sexta-feira, 29 de agosto de 2014

14 - Organização do Estado - Introdução


1) Tipos de Federalismo

A primeira classificação do Federalismo compreende a seguinte divisão:

1.1) Federalismo por Agregação e por Segregação

a) Federalismo por agregação: é o modelo originário que marcou o surgimento das primeiras federações. É aquele que decorre da união de Estados soberanos, sendo que cada um deles renuncia à própria independência, formando um só Estado soberano com governos locais autônomos (ex.: EUA, Alemanha, Suíça, etc.);

b) Federalismo por segregação: neste caso, ocorre a evolução de um Estado unitário para Estado Federal;
  • É o caso do Brasil, que durante o Império no séc. XIX, era um Estado unitário descentralizado, que com a proclamação da República tornou-se um Estado Federal.

1.2) Federalismo Centrípeto, Centrífugo e de Equilíbrio

a) Federalismo centrípeto: é aquele em que há a predominância do Governo central, que recebe da Constituição a maior parte das competências estatais;
  • É o caso do Brasil que, muito embora tenha havido distribuição de competência com a Constituição de 1988, ainda está distante de um equilíbrio.
b) Federalismo centrífugo: é aquele que consagra um sistema de forte autonomia dos Estados-membros, que recebem da Constituição a maior parte das competências estatais;

c) Federalismo de equilíbrio: é o que consagra um sistema harmônico de forças e de repartição de competências entre Governo central e Governos estaduais.


1.3) Federalismo Dual e Cooperativo

a) Federalismo dual (ou dualista): surgiu com as primeiras Federações no final do séc. XVIII e séc. XIX, sendo marcado por um afastamento rigoroso entre Governo central e Governos estaduais, cada qual possuindo competências exclusivas;

b) Federalismo cooperativo (ou de cooperação): despontou no séc. XX e consolidou-se após as guerras mundiais. Decorreu da crise econômica daquele período, que impôs a atuação conjunta em certas situações do Governo central e dos Governos estaduais. Surgem as competências compartilhadas. 
  • A Constituição de 1988 revela aspectos de Federalismo Dual ao prever o sistema de competências exclusivas, como também aspectos de Federalismo de Cooperação ao prever competências comuns e concorrentes;
  • Alguns autores fazem referência a um Federalismo Cooperativo de grau máximo, denominado Federalismo de Integração, no qual ocorre verdadeira submissão dos Estados ao Governo central, representando um passo para o Estado unitário descentralizado - era o quadro brasileiro na Constituição de 1967.

1.4) Federalismo Simétrico e Assimétrico

A assimetria e a simetria dependem do tratamento constitucional conferido aos Estados, se isonômico ou não. Portanto, haverá assimetria ou simetria de acordo com o grau de uniformidade das relações entre os Estados-membros e o Governo central, entre os próprios Estados-membros e entre os Estados-membros e o modelo federativo adotado. Isto é verificado a partir dos seguintes critérios:
  • A existência ou não de unidade ou uniformidade de população, dimensão territorial e de riqueza dos Estados (neste ponto, o Brasil é assimétrico, diante das discrepâncias nos quesitos: há Estados mais populosos, maiores, mais ricos que outros);
  • A existência ou não de um mesmo grau de autonomia, poderes e competências dos Estados (no caso do Brasil, um aspecto simétrico, em que todos os Estados, independentemente de sua extensão ou riqueza, detêm o mesmo grau de autonomia e as mesmas competências); 
  • A existência ou não de mesmos poderes fiscais e fontes de recursos financeiros (com base nesse critério, há no Brasil um aspecto de simetria, pois os Estados detêm competência sobre os mesmos tributos, etc.); 
  • A existência ou não de mesma representação política perante o Governo central (no Brasil, o número de Senadores revela simetria, ao passo que na quantidade de Deputados Federais demonstram assimetria, justamente em razão do número de habitantes, reforçando o quesito I acima); 
  • A existência ou não de uma uniformidade no rol dos direitos fundamentais (aqui o Brasil é simétrico, inexistindo direitos fundamentais diferentes na CF/88 - e nada impede que as Constituições Estaduais prevejam mais outros direitos fundamentais); 
  • A existência ou não de mesmo peso na atuação dos Estados no processo de reforma da Constituição Federal (no Brasil, simetria no Senado e assimetria na Câmara);
  • A existência ou não de imposições promovidas pela Constituição Federal e direcionadas aos Estados para a elaboração das Constituições Estaduais - é a figura do Princípio da Simetria (o STF tem reconhecido a existência de princípios da CF/88 que devem estender-se a todos aos entes). 
A CF/88 prevê mecanismos de redução de assimetria, como a previsão no art. 43, das regiões, e no art. 151, I, de incentivos fiscais.


