Do Processo de Execução - CPC, Livro II
1) Introdução
A execução pode ser compreendida como um conjunto de instrumentos previstos em lei que podem ser utilizados pela jurisdição a fim de se obter a satisfação de um direito.
Esses atos materiais destinados à realização em concreto de um direito podem ser organizados de diversas formas, dando origem às diversas modalidades de execução existentes. Podemos classificá-las de diversas maneiras, como:
2) Classificação das Execuções
2.1) Quanto à Autonomia do Procedimento
a) Processo Autônomo de Execução: é aquele por meio do qual se busca, em uma relação processual autônoma e específica para tanto, a realização ou a satisfação de um direito já definido em um título executivo extrajudicial (todos) ou judicial (alguns, como a sentença penal transitada em julgado; a sentença arbitral; a sentença estrangeira homologada pelo STJ - CPC, art. 475-N, Parágrafo único), eliminando-se, desta forma, uma crise jurídica de inadimplemento;
b) Fase de Cumprimento de Sentença: é a forma executiva que não depende de nova relação processual autônoma para ser realizada. Com a reforma da execução judicial (Lei nº 11.232/05) passamos a ter, em regra, a satisfação das obrigações reconhecidas ou constituídas por títulos judiciais, por meio de uma mera fase de execução no processo de conhecimento.
2.2) Quanto aos Meios Executórios
a) Execução por subrogação ou execução direta: a jurisdição substitui a vontade do executado e assim satisfaz diretamente o direito do exequente (ex.: penhora e expropriação de um bem);
b) Execução por coerção ou execução indireta: a jurisdição não substitui a vontade do executado, atuando apenas no sentido de convencê-lo a cumprir voluntariamente sua obrigação. Esse convencimento do devedor pode se dar por uma ameaça de piora da sua situação jurídica (ex.: multas e prisão por alimentos) ou por oferecimento de uma vantagem (ex.: desconto de 50% dos honorários da execução, no caso de pagamento no prazo de 3 dias - art. 652-A, Parágrafo único).
3) Princípios do Processo de Execução
3.1) Nulla Executio Sine Titulus - art. 586 e 618
Não pode haver execução sem um título que a embase, sendo que este é apenas aquele documento reconhecido como tal pela lei (nullus titulus sine lege).
3.2) Responsabilidade Patrimonial ou Patrimonialidade - art. 591
A execução é sempre real e não pessoal, tendo em vista que apenas os bens do executado poderão ser atingidos por ela (alguns mencionam como exceção a prisão por alimentos, cujo meio de coerção seria pessoal. Os que discordam insistem que o meio de coerção não se confunde com o atingimento à pessoa, já que a prisão por alimentos continua tendo por objetivo a prestação alimentícia, e não o castigo).
3.3) Desfecho Único ou Disponibilidade - art. 569
A execução tem um só objetivo, que é satisfazer o direito do credor. Diante disso, o credor tem total disponibilidade deste processo ou dessa fase do processo sincrético, podendo desistir quando quiser (diferentemente do processo de conhecimento que depende de concordância do réu para a desistência, dependendo da fase - art. 267, §4º);
- Se o devedor oferecer embargos à execução, poderá ou não haver a perda do interesse de agir, com a extinção da execução por desistência. A esse respeito, o CPC prevê que serão extintos os embargos que versarem apenas sobre questões processuais, pagando o exequente as custas e os honorários; nos demais casos, a extinção dependerá da concordância do embargante.
3.4) Utilidade - art. 659, §2º
A execução e seus meios devem ser aptos ao fornecimento de alguma utilidade ao credor. A execução não é um meio de vingança do credor contra o devedor. Portanto, não se admite penhora quando ficar evidente que o produto da sua expropriação será absorvido pelo pagamento das custas da execução. Nesse sentido, também não se pode fixar ou manter astreintes quando for materialmente impossível o cumprimento da obrigação.
3.4) Menor Onerosidade - art. 620
A execução deve provocar sacrifícios ao devedor apenas na estrita necessidade para a satisfação do direito do exequente. Se houver mais do que um meio de satisfazer o interesse do credor, o Juiz deve determinar que se utilize daquele menos gravoso ao devedor.
