sábado, 30 de agosto de 2014

09 - Direito Civil 2 - Obrigações - Contratos


1) Negócio Jurídico 

1.1) Negócio Jurídico Unilateral

É o que se forma com a manifestação de uma única vontade. Ele já existe com a manifestação de uma única vontade. Alguns negócios existem quando a pessoa manifestou-se, independentemente do acordo de vontades. Os negócios unilaterais podem ser:

a) Receptícios: formam-se com uma vontade, mas só produz efeitos se for comunicado à outra parte (ex.: resilição de contrato, como notificação para extinção de contrato de tempo indeterminado. Exige comunicação, mas não concordância);

b) Não receptício: produz efeitos com a manifestação da vontade, sem a necessidade de comunicar quem quer que seja (ex.: renúncia ou aceitação de herança).


1.2) Negócio Jurídico Bilateral

É o que se forma pelo acordo de vontades (ex.: contratos).

Todo contrato é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, isto é, mais de duas vontades (ex.: sociedade, consórcio). Pode-se falar em contratos unilaterais (uma classificação a ser vista adiante), mas não existe negócio jurídico unilateral, pela necessidade de acordo de vontades.

O contrato (negócio jurídico bilateral) forma-se com o acordo de vontades. O negócio jurídico receptício forma-se com uma vontade só, mas para produzir efeitos exige que a outra parte seja comunicada (não se exige que ela concorde).


2) Contrato

Negócio jurídico bilateral ou plurilateral (acordo de vontades) realizado com o fim de criar, modificar ou extinguir obrigações. 


2.1) Elementos do Contrato

a) Elemento estrutural, ou alteridade: é o acordo de vontades. Esse acordo deve recair sobre todas as cláusulas contratuais. Nenhum contratante pode impor cláusulas unilateralmente;

b) Elemento funcional: é a função do contrato. O contrato é um meio de atingir fins, isto é, de criar, modificar ou extinguir obrigações.
  • Pacto: é o contrato acessório, pacto adjeto (ex.: retrovenda, hipoteca, comissório). Na essência, não há distinção entre pacto e contrato, sendo ambos acordos de vontade;
  • Autocontrato: é o contrato consigo mesmo. Em regra não é possível. Excepcionalmente, a doutrina moderna apresenta a procuração em causa própria (mandato in rem suam) e procuração para contrato consigo mesmo. Em ambas, o mandante, isto é, o que outorga a procuração, autoriza expressamente o procurador a comprar o bem objeto da outorga. Sem esta autorização expressa, o procurador não pode adquirir o bem, sob pena do negócio ser anulável - CC, art. 117;
  • A procuração em causa própria é irrevogável, ainda que ambas as partes morram. Para lavrar esta procuração, paga-se ITBI (se a procuração for relativa a bem imóvel). Se a procuração preencher os requisitos da escritura pública de compra e venda (descrever a coisa e o preço), o procurador pode registar no registro de imóveis a própria procuração para transmitir o bem em seu nome, dispensando a lavratura de nova escritura pública de compra e venda - STF. Logo, a procuração em causa própria é um negócio definitivo capaz até de gerar a transmissão da propriedade;
  • A procuração para contrato consigo mesmo é revogável. Não se recolhe ITBI. Se o procurador optar por comprar o bem, será necessária uma escritura pública de compra e venda. Ambas, se versar sobre imóvel, exige escritura pública.
No caso de  procuração para o procurador vender o imóvel sem cláusula que o autorize a comprar, se o procurador comprar o bem, o negócio é anulável, salvo se o mandante compareceu, isto é, assinou a escritura de compra e venda, caso em que o STF editou a Súmula nº 165, pois o comparecimento do mandante ao ato implica revogação tácita da procuração.

Tutor ou curador não podem comprar bens do pupilo ou curatelado - art. 497. Os pais podem comprar bens dos filhos menores, desde que haja alvará judicial. Já o tutor ou curador, nem com alvará judicial - art. 1.749, I.

Os relativamente incapazes podem celebrar contrato com assistência do representante legal, exceto no caso de alienação de imóveis, em que não basta a assistência, sendo necessário alvará judicial - art. 1.691. A assistência é bastante na aquisição de imóveis. O mesmo se aplica ao absolutamente incapaz, que na alienação de imóveis depende da representação legal e do alvará judicial. Para outros contratos, basta a representação. 

