o outro). Fundamenta-se no principio constitucional da solidariedade social.
  • Eficácia externa ou extrínseca do princípio: o contrato deve respeitar interesses de terceiro e da coletividade (ex.: é nula a cláusula que viola o meio-ambiente; tutela externa do crédito; aliciamento de prestador de serviço que tinha contrato escrito com outra pessoa tem que indenizá-la - art. 608);
  • Eficácia interna ou intrínseca do princípio: o contrato deve respeitar o interesse dos próprios contratantes (ex.: é nula a cláusula que onera excessivamente uma das partes; que viola a dignidade da pessoa humana ou outros direitos fundamentais).
Não é do interesse da coletividade validar contratos que violem a dignidade da pessoa humana ou outros direitos fundamentais, tanto dos contratantes quanto de terceiros. O juiz, de ofício, deve decretar a nulidade de cláusulas que violem a função social. Trata-se de nulidade absoluta. 

Contratos celebrados antes do Código Civil também devem respeitar o princípio da função social (art. 2.035). Este princípio é norma de ordem pública; logo, tem aplicação imediata. Não se pode alegar direito adquirido perante nova norma de ordem pública. Portanto, este art. 2.035 é constitucional.


4.4) Boa-Fé Objetiva ou Concepção Ética

É obrigação dos contratantes cumprirem os deveres contratuais implícitos (deveres anexos), com base na confiança e lealdade contratuais. Assim, os deveres contratuais previstos expressamente no contrato são exemplificativos, pois há outros implícitos. Este princípio tem função preponderantemente integrativa, isto é, supre as lacunas do contrato. 

Secundariamente, este princípio tem função interpretativa, pois auxilia na interpretação dos contratos, buscando a intenção das partes.

Este princípio deve ser observado:
  • Na fase pré-contratual: o que se promete antes do contrato deve ser cumprido na celebração;
  • Na fase contratual;
  • Na fase de cumprimento do contrato;
  • Na fase pós-contratual: após a extinção do contrato, ainda podem permanecer deveres implícitos. Assim, a extinção do contrato não gera, necessariamente, a extinção de todos os deveres (ex.: após a extinção do contrato de compra e venda, o vendedor continua com a obrigação de fornecer documentos para auxiliar o comprador a registrar o bem).
Violação positiva é o nome que se dá à violação da boa-fé objetiva. Trata-se de abuso de direito; logo, quem viola a boa-fé objetiva tem responsabilidade objetiva, isto é, tem que indenizar independentemente de culpa.

O princípio da boa-fé objetiva inspirou a chamada Teoria dos Atos Próprios, que tem quatro aspectos:
  • Venire contra factum proprio: é a proibição de contrariar comportamento anterior (ex.: atriz dá entrevista a revista; logo, implicitamente, ela não pode processar a revista que publicou a entrevista);
  • Tu quoque: quem viola uma norma jurídica não pode exigir que a outra parte cumpra esta mesma norma (ex.: a parte que está em mora não pode alegar a mora da outra parte; logo, a mora de ambas as partes não gera a obrigação de indenizar para nenhuma das partes);
  • Supressio: é a perda de um direito pelo seu não exercício prolongado no tempo, uma renúncia presumida por não ter exercido o direito (ex.: devedor efetua pagamento reiteradamente em lugar diverso do previsto do contrato; logo, ele perde o direito de pagar no lugar anterior - art. 330);
  • Duty to mitigate the loss: o credor tem o dever de amenizar o próprio prejuízo, isto é, de evitar o agravamento do próprio prejuízo - Enunciado nº 169-CJF (ex.: o sujeito deve comunicar à seguradora qualquer fato que possa aumentar consideravelmente o risco, sob pena de perder o seguro - art. 769).
O não exercício prologando de um direito no tempo pode gerar quatro situações:

a) Prescrição: perda da pretensão, isto é, do poder de exigir judicialmente o direito, mas não perde o direito material (ex.: quem paga dívida prescrita não tem direito a restituição, salvo em matéria tributária);

b) Decadência: perda de um direito material;

c) Preclusão: perda de um direito processual;

d) Supressio: perda de um direito contratual.

  • Os prazos de prescrição, decadência e preclusão são fixados por lei. A decadência também pode ser fixada pelas partes. A supressio não tem prazo fixado em lei, nem pelas partes. Sendo uma questão de interpretação, pode ser declarada pelo Juiz, em razão do bom senso e da reiteração pelas partes.

4.5) Boa-Fé Subjetiva ou Psicológica

É a que manda presumir a boa intenção dos contratantes.

a) Função típica: auxiliar na interpretação dos contratos (ex.: prova-se que o contratante foi desleal na cláusula primeira: anula-se somente esta cláusula, não se presumindo a deslealdade para as demais cláusulas). Quem alega a má-fé tem o ônus da prova;
  • Exceção: CDC, art. 6º, VIII - o Juiz, no processo civil, pode inverter o ônus da prova para presumir, até prova em contrário, a má-fé do fornecedor em duas hipóteses:
  • Consumidor hipossuficiente: não apenas financeira, mas também intelectual, etc.; 
  • Alegação verossímil, aparentemente verdadeira, do consumidor.
Em regra, o ônus da prova é do consumidor, e a inversão do ônus da prova depende de decisão judicial, não sendo automática. Momento da inversão:
  • Primeira corrente: na decisão de saneamento do processo. Esta corrente preserva o princípio da ampla defesa, não trazendo surpresas ao processo;
  • Segunda corrente: na sentença. O fornecedor deve se preparar para ser surpreendido pelo Juiz.
O STJ vem decidindo (REsp 1.450.473) que o momento para a inversão é na fase do saneamento; caso seja invertido em outro momento, deve-se garantir oportunidade de opor provas. Mas a doutrina é dividida sobre este momento. Parece que essa visão do STJ respeita melhor o devido processo legal, evitando indefensável surpresas no processo.


b) Consensualismo: os contratos, em regra, se formam com o simples acordo de vontades. Antes do pagamento, da entrega, etc., o contrato já é obrigatório. No momento em que houve o acordo de vontades, nasce a obrigação de cumprir o contrato, independentemente do contrato ser escrito;
  • Contratos reais: são os que só se formam, isto é, só existem, com a entrega da coisa. Nesses contratos, o simples acordo de vontades é ato inexistente, não sendo suficiente para formação do contrato (ex.: mútuo, comodato, depósito, arras, penhor, doação verbal manual de coisa de pequeno valor);
  • Contratos solenes ou formais: são os que exigem forma escrita para serem válidos (ex.: seguro, fiança, etc.). Nesses contratos, se houver mero acordo de vontades sem assinatura, o contrato é nulo:
  • Primeira corrente (MHD): antes de assinar, é possível desistir, não cabendo ação para celebração de contrato; 
  • Segunda corrente (SSV): cabe ação para celebração de contrato, com base no CPC, 466-B, e também com base no princípio da obrigatoriedade dos contratos; 