3.5) Lealdade e Boa-fé Processual
É o mesmo princípio aplicável aos processos em geral. São considerados atentatórios à dignidade da Justiça os atos do executado que:
- Frauda a execução;
- Se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos;
- Resiste injustificadamente às ordens judiciais;
- Não indica ao Juiz onde se encontram os bens sujeitos à execução;
- Intimado, não indica ao Juiz, em 5 dias, quais são e onde se localizam os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores;
Diante dessas condutas, o devedor incidirá em multa, em montante não superior a 20% do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções processuais ou materiais, multa essa que será revertida em proveito do credor, exigível na própria execução.
O Juiz poderá relevar a pena se o devedor se comprometer a não mais praticar qualquer dos atos acima vistos e, cumulativamente, apresentar um fiador idôneo, que responda pela dívida principal, juros, despesas e honorários.
3.6) Contraditório
Apesar de na execução se buscar apenas a satisfação, em concreto, do direito do credor, o Juiz resolve nela uma série de questões incidentais. Para isso, deve sempre ser observado o contraditório (ex.: na substituição da penhora, na avaliação dos bens, na decisão sobre o preço vil, etc.).
4) Partes na Execução
O sujeito que promove na execução é chamado de exequente ou credor, e a parte contrária de executado ou devedor.
4.1) Legitimidade Ativa
a) Podem ajuizar a execução:
- O credor que tiver o título executivo (legitimação ordinária);
- O MP, quando a lei autorizar - legitimação extraordinária (ex.: execução de sentença condenatória proferida em ação civil pública envolvendo direito difuso ou coletivo, mesmo se não tiver sido o autor daquela ação) - Lei nº 7.347/85, art. 3º e 15;
b) Também podem ajuizar a execução ou nela prosseguir as seguintes entidades:
- O espólio, os herdeiros ou sucessores do credor sempre que, por morte deste, lhes for transmitido o direito resultante do título executivo (a representação do espólio, em regra, é do inventariante, mas também pode ser feita por todos os herdeiros conjuntamente. Se o inventariante for dativo, a representação só pode ser feita em conjunto por todos os herdeiros - art. 12, §1º. Com a partilha concretizada, a legitimidade ativa passa ao herdeiro ou sucessor a quem foi transmitido o respectivo crédito);
- O cessionário (quem recebe em cessão), quando o direito resultante do título tiver sido a ele transferido por ato entre vivos;
- O sub-rogado, nos casos de sub-rogação legal - CC, art. 346 (ex.: fiador que paga a dívida do afiançado), ou de sub-rogação convencional - CC, art. 347 (ex.: credor recebe pagamento de um terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos);
- O sub-rogado não ingressa, necessariamente, na execução, ou seja, é facultativo; nesse caso, o credor originário permanece como exequente, mas agora no exercício de legitimidade extraordinária;
4.2) Legitimidade Passiva
a) Pode ser executado:
- Devedor: reconhecido como tal no título executivo, mesmo que não tenha participado da relação de direito material da qual se originou a obrigação (ex.: o emitente do título extrajudicial, mas também o avalista e seu endossante);
- Dificilmente o Ministério Público figurará como réu em uma ação, quanto mais em uma execução. Contudo, é possível que ocorra nas relações em que atue administrativamente, em que contraiu obrigações de sua exclusiva responsabilidade, como questões envolvendo sua sede física, etc. Aí, porém, poderá ser chamado devedor;
b) Também podem ser executados:
- O espólio, os herdeiros ou sucessores do devedor;
- Concretizada a partilha dos bens, a legitimação passiva fica apenas com o sujeito que ficou com aquele débito em seu quinhão. Caso isto não seja observado, cada herdeiro responderá na proporção exata do que lhe tocou na herança;
- Somente responderão pelas dívidas do de cujos os herdeiros e sucessores nos limites da herança (benefício do inventário - CC, art. 1.792);
- O novo devedor que assumiu, com o consentimento do credor, a obrigação resultante do título executivo (cessão de débito);
- Fiador judicial, isto é, aquele que presta fiança em processo judicial, que garante a reparação de um eventual dano decorrente de certa atividade processual (ex.: fiança para permitir o levantamento de valores em execução provisória - art. 475-O, III);
- Responsável tributário, assim definido em legislação própria (CTN, art. 121 a 138; Lei nº 6.830/80, art. 4º, V).