2) Características das Federações

2.1) Soberania

Apenas o Estado Nacional possui soberania, sendo que os entes da Federação possuem apenas autonomia. Portanto, a soberania não é da União Federal, e sim da República Federativa do Brasil. 

A União é um ente autônomo (e não soberano - art. 18), constituindo-se como pessoa jurídica de direito público interno, e a República Federativa do Brasil é que tem natureza de pessoa jurídica de direito internacional. A União apenas representa o Estado Nacional nas relações internacionais, mas com ele não se confunde.

A República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados, DF e municípios - art. 1º.


2.2) Federalismo Constitucional

É a Constituição que deve prever a forma Federativa de Estado, diferentemente do que ocorre com as confederações, que são previstas em tratados, pois constituem uniões de Estados soberanos.


2.3) Autonomia dos Entes

Nas Federações, deve existir, necessariamente, duas esferas autônomas de Governo: a Federal e a Estadual, cada qual com capacidade de autogoverno, ou seja, com capacidade de organização de seus próprios poderes públicos.
  • No Brasil, a Federação é marcada por três esferas autônomas.

2.4) Repartição de Competências

A Constituição deverá estabelecer a repartição de competências entre os entes da Federação.


2.5) Participação dos Estados no Processo Legislativo

Previsão de participação dos Estados-membros no processo de elaboração das leis editadas pela União, o que ocorre por meio do Senado.
  • No modelo brasileiro, o Senado atua no processo legislativo de todas as leis federais, entendendo-se aqui a expressão leis federais como um gênero, que se divide em:
  • Leis Federativas: leis da União para os entes que compõem a Federação, que se dividem em: 
  •  Leis intransitivas: leis da União para a própria União;
  •  Leis transitivas: leis da União para todos os entes da Federação;
  • Leis Nacionais: leis da União para a sociedade em geral (CC, CP, etc.).

2.6) Capacidade de Auto-Organização dos Estados

É o poder de elaboração das Constituições Estaduais.


2.7) Autonomia Administrativa dos Estados

É a capacidade de gestão de seus próprios serviços e negócios públicos. É preciso que os Estados tenham competências próprias.


2.8) Autonomia Política dos Estados

Os Estados devem ter  a capacidade de designação de seus próprios representantes e governantes.


2.9) Autonomia Financeira dos Estados

Os Estados devem ter fontes próprias de recursos, o que justifica a previsão de tributos exclusivos.


2.10) Iniciativa para Emendar a Constituição

Os Estados devem ter iniciativa para a apresentação de proposta de Emenda à Constituição.


2.11) Tribunal da Federação

A previsão de um Tribunal da Federação para julgar conflitos entre os Entes da Federação. No Brasil, este papel coube ao próprio STF (que também é a ultima instância recursal de processos judiciais que envolvam matéria constitucional, bem como tribunal constitucional para controle da constitucionalidade abstrato da legislação).


2.12) Indissolubilidade

Nas Federações, os Estados-membros não podem separar-se do conjunto, sob pena de intervenção federal. Não há o direito à secessão.


3) Sobre Municípios e Territórios

A CF/88 inovou ao considerar os municípios entes da Federação - art. 18. Por isso são chamados "entes da Federação de 3º grau". As críticas da doutrina a esta postura constitucional decorre, dentre outros fatores, do fato de que os municípios não preenchem algumas das características das Federações. Afinal, não têm iniciativa para proposta de Emenda à Constituição e não participa do processo legislativo Federal.

O próprio artigo 18, em seu §2º, prevê a possibilidade de criação de territórios federais. Os últimos territórios foram extintos pela CF/88 (Roraima e Amapá passaram a ser Estados, e Fernando de Noronha passou a fazer parte de Pernambuco - uma Autarquia Territorial, conforme a Constituição Pernambucana). A criação de novos territórios é possível por meio de Lei Complementar. Ainda que sejam criados, não serão considerados entes da Federação, pois não possuem autonomia. Territórios federais são meras descentralizações, divisões administrativas da União. Para os administrativistas, são autarquias de natureza territorial.

Quanto ao Poder Executivo nos territórios, será exercido por um governador nomeado pelo Presidente da República após aprovação do nome pelo Senado. 