4.6) Pacta Sunt Servanda (Obrigatoriedade dos Contratos)

O contrato deve ser fielmente cumprido pelas partes, pois é lei entre as partes. Assim, a parte não pode alterar unilateralmente as cláusulas contratuais (princípio da intangibilidade das cláusulas);
  • Exceções:
  • Caso fortuito ou força maior;
  • Teoria da imprevisão (rebus sic stantibus);
  • Princípio da função social e da boa-fé objetiva: com base nesses dois princípios, é possível a revisão judicial das cláusulas; 
  • CDC, art. 49 - o consumidor que compra fora do estabelecimento (telefone, internet, etc.) tem 7 dias para arrepender-se, a contar do recebimento do produto ou assinatura do contrato;

4.7) Relatividade dos Contratos

O contrato só vincula as partes, não criando direitos nem obrigações para terceiros. O contrato, porém, deve respeitar os interesses de terceiros (princípio da função social) (ex.: A assume perante seu vizinho B a obrigação de não erguer o muro. Se B vender o imóvel para C, A poderá erguer o muro).
  • O direito real é absoluto, isto é, vincula todas as pessoas do mundo (efeito erga omnes). Por isso, o rol de direitos reais é taxativo, conforme CC, art. 1.225 (ex.: o direito real de servidão de não erguer um muro é possível de ser feita, vinculando terceiros mesmo que o imóvel seja alienado); 
  • Exceções ao princípio: 
  • Estipulações em favor de terceiro - art. 436 (ex.: seguro para beneficiar terceiro); 
  • Morte do contratante, em que os herdeiros se vinculam até as forças da herança;
  • Promessa de fato de terceiro - art. 439; 
  • Contrato com pessoa a declarar - art. 467; 
  • Em caso de vício do produto ou serviço, o consumidor pode mover ação com quem ele não contratou - CDC, art. 12 (ex.: fabricante, montador, importador, etc.). Portanto, no CDC não vigora o princípio da relatividade (ex.: compra e venda entre dois particulares, se o bem apresentar defeito, a ação é contra o particular apenas, mas se a compra é feita em loja especializada de bem durável novo que apresente defeito, ação pode ser contra os diversos integrantes da cadeia produtiva).

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

14 - Organização do Estado - Introdução


1) Tipos de Federalismo

A primeira classificação do Federalismo compreende a seguinte divisão:

1.1) Federalismo por Agregação e por Segregação

a) Federalismo por agregação: é o modelo originário que marcou o surgimento das primeiras federações. É aquele que decorre da união de Estados soberanos, sendo que cada um deles renuncia à própria independência, formando um só Estado soberano com governos locais autônomos (ex.: EUA, Alemanha, Suíça, etc.);

b) Federalismo por segregação: neste caso, ocorre a evolução de um Estado unitário para Estado Federal;
  • É o caso do Brasil, que durante o Império no séc. XIX, era um Estado unitário descentralizado, que com a proclamação da República tornou-se um Estado Federal.

1.2) Federalismo Centrípeto, Centrífugo e de Equilíbrio

a) Federalismo centrípeto: é aquele em que há a predominância do Governo central, que recebe da Constituição a maior parte das competências estatais;
  • É o caso do Brasil que, muito embora tenha havido distribuição de competência com a Constituição de 1988, ainda está distante de um equilíbrio.
b) Federalismo centrífugo: é aquele que consagra um sistema de forte autonomia dos Estados-membros, que recebem da Constituição a maior parte das competências estatais;

c) Federalismo de equilíbrio: é o que consagra um sistema harmônico de forças e de repartição de competências entre Governo central e Governos estaduais.


1.3) Federalismo Dual e Cooperativo

a) Federalismo dual (ou dualista): surgiu com as primeiras Federações no final do séc. XVIII e séc. XIX, sendo marcado por um afastamento rigoroso entre Governo central e Governos estaduais, cada qual possuindo competências exclusivas;

b) Federalismo cooperativo (ou de cooperação): despontou no séc. XX e consolidou-se após as guerras mundiais. Decorreu da crise econômica daquele período, que impôs a atuação conjunta em certas situações do Governo central e dos Governos estaduais. Surgem as competências compartilhadas. 
  • A Constituição de 1988 revela aspectos de Federalismo Dual ao prever o sistema de competências exclusivas, como também aspectos de Federalismo de Cooperação ao prever competências comuns e concorrentes;
  • Alguns autores fazem referência a um Federalismo Cooperativo de grau máximo, denominado Federalismo de Integração, no qual ocorre verdadeira submissão dos Estados ao Governo central, representando um passo para o Estado unitário descentralizado - era o quadro brasileiro na Constituição de 1967.

1.4) Federalismo Simétrico e Assimétrico

A assimetria e a simetria dependem do tratamento constitucional conferido aos Estados, se isonômico ou não. Portanto, haverá assimetria ou simetria de acordo com o grau de uniformidade das relações entre os Estados-membros e o Governo central, entre os próprios Estados-membros e entre os Estados-membros e o modelo federativo adotado. Isto é verificado a partir dos seguintes critérios:
  • A existência ou não de unidade ou uniformidade de população, dimensão territorial e de riqueza dos Estados (neste ponto, o Brasil é assimétrico, diante das discrepâncias nos quesitos: há Estados mais populosos, maiores, mais ricos que outros);
  • A existência ou não de um mesmo grau de autonomia, poderes e competências dos Estados (no caso do Brasil, um aspecto simétrico, em que todos os Estados, independentemente de sua extensão ou riqueza, detêm o mesmo grau de autonomia e as mesmas competências); 
  • A existência ou não de mesmos poderes fiscais e fontes de recursos financeiros (com base nesse critério, há no Brasil um aspecto de simetria, pois os Estados detêm competência sobre os mesmos tributos, etc.); 
  • A existência ou não de mesma representação política perante o Governo central (no Brasil, o número de Senadores revela simetria, ao passo que na quantidade de Deputados Federais demonstram assimetria, justamente em razão do número de habitantes, reforçando o quesito I acima); 
  • A existência ou não de uma uniformidade no rol dos direitos fundamentais (aqui o Brasil é simétrico, inexistindo direitos fundamentais diferentes na CF/88 - e nada impede que as Constituições Estaduais prevejam mais outros direitos fundamentais); 
  • A existência ou não de mesmo peso na atuação dos Estados no processo de reforma da Constituição Federal (no Brasil, simetria no Senado e assimetria na Câmara);
  • A existência ou não de imposições promovidas pela Constituição Federal e direcionadas aos Estados para a elaboração das Constituições Estaduais - é a figura do Princípio da Simetria (o STF tem reconhecido a existência de princípios da CF/88 que devem estender-se a todos aos entes). 
A CF/88 prevê mecanismos de redução de assimetria, como a previsão no art. 43, das regiões, e no art. 151, I, de incentivos fiscais.