4.3) Responsabilidade Patrimonial
É o conjunto de regras que explica o princípio da patrimonialidade: diz quando e de que forma o patrimônio de alguém responde pela execução. A regra básica é a da responsabilidade patrimonial primária - art. 591, ou seja, o próprio devedor responde pela dívida com seus bens atuais (existentes no início do processo), futuros (adquiridos durante o processo) e passados (alienados em fraude).
Portanto, em regra, dívida e responsabilidade recaem sobre o devedor. Dívida é o dever de cumprir a obrigação, que é sempre do devedor. A responsabilidade patrimonial é a possibilidade de se atingir os bens de alguém, ocorrendo quando este responder com seus bens pelo pagamento. Nessa linha, existem hipóteses em que a lei atribui responsabilidade patrimonial a quem não tem dívida, ou seja, a quem não é devedor: a chamada responsabilidade patrimonial secundária - art. 592, I, II, IV e V.
Portanto, responsabilidade patrimonial secundária é a que recai sobre quem não é devedor, mas responde pelo pagamento ou execução forçada;
- Uma parte da doutrina entende que o responsável secundário não pode ser parte na execução, ainda que seus bens respondam pela satisfação da obrigação; entendem que seriam legitimados somente aqueles descritos no art. 568;
- Para outros, houve uma indevida separação desses responsáveis e dos legitimados do art. 568, aceitando serem parte, mas apenas a partir do momento em que houver indicação efetiva ou a constrição de seus bens. Prevalece esta última posição.
Hipóteses do art. 592:
- Tem responsabilidade secundária o sucessor singular quando se tratar de execução fundada em direito real ou obrigação reipersecutória;
- Sucessor singular é aquele que adquiriu a coisa litigiosa no curso do processo de conhecimento ou de execução, tenha ou não substituído a parte originária na demanda;
- A execução fundada em direito real é aquela que visa à realização de um dos direitos descritos no CC, art. 1.225;
- Obrigação reipersecutória é aquela pela qual o devedor se obriga a restituir a coisa ao proprietário;
- Nesses casos, a alienação da coisa é válida, mas os ônus reais e as obrigações reipersecutórias permanecem com a coisa, e mesmo sendo a execução movida contra o alienante, o bem do adquirente pode sofrer seus efeitos;
- Observe-se, porém, o texto da Súmula nº 308-STJ: A HIPOTECA FIRMADA ENTRE A CONSTRUTORA E O AGENTE FINANCEIRO, ANTERIOR OU POSTERIOR À CELEBRAÇÃO DA PROMESSA DE COMPRA E VENDA, NÃO TEM EFICÁCIA PERANTE OS ADQUIRENTES DO IMÓVEL;
- Tem responsabilidade secundária os sócios, nos termos da lei;
- Quando as regras de Direito Empresarial preveem responsabilidade solidária ou subsidiária dos sócios, conforme o tipo de sociedade;
- Quando, independentemente do tipo de sociedade, ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica;
- Cônjuge, nos casos em que seus bens próprios reservados ou de sua meação responderem pela dívida:
- Se a dívida tiver sido contraída diretamente pelos dois cônjuges, haverá responsabilidade primária de ambos;
- Presume-se que a dívida de uma pessoa casada foi revertida em benefício da família. O cônjuge inocente, nesses casos, somente não será responsabilizado se provar o contrário;
- Quando houver fraude à execução, o adquirente responde com o bem adquirido pela dívida do devedor alienante.
