sábado, 23 de agosto de 2014

01 - Direito Civil 3 - Sucessões - Introdução

1) Introdução

Direito das Sucessões é o conjunto de normas e princípios que regem a transferência da herança e do legado aos herdeiros e aos legatários em razão da morte de alguém. 

Duas são as espécies de sucessão no Brasil:

1.1) Sucessão Legítima ou Ab Intestato - CC, art. 1.788

Dá-se a legítima quando a herança é deferida aos herdeiros de acordo com a ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.829. A atual ordem de vocação hereditária (em termos simples) é a seguinte:
  • Descendentes em concorrência com o cônjuge (dependendo do regime de bens);
  • Ascendentes em concorrência com o cônjuge (independentemente do regime de bens);
  • Cônjuge sobrevivente;
  • Colaterais até o quarto grau.
As hipóteses de sucessão legítima encontram-se previstas no art. 1.788. De acordo com a segunda parte do dispositivo, vê-se que é perfeitamente possível a coexistência da legítima com a testamentária.


1.2) Sucessão Testamentária

Dá-se a testamentária quando a herança ou o legado são deferidos aos herdeiros testamentários (também chamados instituídos, indicados) e aos legatários, de acordo com o ato de disposição de última vontade. 

A liberdade do testador em testar pode ser absoluta (se não há herdeiros necessários) ou relativa (se há descendente, ascendente e/ou cônjuge). Sendo relativa, a legítima deve ser observada. Sendo absoluta, não há que se falar em legítima, sendo todo o patrimônio disponível.
  • Uma terceira forma de sucessão, denominada contratual ou pactícia (pacta corvina) não encontra previsão em nosso ordenamento jurídico, por força da proibição contida no art. 426;
  • Excepcionalmente, é possível se dar a partilha entre vivos, prevista no art. 2.018, que se trata de verdadeira sucessão antecipada, porém restrita aos bens presentes.

2) Abertura da Sucessão

A abertura da sucessão dá-se com a morte. De acordo com o art. 1.784 (que consagra o princípio droit de saisine), com a morte, a herança é transmitida imediatamente aos herdeiros legítimos e testamentários, ainda que estes herdeiros não tenham conhecimento da morte e independentemente de qualquer ato deles. A transmissibilidade abrange o domínio e a posse dos bens que compõem a herança.

Com relação ao legatário, a situação é diferente, pois se infungível a coisa legada, a propriedade será adquirida desde o momento de abertura da sucessão; se fungível, a adquire após a partilha. Em se tratando de posse, seja a coisa fungível ou infungível, a aquisição se dará após a partilha somente - art. 1.923.


3) Sucessões Universal e Singular

a) Sucessão universal: é a transferência da totalidade do acervo deixado pelo morto, ou de um percentual deste acervo. Aqui não há individualização de bens. Herdeiros legítimos e testamentários sucedem a título universal.

b) Sucessão singular: é a que recai sobre coisa certa e individualizada pelo testador, ou sobre um percentual dela. O legatário sucede sempre a título singular.


4) Capacidade para Suceder

De acordo com o art. 1.787, a capacidade para suceder é regulada pela Lei vigente ao tempo da abertura da sucessão. Ver também art. 2.041. 

Quanto à sucessão testamentária, a regra é a mesma, salvo se o herdeiro ou o legatário foi nomeado mediante condição, caso em que a capacidade será apurada pela lei vigente no momento do implemento da condição.


5) Indivisibilidade da Herança

De acordo com o art. 1.791 e seu parágrafo, a herança, até partilha, ainda que vários sejam os herdeiros, é um todo único, unitário e indivisível, e será regida pelas regras pertinentes ao condomínio. 

Referida indivisibilidade traz as seguintes consequências:

a) Antes da partilha, o herdeiro não pode alienar coisa certa e determinada, salvo se houver alvará judicial ou autorização dos demais co-herdeiros. Ele pode alienar a sua cota-parte, ou seja, a sua parte ideal naquele direito hereditário - art. 1.793, §2º;

b) O co-herdeiro, antes de ceder a sua cota hereditária a terceiro, deve notificar os demais co-herdeiros para que estes exerçam o direito de preferência ou prelação - art. 1.794. Em não havendo referida notificação, a consequência encontra-se prevista no art. 1.795: depositar o valor e haver para si a cota, no prazo de 180 dias;

c) O adquirente dos direitos hereditários não pode registrar referida cessão no cartório de registro de imóveis, pois a Lei de Registros Públicos, art 167, I, não prevê a hipótese, e esse dispositivo é taxativo;

d) Qualquer dos co-herdeiros pode mover ação petitória ou possessória em face de terceiro, visando a defesa de toda a herança.
  • Nos termos do CC, art. 80, II, o direito à sucessão aberta é considerado bem imóvel por disposição legal. Consequências:
  • A cessão dos direitos hereditários depende de escritura pública ou termo nos autos do inventário; 
  • Referida cessão depende de outorga conjugal, salvo no regime da separação obrigatória.

6) Delação Sucessória

É o período que medeia entre a abertura da sucessão e a aceitação ou a renúncia da herança.