2) Características das Federações

2.1) Soberania

Apenas o Estado Nacional possui soberania, sendo que os entes da Federação possuem apenas autonomia. Portanto, a soberania não é da União Federal, e sim da República Federativa do Brasil. 

A União é um ente autônomo (e não soberano - art. 18), constituindo-se como pessoa jurídica de direito público interno, e a República Federativa do Brasil é que tem natureza de pessoa jurídica de direito internacional. A União apenas representa o Estado Nacional nas relações internacionais, mas com ele não se confunde.

A República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados, DF e municípios - art. 1º.


2.2) Federalismo Constitucional

É a Constituição que deve prever a forma Federativa de Estado, diferentemente do que ocorre com as confederações, que são previstas em tratados, pois constituem uniões de Estados soberanos.


2.3) Autonomia dos Entes

Nas Federações, deve existir, necessariamente, duas esferas autônomas de Governo: a Federal e a Estadual, cada qual com capacidade de autogoverno, ou seja, com capacidade de organização de seus próprios poderes públicos.
  • No Brasil, a Federação é marcada por três esferas autônomas.

2.4) Repartição de Competências

A Constituição deverá estabelecer a repartição de competências entre os entes da Federação.


2.5) Participação dos Estados no Processo Legislativo

Previsão de participação dos Estados-membros no processo de elaboração das leis editadas pela União, o que ocorre por meio do Senado.
  • No modelo brasileiro, o Senado atua no processo legislativo de todas as leis federais, entendendo-se aqui a expressão leis federais como um gênero, que se divide em:
  • Leis Federativas: leis da União para os entes que compõem a Federação, que se dividem em: 
  •  Leis intransitivas: leis da União para a própria União;
  •  Leis transitivas: leis da União para todos os entes da Federação;
  • Leis Nacionais: leis da União para a sociedade em geral (CC, CP, etc.).

2.6) Capacidade de Auto-Organização dos Estados

É o poder de elaboração das Constituições Estaduais.


2.7) Autonomia Administrativa dos Estados

É a capacidade de gestão de seus próprios serviços e negócios públicos. É preciso que os Estados tenham competências próprias.


2.8) Autonomia Política dos Estados

Os Estados devem ter  a capacidade de designação de seus próprios representantes e governantes.


2.9) Autonomia Financeira dos Estados

Os Estados devem ter fontes próprias de recursos, o que justifica a previsão de tributos exclusivos.


2.10) Iniciativa para Emendar a Constituição

Os Estados devem ter iniciativa para a apresentação de proposta de Emenda à Constituição.


2.11) Tribunal da Federação

A previsão de um Tribunal da Federação para julgar conflitos entre os Entes da Federação. No Brasil, este papel coube ao próprio STF (que também é a ultima instância recursal de processos judiciais que envolvam matéria constitucional, bem como tribunal constitucional para controle da constitucionalidade abstrato da legislação).


2.12) Indissolubilidade

Nas Federações, os Estados-membros não podem separar-se do conjunto, sob pena de intervenção federal. Não há o direito à secessão.


3) Sobre Municípios e Territórios

A CF/88 inovou ao considerar os municípios entes da Federação - art. 18. Por isso são chamados "entes da Federação de 3º grau". As críticas da doutrina a esta postura constitucional decorre, dentre outros fatores, do fato de que os municípios não preenchem algumas das características das Federações. Afinal, não têm iniciativa para proposta de Emenda à Constituição e não participa do processo legislativo Federal.

O próprio artigo 18, em seu §2º, prevê a possibilidade de criação de territórios federais. Os últimos territórios foram extintos pela CF/88 (Roraima e Amapá passaram a ser Estados, e Fernando de Noronha passou a fazer parte de Pernambuco - uma Autarquia Territorial, conforme a Constituição Pernambucana). A criação de novos territórios é possível por meio de Lei Complementar. Ainda que sejam criados, não serão considerados entes da Federação, pois não possuem autonomia. Territórios federais são meras descentralizações, divisões administrativas da União. Para os administrativistas, são autarquias de natureza territorial.

Quanto ao Poder Executivo nos territórios, será exercido por um governador nomeado pelo Presidente da República após aprovação do nome pelo Senado. 

Quanto à função legislativa, o próprio Congresso Nacional legisla para os territórios, e naqueles com mais de 100 mil habitantes, haverá um legislativo local denominado Câmara Territorial, cuja eleição e competências devem ser disciplinadas por lei. Para a doutrina, mesmo havendo Câmara Territorial, o Congresso Nacional ainda poderá legislar para os territórios: enquanto que o legislativo local tratará dos assuntos de interesse regional, o Congresso permaneceria com as questões de interesse geral dos territórios.

Além disso, nos territórios com mais de 100 mil habitantes, haverá um Judiciário próprio com primeira e segunda instâncias, um Ministério Público, e até Defensores Públicos Federais, tudo custeado e organizado pela União.

Nos territórios com menos de 100 mil habitantes, o Judiciário e o MP competentes, são os do DF.

Recentemente, em razão de Emenda à Constituição, houve uma desvinculação da Defensoria Pública do DF e dos Territórios. A Defensoria Pública do DF agora tem autonomia administrativa e financeira, mantida pelo DF (EC nº 69/12). Coube à União a organização da Defensoria Pública nos Territórios - CF/88, art. 21, XIII; art. 22, XVII.

Os territórios não têm autonomia financeira, e os tributos que seriam Estaduais são recolhidos pela União. 

Os territórios podem ser divididos internamente em municípios, que terão as mesmas características dos municípios dos Estados. Cada território elege quatro Deputados Federais, independentemente da quantidade populacional, e não elege Senadores.


4) Sobre o Distrito Federal

Já a natureza do DF é bem diversa. O DF é um ente autônomo da Federação, e surgiu para abrigar a sede da União Federal, mas recebeu da Constituição de 1988 autonomia, capacidade de autogoverno, para gerenciar a vida social local. 

O próprio DF elabora seu documento organizativo denominado Lei Orgânica do DF, que tem natureza híbrida. Afinal, como o DF não é e não pode ser dividido em municípios, os poderes públicos distritais exercem funções que seriam próprias dos Estados e dos municípios. Assim, a Lei Orgânica distrital trata, ao mesmo tempo, de matérias que seriam de competência estadual e de matérias que seriam de competência municipal. 

Apenas a parte que trata de matéria estadual tem status de norma constitucional, a qual pode ser questionada via ADI.

O Poder Executivo do DF é exercido por um governador eleito pelo povo, e que possui as mesmas prerrogativas e impedimentos dos governadores de Estado. O Executivo distrital é organizado e mantido pelo próprio DF. Como o DF não tem municípios, Brasília e as cidades satélites são definidas pela Lei Orgânica distrital como regiões administrativas, cujos administradores regionais são nomeados pelo Governador mediante aprovação do legislativo distrital.

O Legislativo distrital, que é mantido financeiramente e organizado pelo próprio DF, é representado pela Câmara Legislativa, composta pelos Deputados Distritais, cujas prerrogativas e impedimentos equivalem aos dos Deputados Estaduais, mas exercem as competências legislativas que seriam estaduais e as que seriam municipais.