4.4) Fraudes do Devedor
Existem três espécies de fraude:
4.4.1) Fraude contra credores - CC, art. 158 a 165: esta fraude ocorre quando existe uma obrigação pendente, mas sem que haja um processo judicial em curso. O interesse principal defendido é particular, ou seja, do credor.
a) Requisitos:
- Obrigação pendente;
- Eventus damni: é o estado de insolvência do devedor, que foi provocado ou agravado pelo negócio (requisito objetivo);
- Consilium fraudis: é a intenção do devedor de gerar ou agravar sua insolvência com a ciência, ainda que apenas potencial, do adquirente. Essa potencialidade vem da notoriedade advém da notoriedade da insolvência (ex.: fato público na 'praça'), das relações próximas com o devedor (ex.: amigo, parente), ou das circunstâncias do negócio (ex.: baixo preço, forma, etc.);
b) Forma de arguição:
- A demonstração do consilium fraudis é dispensada nos negócios gratuitos, sendo ele presumido de maneira absoluta;
- Deve ser proposta a ação pauliana, que nada mais é do que a ação anulatória de negócio jurídico em razão de fraude contra credores. Também chamada ação revocatória;
- Não se pode discutir a fraude contra credores incidentalmente em outros processos;
c) Efeitos do reconhecimento:
- Para a maioria dos civilistas, e segundo a determinação do CC, o negócio jurídico será anulado, de forma que a sentença de procedência da ação pauliana desconstitui o negócio, fazendo com que o bem retorne ao patrimônio do devedor fraudador;
- Para a maioria dos processualistas e para alguns civilistas, o negócio jurídico será ineficaz apenas perante o credor.
4.4.2) Fraude à execução: já existe um processo judicial de qualquer natureza em andamento; não precisa ser de execução. O interesse protegido é o do credor, mas também público, pois afeta diretamente o resultado da atividade jurisdicional, na medida em que se tenta levar um processo já instaurado à inutilidade
a) Requisitos:
- Processo pendente: deve haver prova de que o devedor tinha conhecimento da existência de um processo contra ele;
- Eventus damni: a alienação do bem deve colocar o devedor em situação de insolvência diante das obrigações que lhes são cobradas nas ações pendentes;
Pelo CPC, o consilium fraudis não seria um requisito, pois a publicidade do processo já gera a ciência potencial para o devedor e para o terceiro adquirente. No entanto, o STJ, sendo benevolente com o adquirente de boa-fé, na prática exige a prova do consilium fraudis, conforme se observa da Súmula nº 375-STJ: O reconhecimento à fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. A prova da má-fé é feita pelo comportamento, pelos indícios, pelas circunstâncias do negócio
b) Forma de arguição:
- É alegada incidentalmente em execução por um pedido simples, seja por cota ou petição, e o Juiz também decide incidentalmente, respeitando o contraditório.
c) Efeito do reconhecimento:
- É a ineficácia do negócio fraudulento em relação à execução, permanecendo válido e eficaz perante terceiros.
4.4.3) Fraude por alienação de bem judicialmente constrito:
É uma espécie de fraude do devedor ainda mais grave do que as anteriormente vistas. Decorre de uma alienação ou oneração de um bem que já foi objeto de penhora, arresto, depósito ou qualquer outra espécie de constrição judicial. Com esta constrição, o bem passa a ficar vinculado a um determinado processo, razão pela qual o ato do devedor é acintoso à atividade jurisdicional.
a) Requisito:
- Basta a mera alienação ou oneração de um bem já judicialmente constrito;
O STJ também tem ressalvado o a hipótese de terceiro adquirente de boa-fé.
b) Forma de arguição e efeitos de reconhecimento:
- Idênticos à da fraude à execução.
4.5) Litisconsórcio na Execução
É possível, mas em regra é facultativo. Excepcionalmente, pode a lei determinar a necessidade de sua formação (ex.: CPC, art. 12, §1º).
Além disso, a natureza da relação jurídica pode determinar a necessidade da formação de um litisconsórcio na execução (ex.: execução de uma obrigação que deve ser cumprida obrigatoriamente por duas pessoas em conjunto, como um show de uma dupla sertaneja).