Quanto à função legislativa, o próprio Congresso Nacional legisla para os territórios, e naqueles com mais de 100 mil habitantes, haverá um legislativo local denominado Câmara Territorial, cuja eleição e competências devem ser disciplinadas por lei. Para a doutrina, mesmo havendo Câmara Territorial, o Congresso Nacional ainda poderá legislar para os territórios: enquanto que o legislativo local tratará dos assuntos de interesse regional, o Congresso permaneceria com as questões de interesse geral dos territórios.

Além disso, nos territórios com mais de 100 mil habitantes, haverá um Judiciário próprio com primeira e segunda instâncias, um Ministério Público, e até Defensores Públicos Federais, tudo custeado e organizado pela União.

Nos territórios com menos de 100 mil habitantes, o Judiciário e o MP competentes, são os do DF.

Recentemente, em razão de Emenda à Constituição, houve uma desvinculação da Defensoria Pública do DF e dos Territórios. A Defensoria Pública do DF agora tem autonomia administrativa e financeira, mantida pelo DF (EC nº 69/12). Coube à União a organização da Defensoria Pública nos Territórios - CF/88, art. 21, XIII; art. 22, XVII.

Os territórios não têm autonomia financeira, e os tributos que seriam Estaduais são recolhidos pela União. 

Os territórios podem ser divididos internamente em municípios, que terão as mesmas características dos municípios dos Estados. Cada território elege quatro Deputados Federais, independentemente da quantidade populacional, e não elege Senadores.


4) Sobre o Distrito Federal

Já a natureza do DF é bem diversa. O DF é um ente autônomo da Federação, e surgiu para abrigar a sede da União Federal, mas recebeu da Constituição de 1988 autonomia, capacidade de autogoverno, para gerenciar a vida social local. 

O próprio DF elabora seu documento organizativo denominado Lei Orgânica do DF, que tem natureza híbrida. Afinal, como o DF não é e não pode ser dividido em municípios, os poderes públicos distritais exercem funções que seriam próprias dos Estados e dos municípios. Assim, a Lei Orgânica distrital trata, ao mesmo tempo, de matérias que seriam de competência estadual e de matérias que seriam de competência municipal. 

Apenas a parte que trata de matéria estadual tem status de norma constitucional, a qual pode ser questionada via ADI.

O Poder Executivo do DF é exercido por um governador eleito pelo povo, e que possui as mesmas prerrogativas e impedimentos dos governadores de Estado. O Executivo distrital é organizado e mantido pelo próprio DF. Como o DF não tem municípios, Brasília e as cidades satélites são definidas pela Lei Orgânica distrital como regiões administrativas, cujos administradores regionais são nomeados pelo Governador mediante aprovação do legislativo distrital.

O Legislativo distrital, que é mantido financeiramente e organizado pelo próprio DF, é representado pela Câmara Legislativa, composta pelos Deputados Distritais, cujas prerrogativas e impedimentos equivalem aos dos Deputados Estaduais, mas exercem as competências legislativas que seriam estaduais e as que seriam municipais.

A Defensoria Pública do DF passou a ser organizada e mantida financeira pelo próprio DF, possuindo, assim como a dos Estados, autonomia administrativa e financeira, como já dito.

Por outro lado, o Poder Judiciário, composto por Juízes de Direito e Tribunal de Justiça, o MP, a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar do DF, são organizados e mantidos financeiramente pela União Federal.

Sendo um ente autônomo, o DF tem também autonomia financeira. Arrecada os tributos que seriam estaduais e municipais. Mesmo assim, o art. 21, XIV, prevê que a União auxiliará financeiramente o DF na prestação dos serviços públicos distritais, em razão dos impactos de toda ordem decorrentes do fato de ser sede central da cúpula da administração do Estado brasileiro.

O DF elege 8 Deputados Federais e 3 Senadores.