A Defensoria Pública do DF passou a ser organizada e mantida financeira pelo próprio DF, possuindo, assim como a dos Estados, autonomia administrativa e financeira, como já dito.

Por outro lado, o Poder Judiciário, composto por Juízes de Direito e Tribunal de Justiça, o MP, a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar do DF, são organizados e mantidos financeiramente pela União Federal.

Sendo um ente autônomo, o DF tem também autonomia financeira. Arrecada os tributos que seriam estaduais e municipais. Mesmo assim, o art. 21, XIV, prevê que a União auxiliará financeiramente o DF na prestação dos serviços públicos distritais, em razão dos impactos de toda ordem decorrentes do fato de ser sede central da cúpula da administração do Estado brasileiro.

O DF elege 8 Deputados Federais e 3 Senadores.


5) Formação de Estados-Membros 

5.1) Mecanismos de Formação de Estados

O art. 18, §3º, trata da formação de Estados-membros. Este dispositivo prevê que os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se e desmembrar-se. 

a) Incorporação: a incorporação propriamente dita é o fenômeno pelo qual um ente (incorporado) é absorvido por outro ente (incorporador). O incorporado desaparece, perdendo sua personalidade jurídica, e o incorporador será juridicamente o mesmo, porém ampliado;
  • Porém, o art 18, §3º, faz referência a incorporação entre si, e a expressão "entre si" é incompatível com o significado de incorporação. A doutrina conclui que referido dispositivo utilizou a expressão "incorporação entre si" para designar a figura da fusão. Neste caso, dois ou mais entes se integram dando origem a um terceiro distinto dos entes originários, os quais desaparecem;
  • Assim, a doutrina também conclui que a Constituição, com base no art. 48, VI, admite também a incorporação propriamente dita de Estados.
b) Subdivisão: o Estado que se subdivide, desaparece totalmente. Seus fragmentos poderão ter destinos diversos: poderão se tornar novos Estados, poderão se anexar a outros ou se tornar territórios;

c) Desmembramento: no desmembramento, o Estado originário perde uma parcela de sua área territorial, mas continua existindo. Juridicamente é o mesmo, embora territorialmente menor.


5.2) Requisitos de Formação de Estados

a) Plebiscito para ouvir a população diretamente interessada: este plebiscito é convocado por meio de Decreto-Legislativo do Congresso Nacional, sendo organizado pela Justiça Eleitoral. A disciplina legal deste plebiscito consta da Lei nº 9.709/98. Embora a Constituição tenha utilizado o termo "população", é apenas o eleitorado diretamente interessado que participa do plebiscito (população é mais amplo que eleitorado; população abrange o eleitor e quem não é eleitor);
  • Se o resultado do plebiscito for desfavorável à formação do Estado, o procedimento para tanto encerra-se neste momento. Se o resultado for favorável, o procedimento terá sequência, mas não vincula o Congresso Nacional.
b) Manifestação das Assembleias Legislativas dos Estados envolvidos - art. 48, VI: esta manifestação também não vincula o Congresso Nacional;

c) Aprovação da formação do Estado mediante Lei-Complementar Federal.


6) Formação de Municípios - art. 18, §4º

Este dispositivo prevê a possibilidade de criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios. 

a) Incorporação: o município incorporador absorverá o município incorporado, o qual perderá sua personalidade jurídica;

b) Fusão: dois municípios se integram dando origem a um terceiro;

c) Criação: é o fenômeno pelo qual uma área municipal se emancipa surgindo um novo município, desde que preenchidos os requisitos de quantidade populacional, financeiros, entre outros;

d) Desmembramento: hipótese em que uma área municipal se destaca de um município para ser anexada a outro.
  • PLP nº 397/2014, originado do PLS nº 104/2014 - ambos vetados pela Presidência da República.

6.1) Requisitos

a) Plebiscito para ouvir as populações diretamente interessadas. Apesar do termo populações, é apenas o eleitorado local que participa do plebiscito, o qual é convocado pela Assembléia Legislativa e organizado pela Justiça Eleitoral, sendo também regido pela Lei nº 9.709/98;
  • Assim como o plebiscito para formação de Estados, o resultado favorável à formação de municípios apenas autoriza a sequência do procedimento.
b) Existência de Lei Complementar Federal para fixar o período em que será autorizada a formação de municípios. Este requisito foi introduzido na Constituição pela EC nº 15/96;

c) Estudos de viabilidade municipal, nos termos de Lei ordinária Federal;

d) Decisão, que cabe ao Estado-membro. Lei Estadual é que definirá a formação de município;
  • O STF entendeu que a EC nº 15/96 transformou o art. 18, §4º, em uma norma de eficácia limitada. Assim sendo, só seria possível a formação de municípios a partir da regulamentação dos requisitos criados por tal Emenda (letras b e c acima). Com base nesta posição, o STF chegou a declarar a inconstitucionalidade de várias leis estaduais editadas depois da Emenda, e que provocaram a formação de municípios;
  • Em 2007, o STF julgou uma ADI por omissão, fixando o prazo de 18 meses para que o Congresso regulamentasse o art. 18, §4º, bem como solucionasse as situações passadas. Ao mesmo tempo, julgou uma ADI que questionava Lei Estadual que havia criado um município, tendo declarado a inconstitucionalidade com efeito pro futuro de 24 meses;
  • O Congresso não regulamentou a referida norma constitucional, mas aprovou a EC nº 57/08 convalidando os municípios criados por leis estaduais promulgadas até dezembro de 2006. Sendo assim, persiste o cenário de inconstitucionalidade de leis estaduais que formaram municípios, e que foram editadas a partir de janeiro de 2007. A inconstitucionalidade se dá em razão da falta de Lei Complementar Federal que regule o procedimento que o Estado deve adotar.


13 - Crimes contra a Liberdade Sexual - Estupro e Violação Sexual Mediante Fraude

Introdução

Até 2009, este Título da Parte Especial do CP era intitulado "Crimes contra os Costumes". O título indicava que o legislador pretendia proteger os hábitos comuns da sociedade em matéria sexual, a chamada "moralidade média" então vigente. Com o passar do tempo, as mudanças nos costumes obrigaram o legislador a realizar sucessivas alterações na lei. Por exemplo, aboliu-se o crime de sedução e os crimes que só podiam ter como vítima a "mulher honesta".

A Lei nº 12.015/09, que promoveu profundas alterações neste título, objetivou proteger um bem absoluto, que é a dignidade sexual, que é a própria dignidade humana em seu aspecto relativo ao exercício da sexualidade. A lei agora protege a honra e a liberdade do ser humano em matéria sexual, punindo a sua coação e exploração.

1) Estupro - art. 213

O crime consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que se pratique ato libidinoso diverso. 