Aquisição de bens no Brasil por estrangeiro: em caso de imóveis urbanos, o estrangeiro pode adquirir sem limites. Em caso de imóveis rurais, há limites, não podendo adquirir mais que 1/4 da superfície do município em que se situa o bem, salvo se tiver filho brasileiro ou for casado com brasileiro na comunhão universal de bens - Lei nº 5.709/71, art. 12;
  • Governo estrangeiro não pode adquirir imóveis no Brasil, salvo a sede da embaixada e a sede do consulado - LINDB, art. 11.

3.2) Cláusulas Contratuais

a) Cláusulas essenciais: são as que devem estar expressas, sob pena do negócio ser inexistente;
  • Na compra e venda, são as cláusulas que descrevem a coisa, o preço e o consentimento (acordo);
b) Cláusulas naturais: são aquelas que decorrem da própria natureza do negócio, estando implícitas, pois são as consequências normais do negócio. Estas cláusulas não precisam constar expressamente;
  • Na compra e venda, é a obrigação do vendedor entregar a coisa e o comprador pagar o preço;
c) Cláusulas acidentais: são as que visam modificar as cláusulas naturais, isto é, alterar as consequências normais do negócio. Dependem de menção expressa;
  • Na compra e venda, pode ser, por exemplo, o termo (alteração da data), o encargo (obrigação extra) e a condição.

4) Princípios Contratuais

4.1) Autonomia da Vontade

É a liberdade de contratar, se quiser, com quem quiser e como quiser. Abrange:

a) Liberdade de contratar: é a de contratar se quiser e com quem quiser. Esta liberdade é quase absoluta, possuindo poucas exceções (ex.: prestadores de serviços públicos como metrô, energia, são obrigados a licitar, não podendo escolher com quem vai contratar; igualmente, contratos do CDC, em que o fornecedor é obrigado a vender, sob pena de crime contra a economia popular - Lei nº 1.521/51);

b) Liberdade contratual: é o poder que as partes tem de fixar as cláusulas contratuais como quiser, inclusive dispondo de forma contrária às normas do CC, que são normas dispositivas, isto é, tutelam interesses privados; logo, podem ser afastadas pela vontade das partes;
  • O CC, em matéria de contratos, tem aplicação subsidiária, ou supletiva, pois só é aplicado naquilo que o contrato for omisso. Nas omissões do contrato, porém, aplica-se obrigatoriamente o CC;
  • A liberdade contratual é relativa, pois é limitada por três princípios:
  • Supremacia da ordem pública; 
  • Função social do contrato; 
  • Boa-fé objetiva.

4.2) Supremacia da Ordem Pública

É o que proíbe cláusulas contratuais que violam a ordem pública e os bons costumes. Assim, o contrato não podem ter cláusulas que ferem a moral, os bons costumes e as leis cogentes.
  • Lei cogente é a que visa tutelar interesse público. Não pode ser modificada pela vontade das partes (ex.: lei que proíbe anatocismo, juros sobre juros - art. 354 e Súmula nº 121-STF; proibição de cláusulas leoninas; que proíbem sócio de participar de lucros da sociedade - art. 1.008; proibição de pacto corvina ou sucessório, envolvendo herança de pessoa viva - art. 426);
  • Dirigismo contratual: é a intervenção do Estado no conteúdo dos contratos para manter o equilíbrio entre as partes e evitar o abuso do poder econômico. O dirigismo se dá de duas formas:
  • Através de leis cogentes, emanada da União - CF/88, art. 22, I - competência para legislar sobre direito civil; logo, eventual lei estadual sobre contratos é inconstitucional (ex.: lei estadual legislando sobre plano de saúde é inconstitucional); 
  • Revisão judicial: o Juiz, para aplicar a teoria da imprevisão, pode modificar as cláusulas contratuais. Igualmente, para aplicar os princípios da função social e boa-fé objetiva.

4.3) Função Social do Contrato

É a prevalência do interesse coletivo sobre os interesses individuais dos contratantes (ou mesmo de um contratante perante o outro). Fundamenta-se no principio constitucional da solidariedade social.
  • Eficácia externa ou extrínseca do princípio: o contrato deve respeitar interesses de terceiro e da coletividade (ex.: é nula a cláusula que viola o meio-ambiente; tutela externa do crédito; aliciamento de prestador de serviço que tinha contrato escrito com outra pessoa tem que indenizá-la - art. 608);
  • Eficácia interna ou intrínseca do princípio: o contrato deve respeitar o interesse dos próprios contratantes (ex.: é nula a cláusula que onera excessivamente uma das partes; que viola a dignidade da pessoa humana ou outros direitos fundamentais).
Não é do interesse da coletividade validar contratos que violem a dignidade da pessoa humana ou outros direitos fundamentais, tanto dos contratantes quanto de terceiros. O juiz, de ofício, deve decretar a nulidade de cláusulas que violem a função social. Trata-se de nulidade absoluta. 