5) Formação de Estados-Membros 

5.1) Mecanismos de Formação de Estados

O art. 18, §3º, trata da formação de Estados-membros. Este dispositivo prevê que os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se e desmembrar-se. 

a) Incorporação: a incorporação propriamente dita é o fenômeno pelo qual um ente (incorporado) é absorvido por outro ente (incorporador). O incorporado desaparece, perdendo sua personalidade jurídica, e o incorporador será juridicamente o mesmo, porém ampliado;
  • Porém, o art 18, §3º, faz referência a incorporação entre si, e a expressão "entre si" é incompatível com o significado de incorporação. A doutrina conclui que referido dispositivo utilizou a expressão "incorporação entre si" para designar a figura da fusão. Neste caso, dois ou mais entes se integram dando origem a um terceiro distinto dos entes originários, os quais desaparecem;
  • Assim, a doutrina também conclui que a Constituição, com base no art. 48, VI, admite também a incorporação propriamente dita de Estados.
b) Subdivisão: o Estado que se subdivide, desaparece totalmente. Seus fragmentos poderão ter destinos diversos: poderão se tornar novos Estados, poderão se anexar a outros ou se tornar territórios;

c) Desmembramento: no desmembramento, o Estado originário perde uma parcela de sua área territorial, mas continua existindo. Juridicamente é o mesmo, embora territorialmente menor.


5.2) Requisitos de Formação de Estados

a) Plebiscito para ouvir a população diretamente interessada: este plebiscito é convocado por meio de Decreto-Legislativo do Congresso Nacional, sendo organizado pela Justiça Eleitoral. A disciplina legal deste plebiscito consta da Lei nº 9.709/98. Embora a Constituição tenha utilizado o termo "população", é apenas o eleitorado diretamente interessado que participa do plebiscito (população é mais amplo que eleitorado; população abrange o eleitor e quem não é eleitor);
  • Se o resultado do plebiscito for desfavorável à formação do Estado, o procedimento para tanto encerra-se neste momento. Se o resultado for favorável, o procedimento terá sequência, mas não vincula o Congresso Nacional.
b) Manifestação das Assembleias Legislativas dos Estados envolvidos - art. 48, VI: esta manifestação também não vincula o Congresso Nacional;

c) Aprovação da formação do Estado mediante Lei-Complementar Federal.


6) Formação de Municípios - art. 18, §4º

Este dispositivo prevê a possibilidade de criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios. 

a) Incorporação: o município incorporador absorverá o município incorporado, o qual perderá sua personalidade jurídica;

b) Fusão: dois municípios se integram dando origem a um terceiro;

c) Criação: é o fenômeno pelo qual uma área municipal se emancipa surgindo um novo município, desde que preenchidos os requisitos de quantidade populacional, financeiros, entre outros;

d) Desmembramento: hipótese em que uma área municipal se destaca de um município para ser anexada a outro.
  • PLP nº 397/2014, originado do PLS nº 104/2014 - ambos vetados pela Presidência da República.

6.1) Requisitos

a) Plebiscito para ouvir as populações diretamente interessadas. Apesar do termo populações, é apenas o eleitorado local que participa do plebiscito, o qual é convocado pela Assembléia Legislativa e organizado pela Justiça Eleitoral, sendo também regido pela Lei nº 9.709/98;
  • Assim como o plebiscito para formação de Estados, o resultado favorável à formação de municípios apenas autoriza a sequência do procedimento.
b) Existência de Lei Complementar Federal para fixar o período em que será autorizada a formação de municípios. Este requisito foi introduzido na Constituição pela EC nº 15/96;

c) Estudos de viabilidade municipal, nos termos de Lei ordinária Federal;

d) Decisão, que cabe ao Estado-membro. Lei Estadual é que definirá a formação de município;
  • O STF entendeu que a EC nº 15/96 transformou o art. 18, §4º, em uma norma de eficácia limitada. Assim sendo, só seria possível a formação de municípios a partir da regulamentação dos requisitos criados por tal Emenda (letras b e c acima). Com base nesta posição, o STF chegou a declarar a inconstitucionalidade de várias leis estaduais editadas depois da Emenda, e que provocaram a formação de municípios;
  • Em 2007, o STF julgou uma ADI por omissão, fixando o prazo de 18 meses para que o Congresso regulamentasse o art. 18, §4º, bem como solucionasse as situações passadas. Ao mesmo tempo, julgou uma ADI que questionava Lei Estadual que havia criado um município, tendo declarado a inconstitucionalidade com efeito pro futuro de 24 meses;
  • O Congresso não regulamentou a referida norma constitucional, mas aprovou a EC nº 57/08 convalidando os municípios criados por leis estaduais promulgadas até dezembro de 2006. Sendo assim, persiste o cenário de inconstitucionalidade de leis estaduais que formaram municípios, e que foram editadas a partir de janeiro de 2007. A inconstitucionalidade se dá em razão da falta de Lei Complementar Federal que regule o procedimento que o Estado deve adotar.


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