Este atual crime de estupro é uma fusão do antigo estupro do art. 213 com o antigo atentado violento ao pudor do art. 214, hoje revogado. 

Na lei anterior, estupro era apenas a conjunção carnal (cópula vagínica) obtida mediante violência ou grave ameaça. Atentado violento ao puder era qualquer ato libidinoso diverso da conjunção carnal (toques, carícias, coito anal, etc.), obtido mediante violência ou grave ameaça. 

No antigo estupro, a vitima só podia ser mulher; no atentado violento ao pudor, homem ou mulher. O atual estupro, que compreende tanto a conjunção carnal como qualquer ato libidinoso, pode ter por vítima homem ou mulher.


1.1) Sujeito Ativo

Qualquer pessoa, homem ou mulher.

No passado, discutiu-se se o marido poderia ser autor de estupro contra a mulher. Uma corrente sustentava que se a mulher se recusasse à prática sexual e o marido a obtivesse mediante violência ou grave ameaça, não haveria crime, pois incidiria a excludente de antijuridicidade do exercício regular de direito.

Hoje é pacífico que o marido pode ser autor de estupro contra a esposa, e vice-versa. Se um cônjuge injustificadamente se recusa às relações sexuais, isto dá ao outro o direito ao divórcio, mas não ao emprego de violência ou grave ameaça.

O crime de estupro admite coautoria (ex.: um agente segura a vítima ou lhe aponta uma arma, enquanto o outro pratica a conjunção carnal). Se eles se revesarem, praticando ambos violência e atos libidinosos, ou conjunções carnais, cada qual responderá por dois estupros, sendo autor de um crime e coautor de outro.


1.2) Sujeito Passivo

Qualquer pessoa, homem ou mulher, não vulnerável. Se a vítima for vulnerável (nos termos do CP, art. 217-A), o crime será outro: estupro de vulnerável.

Não importa se a vítima do estupro tenha ou não experiência sexual. A pessoa prostituída pode ser vítima desse crime. 


1.3) Tipo Objetivo

O núcleo do tipo (verbo) é constranger, que significa coagir, compelir. Deve haver uma oposição séria da vítima à realização do ato. Não basta uma negativa hesitante, sem demonstração de oposição.

A violência ou grave ameaça objetivam a conjunção carnal ou outro ato libidinoso.

Discute-se se o chamado "beijo roubado" ou toques furtivos após o agente agarrar a vítima configuram estupro. Prevalece o entendimento de que é desproporcional considerar que essa conduta configura um crime tão grave, de natureza hedionda. Prevalece que se essa conduta for praticada em local público ou acessível ao público, configurará a contravenção de importunação ofensiva ao pudor - LCP, art. 61. Do contrário, a conduta será atípica.

O ato deve ser praticado pela vítima, com a vítima ou sobre a vítima. Ela deve participar materialmente do ato. Quem apenas coage a vítima a assistir a atos libidinosos de terceiros, sem participação neles, não pratica estupro.

Por outro lado, pode haver estupro sem contato físico com o agente (ex.: o agente obriga a vítima a despir-se, masturbar-se, relacionar-se com terceiro, etc.). 

A vítima pode ser coagida a praticar uma conduta ativa (ex.: tocar o agente), ou passiva (ex.: ser tocada pelo agente).

Os meios de execução são a grave ameaça ou a violência, indicativas de que, sem elas, a vítima se oporia ao ato. Esta oposição da vítima, segundo o entendimento dominante, deve perdurar durante todo o ato. Se a partir de determinado momento a vítima aquiescer, dando demonstrações claras de adesão ao ato, não haverá crime. Por outro lado, se a relação se iniciar de forma consensual e a partir de determinado momento a vítima manifestar o desejo inequívoco de interrompe-la, vindo o agente a empregar violência ou grave ameaça para prosseguir, ele responderá por estupro.

Um fato posterior não faz presumir o consentimento da vítima, nem afasta o crime (ex.: a vítima aceita indenização ou flores do estuprador; aceita uma nova conjunção carnal, etc.).

Se a violência, não consentida, ocorrer durante relação sexual consentida ("atentado sádico") não haverá estupro, já que a violência não foi empregada como meio para obter a conjunção carnal. Neste caso, o agente responderá por lesão corporal. 


1.4) Consumação

Uma corrente sustenta que o crime se consuma com a prática do primeiro ato libidinoso, ainda que o agente pretendesse chegar à conjunção carnal, tendo sido impedido de prosseguir. Para essa corrente, só haverá tentativa de estupro se o agente, por circunstâncias alheias à sua vontade, não chegar a praticar nenhum ato libidinoso (ex.: aponta a arma para a vítima, manifesta a intenção de estupra-la e a leva para um lugar afastado, onde é surpreendido e preso antes de qualquer ato libidinoso). 

Uma segunda corrente, adotada pelo STJ, sustenta que se o agente pretendia praticar a conjunção carnal, e chegou a praticar atos libidinosos que constituem mera preparação natural (ex.: despir a vítima, beija-la, toca-la, etc.), sendo impedido de prosseguir, haverá tentativa. No entanto, se ele chegar a praticar atos libidinosos que não são uma mera preparação natural para a conjunção carnal (ex.: coito anal, masturbação, felação - sexo oral), ele responderá por estupro consumado, ainda que sua intenção também fosse a de praticar a conjunção carnal, tendo sido impedido de prosseguir.


1.5) Tipo Subjetivo

É o dolo. Discute-se se o dolo é genérico ou específico. Uma corrente minoritária sustenta que o dolo é específico, ou seja, para que haja crime de estupro não basta que a conduta tenha natureza libidinosa, sendo necessário também que a intenção do agente também seja libidinosa, de satisfazer a própria lascívia (ex.: o agente encontra uma inimiga na rua e com a intenção exclusiva de humilha-la, arranca suas vestes, passa a mão em seu corpo, etc.). Para essa corrente, ele não responderia por estupro, pois não teve a intenção de satisfazer a própria lascívia. Ele responderia por injúria real.

A corrente majoritária sustenta que o dolo é genérico, pois não importa qual a finalidade do agente. Para essa corrente, haverá estupro se o ato tiver natureza libidinosa, mesmo que a intenção do agente não seja a de obter satisfação sexual. Para essa corrente, no exemplo citado, o agente responde por estupro.


1.6) Estupro Qualificado

O estupro pode ser qualificado pelo resultado, ou pela idade da vítima.

a) Pelo resultado

Ocorre quando a vítima, em razão da conduta, sofre lesão corporal grave (art. 213, §1º, 1ª parte) ou morte (2ª parte). O resultado qualificador lesão grave ou morte é consequência da conduta, e não necessariamente da violência, podendo ocorrer essa hipótese mesmo quando o estupro é praticado apenas mediante grave ameaça (ex.: o agente aponta a arma para a vítima e inicia o estupro, vindo esta a sofrer ataque cardíaco e a morrer; fugindo do estuprador que a ameaçou, a vítima cai e se fere gravemente).