Contratos celebrados antes do Código Civil também devem respeitar o princípio da função social (art. 2.035). Este princípio é norma de ordem pública; logo, tem aplicação imediata. Não se pode alegar direito adquirido perante nova norma de ordem pública. Portanto, este art. 2.035 é constitucional.


4.4) Boa-Fé Objetiva ou Concepção Ética

É obrigação dos contratantes cumprirem os deveres contratuais implícitos (deveres anexos), com base na confiança e lealdade contratuais. Assim, os deveres contratuais previstos expressamente no contrato são exemplificativos, pois há outros implícitos. Este princípio tem função preponderantemente integrativa, isto é, supre as lacunas do contrato. 

Secundariamente, este princípio tem função interpretativa, pois auxilia na interpretação dos contratos, buscando a intenção das partes.

Este princípio deve ser observado:
  • Na fase pré-contratual: o que se promete antes do contrato deve ser cumprido na celebração;
  • Na fase contratual;
  • Na fase de cumprimento do contrato;
  • Na fase pós-contratual: após a extinção do contrato, ainda podem permanecer deveres implícitos. Assim, a extinção do contrato não gera, necessariamente, a extinção de todos os deveres (ex.: após a extinção do contrato de compra e venda, o vendedor continua com a obrigação de fornecer documentos para auxiliar o comprador a registrar o bem).
Violação positiva é o nome que se dá à violação da boa-fé objetiva. Trata-se de abuso de direito; logo, quem viola a boa-fé objetiva tem responsabilidade objetiva, isto é, tem que indenizar independentemente de culpa.

O princípio da boa-fé objetiva inspirou a chamada Teoria dos Atos Próprios, que tem quatro aspectos:
  • Venire contra factum proprio: é a proibição de contrariar comportamento anterior (ex.: atriz dá entrevista a revista; logo, implicitamente, ela não pode processar a revista que publicou a entrevista);
  • Tu quoque: quem viola uma norma jurídica não pode exigir que a outra parte cumpra esta mesma norma (ex.: a parte que está em mora não pode alegar a mora da outra parte; logo, a mora de ambas as partes não gera a obrigação de indenizar para nenhuma das partes);
  • Supressio: é a perda de um direito pelo seu não exercício prolongado no tempo, uma renúncia presumida por não ter exercido o direito (ex.: devedor efetua pagamento reiteradamente em lugar diverso do previsto do contrato; logo, ele perde o direito de pagar no lugar anterior - art. 330);
  • Duty to mitigate the loss: o credor tem o dever de amenizar o próprio prejuízo, isto é, de evitar o agravamento do próprio prejuízo - Enunciado nº 169-CJF (ex.: o sujeito deve comunicar à seguradora qualquer fato que possa aumentar consideravelmente o risco, sob pena de perder o seguro - art. 769).
O não exercício prologando de um direito no tempo pode gerar quatro situações:

a) Prescrição: perda da pretensão, isto é, do poder de exigir judicialmente o direito, mas não perde o direito material (ex.: quem paga dívida prescrita não tem direito a restituição, salvo em matéria tributária);

b) Decadência: perda de um direito material;

c) Preclusão: perda de um direito processual;

d) Supressio: perda de um direito contratual.

  • Os prazos de prescrição, decadência e preclusão são fixados por lei. A decadência também pode ser fixada pelas partes. A supressio não tem prazo fixado em lei, nem pelas partes. Sendo uma questão de interpretação, pode ser declarada pelo Juiz, em razão do bom senso e da reiteração pelas partes.