Lesões corporais graves são aquelas definidas no art. 129, §§1º e 2º. O estupro absorve as vias de fato e as lesões leves.

O resultado qualificador lesão grave ou morte deve atingir a vítima do estupro. Se atingir terceiro, haverá concurso de crimes (ex.: durante a prática do estupro, o agente é surpreendido por uma pessoa e dispara contra ela, provocando neste terceiro lesão grave ou morte. Nessa hipótese, ele responderá por estupro simples em concurso material com lesão grave ou homicídio).

Discute-se se o estupro qualificado pelo resultado é ou não necessariamente preterdoloso. A primeira corrente, minoritária, sustenta que este crime só admite a forma preterdolosa, em que o agente tem dolo apenas de estuprar, provocando o resultado qualificador por culpa (ex.: o agente não quer nem assume o risco de matar a vítima, mas imprudentemente se excede na violência e provoca sua morte). Para esta corrente, se houver dolo direto ou eventual em relação ao resultado lesão grave ou morte, não haverá estupro qualificado, mas sim estupro simples em concurso formal com lesão grave ou homicídio.

A corrente majoritária sustenta que, tal como ocorre no latrocínio, haverá estupro qualificado tanto na hipótese em que o resultado qualificador é produzido a título de culpa como de dolo. Cabe ao Juiz, na dosimetria da pena, distinguir essas situações.

Surge dúvida na hipótese em que a prática sexual é meramente tentada, mas o resultado qualificador é consumado (ex.: a vítima reage à tentativa de estupro e o agente, antes de qualquer ato libidinoso, a mata). Prevalece o entendimento de que esta hipótese deve ter a mesma solução que a Súmula 610 do STF deu ao latrocínio, em que a subtração é tentada e a morte é consumada. 
SÚMULA Nº 610 - STF: HÁ CRIME DE LATROCÍNIO, QUANDO O HOMICÍDIO SE CONSUMA, AINDA QUE NÃO REALIZE O AGENTE A SUBTRAÇÃO DE BENS DA VÍTIMA.
Assim, o agente responderá por estupro qualificado consumado: tendo ele atingido o bem da vida ou da integridade corporal da vítima de forma tão grave, torna-se indiferente que ele não tenha conseguido atingir a sua dignidade sexual.


b) Pela idade da vítima

É aquele em que a vítima é "maior de 14 anos" ou "menor de 18 anos". Se a vítima for menor de 14 anos, o crime será o do art. 217-A, estupro de vulnerável. 

Discute-se na doutrina a hipótese do estupro praticado no dia do aniversário de 14 anos da vítima. A corrente majoritária sustenta que, nessa hipótese, haverá estupro simples. Não haverá estupro de vulnerável porque a vítima não é mais "menor de 14 anos". Não haverá estupro qualificado, pois a vítima ainda não é "maior de 14 anos". 


1.7) Crime Hediondo

O estupro, tanto na forma simples como nas formas qualificadas, é crime hediondo (Lei nº 8.072/90, art. 1º, V).


1.8) Concurso de Crimes

Na lei anterior, quando o agente constrangesse a vítima à conjunção carnal e também, ainda que num mesmo contexto, a um ato libidinoso diverso da conjunção carnal, que não constituísse uma mera preparação para esta (coito anal, felação, etc.), ele respondia por dois crimes: estupro, em razão da conjunção carnal, e atentado violento ao pudor, em razão do outro ato libidinoso. Entendia o STF que nessa hipótese havia concurso material de crimes (art. 69). Não poderia haver concurso formal, pois as condutas são distintas. Também não havia crime continuado, pois os crimes não eram da mesma espécie.

Com a lei nova, que unificou num só tipo as duas condutas, surgiram duas correntes para a hipótese em que o agente pratique contra a mesma vítima, e num mesmo contexto, conjunção carnal e também o ato libidinoso diverso.
  • Primeira corrente: o novo tipo do art. 213 é misto cumulativo (prevê mais de uma conduta, sendo que se o mesmo agente praticar mais de uma delas contra a mesma vítima e num mesmo contexto, ele responderá pro mais de um crime). Para esta corrente, na hipótese dada, o agente deve responder por dois crimes de estupro. Como as duas condutas estão hoje previstas num mesmo tipo penal, os defensores desta corrente, em sua maioria, admitem que há entre estes vários crimes continuidade delitiva. Esta posição foi adotada inicialmente pela 5ª Turma do STJ;
  • Segunda corrente: o novo tipo é misto alternativo (prevê mais de uma conduta, sendo que se o agente praticar mais de uma delas, num mesmo contexto, e contra a mesma vítima, ele responderá por um só crime, cabendo ao Juiz na dosimetria da pena, levar em consideração esta multiplicidade de condutas). Para esta corrente, na hipótese dada, o agente responde por apenas um crime de estupro. Esta foi a posição adotada desde o princípio pela 6ª Turma do STJ.
  • Atualmente, o STJ unificou seu entendimento no sentido de que o novo tipo é misto alternativo;
  • O STF ainda não se pronunciou a respeito. No entanto, julgando alguns casos ocorridos sob a lei anterior, já havia decidido sob a lei nova que esta é mais benéfica, não por tornar a conduta um só crime, mas por permitir o reconhecimento da continuidade delitiva entre as antigas condutas de estupro e atentado violento ao pudor (HC nº 99.544, 101.116 e 94.636). Essas decisões implicariam na adoção da segunda corrente.

2) Violação Sexual Mediante Fraude - art. 215

Este crime é chamado de "estelionato sexual", pois em sua forma mais comum, consiste na obtenção de uma vantagem sexual sem violência nem grave ameaça, mas sim mediante emprego de fraude.


2.1) Sujeito Ativo

Qualquer pessoa, homem ou mulher. 


2.2) Sujeito Passivo

Qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que não vulnerável. Se a vítima for vulnerável, o crime será estupro de vulnerável - art. 217-A. Não importa se a vítima tenha ou não experiência sexual. Até mesmo a pessoa prostituída pode ser vítima desse crime (ex.: já pretendendo não pagá-la, o agente contrata uma prostituta, e foge ao fim do ato sexual).


2.3) Tipo Objetivo

As condutas são ter conjunção carnal, ou praticar outro ato libidinoso com alguém. Diferentemente do estupro, aqui a lei não fala "praticar ou permitir que com ele se pratique". 

Por isso, uma corrente sustenta que só haverá crime se o agente tiver uma conduta ativa. Para esta corrente, se ele mantiver apenas uma atitude passiva (ex.: ele é tocado pela vítima, ou a vítima pratica o ato em si mesma), a conduta será atípica, pois nessa hipótese ele não teve conjunção carnal nem praticou outro ato libidinoso.

Os meios de execução não são nem a violência nem a grave a ameaça. Eles são:

a) Fraude: é o ardil, o engodo, que leva a vítima a se enganar e a consentir na realização do ato. Esse erro da vítima pode ter por objeto uma destas duas coisas:
  • A identidade do agente: a vítima consente em relacionar-se com o agente supondo que ele é outra pessoa (ex.: relação sexual no escuro, com gêmeo, etc.);
  • A legitimidade do ato: a vítima equivocadamente acredita que o ato é legítimo (ex.: médico finge examinar a vítima para tocá-la libidinosamente; curandeiro faz a vítima acreditar que o contato sexual com ele tem efeito curativo; o agente simula casamento com a vítima, etc.);
A jurisprudência tem entendido que o erro da vítima sobre o estado civil ou a condição financeira do agente não bastam para configurar este crime.

b) Outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: a vítima sofre uma redução, mas não uma anulação da capacidade de compreender o ato ao qual ela dá o seu consentimento (ex.: vítima em situação de embriaguez incompleta, ou em estado de choque, ou com muito sono, etc.);
  • Se a vítima já não tiver nenhuma capacidade de compreender o ato, ela será vulnerável, e o crime será o do art. 217-A (ex.: embriaguez completa, adormecida, desmaiada, anestesiada, etc.).
Se, durante um ato já iniciado, a vítima se aperceber da situação e manifestar o desejo de interromper o ato, vindo então o agente a empregar violência ou grave ameaça para prosseguir, ele responderá por estupro, o qual absorve este crime do art. 215.

Por outro lado, se a vítima, apercebendo-se da situação, consentir inequivocamente na continuação do ato, a conduta do agente será atípica.


2.4) Consumação

Aplica-se o que já foi estudado no crime de estupro.


2.5) Forma Qualificada

Ocorre quando o agente, além do contato sexual, também pretende obter vantagem econômica (ex.: mulher pretende engravidar de um milionário para obter pensão). Neste caso, aplica-se-lhe também a pena de multa.


sábado, 23 de agosto de 2014

01 - Direito Civil 3 - Sucessões - Introdução

1) Introdução

Direito das Sucessões é o conjunto de normas e princípios que regem a transferência da herança e do legado aos herdeiros e aos legatários em razão da morte de alguém. 

Duas são as espécies de sucessão no Brasil:

1.1) Sucessão Legítima ou Ab Intestato - CC, art. 1.788

Dá-se a legítima quando a herança é deferida aos herdeiros de acordo com a ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.829. A atual ordem de vocação hereditária (em termos simples) é a seguinte:
  • Descendentes em concorrência com o cônjuge (dependendo do regime de bens);
  • Ascendentes em concorrência com o cônjuge (independentemente do regime de bens);
  • Cônjuge sobrevivente;
  • Colaterais até o quarto grau.
As hipóteses de sucessão legítima encontram-se previstas no art. 1.788. De acordo com a segunda parte do dispositivo, vê-se que é perfeitamente possível a coexistência da legítima com a testamentária.


1.2) Sucessão Testamentária

Dá-se a testamentária quando a herança ou o legado são deferidos aos herdeiros testamentários (também chamados instituídos, indicados) e aos legatários, de acordo com o ato de disposição de última vontade. 

A liberdade do testador em testar pode ser absoluta (se não há herdeiros necessários) ou relativa (se há descendente, ascendente e/ou cônjuge). Sendo relativa, a legítima deve ser observada. Sendo absoluta, não há que se falar em legítima, sendo todo o patrimônio disponível.
  • Uma terceira forma de sucessão, denominada contratual ou pactícia (pacta corvina) não encontra previsão em nosso ordenamento jurídico, por força da proibição contida no art. 426;
  • Excepcionalmente, é possível se dar a partilha entre vivos, prevista no art. 2.018, que se trata de verdadeira sucessão antecipada, porém restrita aos bens presentes.

2) Abertura da Sucessão

A abertura da sucessão dá-se com a morte. De acordo com o art. 1.784 (que consagra o princípio droit de saisine), com a morte, a herança é transmitida imediatamente aos herdeiros legítimos e testamentários, ainda que estes herdeiros não tenham conhecimento da morte e independentemente de qualquer ato deles. A transmissibilidade abrange o domínio e a posse dos bens que compõem a herança.

Com relação ao legatário, a situação é diferente, pois se infungível a coisa legada, a propriedade será adquirida desde o momento de abertura da sucessão; se fungível, a adquire após a partilha. Em se tratando de posse, seja a coisa fungível ou infungível, a aquisição se dará após a partilha somente - art. 1.923.


3) Sucessões Universal e Singular

a) Sucessão universal: é a transferência da totalidade do acervo deixado pelo morto, ou de um percentual deste acervo. Aqui não há individualização de bens. Herdeiros legítimos e testamentários sucedem a título universal.

b) Sucessão singular: é a que recai sobre coisa certa e individualizada pelo testador, ou sobre um percentual dela. O legatário sucede sempre a título singular.


4) Capacidade para Suceder

De acordo com o art. 1.787, a capacidade para suceder é regulada pela Lei vigente ao tempo da abertura da sucessão. Ver também art. 2.041. 

Quanto à sucessão testamentária, a regra é a mesma, salvo se o herdeiro ou o legatário foi nomeado mediante condição, caso em que a capacidade será apurada pela lei vigente no momento do implemento da condição.


5) Indivisibilidade da Herança

De acordo com o art. 1.791 e seu parágrafo, a herança, até partilha, ainda que vários sejam os herdeiros, é um todo único, unitário e indivisível, e será regida pelas regras pertinentes ao condomínio. 

Referida indivisibilidade traz as seguintes consequências:

a) Antes da partilha, o herdeiro não pode alienar coisa certa e determinada, salvo se houver alvará judicial ou autorização dos demais co-herdeiros. Ele pode alienar a sua cota-parte, ou seja, a sua parte ideal naquele direito hereditário - art. 1.793, §2º;

b) O co-herdeiro, antes de ceder a sua cota hereditária a terceiro, deve notificar os demais co-herdeiros para que estes exerçam o direito de preferência ou prelação - art. 1.794. Em não havendo referida notificação, a consequência encontra-se prevista no art. 1.795: depositar o valor e haver para si a cota, no prazo de 180 dias;

c) O adquirente dos direitos hereditários não pode registrar referida cessão no cartório de registro de imóveis, pois a Lei de Registros Públicos, art 167, I, não prevê a hipótese, e esse dispositivo é taxativo;

d) Qualquer dos co-herdeiros pode mover ação petitória ou possessória em face de terceiro, visando a defesa de toda a herança.
  • Nos termos do CC, art. 80, II, o direito à sucessão aberta é considerado bem imóvel por disposição legal. Consequências:
  • A cessão dos direitos hereditários depende de escritura pública ou termo nos autos do inventário; 
  • Referida cessão depende de outorga conjugal, salvo no regime da separação obrigatória.

6) Delação Sucessória

É o período que medeia entre a abertura da sucessão e a aceitação ou a renúncia da herança.