4.5) Boa-Fé Subjetiva ou Psicológica

É a que manda presumir a boa intenção dos contratantes.

a) Função típica: auxiliar na interpretação dos contratos (ex.: prova-se que o contratante foi desleal na cláusula primeira: anula-se somente esta cláusula, não se presumindo a deslealdade para as demais cláusulas). Quem alega a má-fé tem o ônus da prova;
  • Exceção: CDC, art. 6º, VIII - o Juiz, no processo civil, pode inverter o ônus da prova para presumir, até prova em contrário, a má-fé do fornecedor em duas hipóteses:
  • Consumidor hipossuficiente: não apenas financeira, mas também intelectual, etc.; 
  • Alegação verossímil, aparentemente verdadeira, do consumidor.
Em regra, o ônus da prova é do consumidor, e a inversão do ônus da prova depende de decisão judicial, não sendo automática. Momento da inversão:
  • Primeira corrente: na decisão de saneamento do processo. Esta corrente preserva o princípio da ampla defesa, não trazendo surpresas ao processo;
  • Segunda corrente: na sentença. O fornecedor deve se preparar para ser surpreendido pelo Juiz.
O STJ vem decidindo (REsp 1.450.473) que o momento para a inversão é na fase do saneamento; caso seja invertido em outro momento, deve-se garantir oportunidade de opor provas. Mas a doutrina é dividida sobre este momento. Parece que essa visão do STJ respeita melhor o devido processo legal, evitando indefensável surpresas no processo.


b) Consensualismo: os contratos, em regra, se formam com o simples acordo de vontades. Antes do pagamento, da entrega, etc., o contrato já é obrigatório. No momento em que houve o acordo de vontades, nasce a obrigação de cumprir o contrato, independentemente do contrato ser escrito;
  • Contratos reais: são os que só se formam, isto é, só existem, com a entrega da coisa. Nesses contratos, o simples acordo de vontades é ato inexistente, não sendo suficiente para formação do contrato (ex.: mútuo, comodato, depósito, arras, penhor, doação verbal manual de coisa de pequeno valor);
  • Contratos solenes ou formais: são os que exigem forma escrita para serem válidos (ex.: seguro, fiança, etc.). Nesses contratos, se houver mero acordo de vontades sem assinatura, o contrato é nulo:
  • Primeira corrente (MHD): antes de assinar, é possível desistir, não cabendo ação para celebração de contrato; 
  • Segunda corrente (SSV): cabe ação para celebração de contrato, com base no CPC, 466-B, e também com base no princípio da obrigatoriedade dos contratos; 


4.6) Pacta Sunt Servanda (Obrigatoriedade dos Contratos)

O contrato deve ser fielmente cumprido pelas partes, pois é lei entre as partes. Assim, a parte não pode alterar unilateralmente as cláusulas contratuais (princípio da intangibilidade das cláusulas);
  • Exceções:
  • Caso fortuito ou força maior;
  • Teoria da imprevisão (rebus sic stantibus);
  • Princípio da função social e da boa-fé objetiva: com base nesses dois princípios, é possível a revisão judicial das cláusulas; 
  • CDC, art. 49 - o consumidor que compra fora do estabelecimento (telefone, internet, etc.) tem 7 dias para arrepender-se, a contar do recebimento do produto ou assinatura do contrato;

4.7) Relatividade dos Contratos

O contrato só vincula as partes, não criando direitos nem obrigações para terceiros. O contrato, porém, deve respeitar os interesses de terceiros (princípio da função social) (ex.: A assume perante seu vizinho B a obrigação de não erguer o muro. Se B vender o imóvel para C, A poderá erguer o muro).
  • O direito real é absoluto, isto é, vincula todas as pessoas do mundo (efeito erga omnes). Por isso, o rol de direitos reais é taxativo, conforme CC, art. 1.225 (ex.: o direito real de servidão de não erguer um muro é possível de ser feita, vinculando terceiros mesmo que o imóvel seja alienado); 
  • Exceções ao princípio: 
  • Estipulações em favor de terceiro - art. 436 (ex.: seguro para beneficiar terceiro); 
  • Morte do contratante, em que os herdeiros se vinculam até as forças da herança;
  • Promessa de fato de terceiro - art. 439; 
  • Contrato com pessoa a declarar - art. 467; 
  • Em caso de vício do produto ou serviço, o consumidor pode mover ação com quem ele não contratou - CDC, art. 12 (ex.: fabricante, montador, importador, etc.). Portanto, no CDC não vigora o princípio da relatividade (ex.: compra e venda entre dois particulares, se o bem apresentar defeito, a ação é contra o particular apenas, mas se a compra é feita em loja especializada de bem durável novo que apresente defeito, ação pode ser contra os diversos integrantes da cadeia produtiva).

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