6.1) Aceitação ou Adição da Herança

É o ato pelo qual o herdeiro confirma o seu desejo de receber a herança. De acordo com o art. 1.804, é com a aceitação que a transmissibilidade da herança torna-se definitiva, e retroage até o momento da abertura da sucessão. É ato unilateral, não receptício (não precisa informar ninguém), porém obrigatório. A aceitação pode ser:

a) Quanto à Forma
  • Expressa - art. 1.805, primeira parte: é aquela feita por escrito, público ou particular. Não se admite aceitação verbal;
  • Tácita - art. 1.805, segunda parte: ocorre quando o herdeiro pratica ato positivo revelador de seu desejo de aceitar a herança (ex.: ingresso no inventário, por meio de advogado, concordando com as primeira declarações);
  • Não exprimem aceitação de herança a prática dos atos previstos nos §§1º e 2º deste artigo (pagamento de despesas do funeral, etc.);
  • Presumida - art. 1.806: neste caso, o herdeiro permanece silente diante da notificação judicial que lhe fixa prazo para aceitar ou renunciar a herança. Aqui o silêncio importa em aceitação.

b) Quanto ao Sujeito
  • Direta: quando feita pelo próprio herdeiro;
  • Indireta: quando feita por quem não é o herdeiro, e se dá nas seguintes hipóteses:
  • Procurador com poderes especiais e expressos; 
  • Tutor ou curador, com autorização judicial, pode aceitar herança em favor de herdeiro absolutamente incapaz - art. 1.748, II;
  • Credor do herdeiro, com autorização judicial, pode aceitar herança recusada pelo devedor insolvente - art. 1.813. 
  • O credor pode, com autorização do Juiz aceitar legado recusado pelo legatário devedor insolvente? Duas são as posições: a primeira entende que não pode, por falta de previsão legal; a segunda entende que pode, fazendo-se uso da analogia, e ainda por entender que a expressão "herança" contida no art. 1.813 está em sentido amplo, abrangendo o legado (posição que prevalece).

c) Quanto à Responsabilidade dos Herdeiros pelo Pagamento das Dívidas da Herança
  • Pura e simples, ou ultra vires hereditates: significa que o herdeiro responde por todas as dívidas do morto, ainda que superiores ao quinhão herdado;
  • Aceitação sob benefício de inventário, ou intra vires hereditates: significa que o herdeiro responde pelas dívidas do morto até o limite do quinhão herdado - sistema adotado pela legislação brasileira, mas de forma relativa, conforme revela a 2ª parte do art. 1.792. Se o sujeito falecer deixando mais dívidas do que bens, o herdeiro previdente deve fazer inventário negativo, sob pena de responder na forma do primeiro sistema.

6.2) Renúncia da Herança

É o ato unilateral pelo qual o herdeiro abre mão de seus direitos hereditários. 

De acordo com o art. 1.806, a renúncia é ato solene, pois deve dar-se por meio de escritura pública ou termo nos autos do inventário (há entendimento jurisprudencial no sentido de que quando feita por meio de escritura pública, deve ser homologada judicialmente - jurisprudência esta que se acha mitigada). 

Ademais, a renúncia deve ser expressa, não se admitindo renúncia tácita ou presumida, salvo na hipótese do herdeiro testamentário ou do legatário nomeado mediante encargo, cujo não cumprimento presume a renúncia da herança.

O herdeiro pode renunciar, assim como o seu procurador revestido de poderes especiais e expressos. O herdeiro incapaz e o seu representante legal não podem renunciar, salvo se houver autorização judicial após oitiva do MP.

A renúncia pode ser:

a) Própria, ou Pura e Simples, ou Abdicativa: ocorre quando o herdeiro simplesmente abre mão dos seus direitos hereditários. Haverá somente a incidência do imposto causa mortis (ITCD), pois esta espécie não é considerada fato de transmissão da propriedade, tendo em vista que o herdeiro renunciante é como se nunca houvesse existido.

O CC é omisso quanto à necessidade de outorga do cônjuge do herdeiro renunciante, mas o tema é polêmico.
  • Em se tratando de renúncia própria ou pura e simples, qual o destino do quinhão do herdeiro renunciante?
  • Se se tratar de legítima, o quinhão do renunciante acrescerá aos demais herdeiros legítimos - art. 1.810. Os herdeiros do renunciante não herdam por representação, mas poderão herdar, por direito próprio, em duas hipóteses - art. 1.811:
  • Quando o renunciante for filho único; 
  • Quando todos da mesma classe renunciarem.
  • Se se tratar de testamentária, é necessário verificar se o testamento dispõe sobre a hipótese de renúncia: 
  • Se não houve especificação, o quinhão do renunciante acrescerá aos demais herdeiros testamentários ou aos legatários, salvo se o testador nomeou substituto; 
  • Se houve especificação, o quinhão do renunciante reverterá aos herdeiros legítimos do testador, salvo se ele nomeou substituto;

b) Imprópria, ou in favorem, ou Translativa: ocorre quando o herdeiro renuncia em favor de pessoa determinada. A rigor, não é renúncia, mas cessão gratuita de direitos hereditários, o que equivale à doação. Haverá a incidência do imposto causa mortis (ITCD) em razão da aceitação tácita, e também do imposto inter vivos (ITBI) em razão da cessão feita.

É necessária a autorização do cônjuge do herdeiro renunciante, salvo no regime da separação obrigatória de bens.
  • O herdeiro renunciante não pode, ao ceder seus direitos hereditários a pessoa determinada, ferir a legítima dos seus herdeiros necessários.

6.3) Disposições Comuns à Aceitação e à Renúncia

Conforme art. 1.808 e 1.812, aceitação e renúncia da herança não podem ser parciais, nem admitem termo, condição e retratação. No entanto, em duas situações admite-se aceitação ou renúncia parcial da herança:
  • Prelegado ou legado precípuo, sendo prelegatário o sujeito que na mesma sucessão reúne as qualidades de herdeiro e legatário - art. 1.808, §1º;
  • Neste segundo caso, o sujeito, na mesma sucessão, reúne as qualidades de herdeiro legítimo e herdeiro testamentário - art. 1.808, §2º.
Também não se admite aceitação e renúncia sob condição ou termo. No entanto, em havendo termo, este será tido como não escrito, mas a aceitação ou a renúncia feita é ato válido. Em havendo condição, invalida-se não apenas ela, mas também a aceitação ou a renúncia feita.

Ademais, aceitação e renúncia, quando validamente feitos, são irrevogáveis, ou seja, o sujeito não pode se desdizer, se retratar, se arrepender. Porém, se decorrentes de erro, dolo ou coação podem ser anuladas, caso em que são inválidas.
Observação ao art. 1.809, Parágrafo único - Os chamados à sucessão do herdeiro falecido antes da aceitação, desde que concordem em receber a segunda herança, poderão aceitar ou renunciar a primeira.
  • Falecendo o herdeiro antes de declarar se aceita a herança, o direito de aceitar ou renunciar passa-lhe aos herdeiros, desde que estes aceitem a segunda herança antes.