6.1) Aceitação ou Adição da Herança

É o ato pelo qual o herdeiro confirma o seu desejo de receber a herança. De acordo com o art. 1.804, é com a aceitação que a transmissibilidade da herança torna-se definitiva, e retroage até o momento da abertura da sucessão. É ato unilateral, não receptício (não precisa informar ninguém), porém obrigatório. A aceitação pode ser:

a) Quanto à Forma
  • Expressa - art. 1.805, primeira parte: é aquela feita por escrito, público ou particular. Não se admite aceitação verbal;
  • Tácita - art. 1.805, segunda parte: ocorre quando o herdeiro pratica ato positivo revelador de seu desejo de aceitar a herança (ex.: ingresso no inventário, por meio de advogado, concordando com as primeira declarações);
  • Não exprimem aceitação de herança a prática dos atos previstos nos §§1º e 2º deste artigo (pagamento de despesas do funeral, etc.);
  • Presumida - art. 1.806: neste caso, o herdeiro permanece silente diante da notificação judicial que lhe fixa prazo para aceitar ou renunciar a herança. Aqui o silêncio importa em aceitação.

b) Quanto ao Sujeito
  • Direta: quando feita pelo próprio herdeiro;
  • Indireta: quando feita por quem não é o herdeiro, e se dá nas seguintes hipóteses:
  • Procurador com poderes especiais e expressos; 
  • Tutor ou curador, com autorização judicial, pode aceitar herança em favor de herdeiro absolutamente incapaz - art. 1.748, II;
  • Credor do herdeiro, com autorização judicial, pode aceitar herança recusada pelo devedor insolvente - art. 1.813. 
  • O credor pode, com autorização do Juiz aceitar legado recusado pelo legatário devedor insolvente? Duas são as posições: a primeira entende que não pode, por falta de previsão legal; a segunda entende que pode, fazendo-se uso da analogia, e ainda por entender que a expressão "herança" contida no art. 1.813 está em sentido amplo, abrangendo o legado (posição que prevalece).

c) Quanto à Responsabilidade dos Herdeiros pelo Pagamento das Dívidas da Herança
  • Pura e simples, ou ultra vires hereditates: significa que o herdeiro responde por todas as dívidas do morto, ainda que superiores ao quinhão herdado;
  • Aceitação sob benefício de inventário, ou intra vires hereditates: significa que o herdeiro responde pelas dívidas do morto até o limite do quinhão herdado - sistema adotado pela legislação brasileira, mas de forma relativa, conforme revela a 2ª parte do art. 1.792. Se o sujeito falecer deixando mais dívidas do que bens, o herdeiro previdente deve fazer inventário negativo, sob pena de responder na forma do primeiro sistema.

6.2) Renúncia da Herança

É o ato unilateral pelo qual o herdeiro abre mão de seus direitos hereditários. 

De acordo com o art. 1.806, a renúncia é ato solene, pois deve dar-se por meio de escritura pública ou termo nos autos do inventário (há entendimento jurisprudencial no sentido de que quando feita por meio de escritura pública, deve ser homologada judicialmente - jurisprudência esta que se acha mitigada). 

Ademais, a renúncia deve ser expressa, não se admitindo renúncia tácita ou presumida, salvo na hipótese do herdeiro testamentário ou do legatário nomeado mediante encargo, cujo não cumprimento presume a renúncia da herança.

O herdeiro pode renunciar, assim como o seu procurador revestido de poderes especiais e expressos. O herdeiro incapaz e o seu representante legal não podem renunciar, salvo se houver autorização judicial após oitiva do MP.

A renúncia pode ser:

a) Própria, ou Pura e Simples, ou Abdicativa: ocorre quando o herdeiro simplesmente abre mão dos seus direitos hereditários. Haverá somente a incidência do imposto causa mortis (ITCD), pois esta espécie não é considerada fato de transmissão da propriedade, tendo em vista que o herdeiro renunciante é como se nunca houvesse existido.

O CC é omisso quanto à necessidade de outorga do cônjuge do herdeiro renunciante, mas o tema é polêmico.
  • Em se tratando de renúncia própria ou pura e simples, qual o destino do quinhão do herdeiro renunciante?
  • Se se tratar de legítima, o quinhão do renunciante acrescerá aos demais herdeiros legítimos - art. 1.810. Os herdeiros do renunciante não herdam por representação, mas poderão herdar, por direito próprio, em duas hipóteses - art. 1.811:
  • Quando o renunciante for filho único; 
  • Quando todos da mesma classe renunciarem.
  • Se se tratar de testamentária, é necessário verificar se o testamento dispõe sobre a hipótese de renúncia: 
  • Se não houve especificação, o quinhão do renunciante acrescerá aos demais herdeiros testamentários ou aos legatários, salvo se o testador nomeou substituto; 
  • Se houve especificação, o quinhão do renunciante reverterá aos herdeiros legítimos do testador, salvo se ele nomeou substituto;

b) Imprópria, ou in favorem, ou Translativa: ocorre quando o herdeiro renuncia em favor de pessoa determinada. A rigor, não é renúncia, mas cessão gratuita de direitos hereditários, o que equivale à doação. Haverá a incidência do imposto causa mortis (ITCD) em razão da aceitação tácita, e também do imposto inter vivos (ITBI) em razão da cessão feita.

É necessária a autorização do cônjuge do herdeiro renunciante, salvo no regime da separação obrigatória de bens.
  • O herdeiro renunciante não pode, ao ceder seus direitos hereditários a pessoa determinada, ferir a legítima dos seus herdeiros necessários.

6.3) Disposições Comuns à Aceitação e à Renúncia

Conforme art. 1.808 e 1.812, aceitação e renúncia da herança não podem ser parciais, nem admitem termo, condição e retratação. No entanto, em duas situações admite-se aceitação ou renúncia parcial da herança:
  • Prelegado ou legado precípuo, sendo prelegatário o sujeito que na mesma sucessão reúne as qualidades de herdeiro e legatário - art. 1.808, §1º;
  • Neste segundo caso, o sujeito, na mesma sucessão, reúne as qualidades de herdeiro legítimo e herdeiro testamentário - art. 1.808, §2º.
Também não se admite aceitação e renúncia sob condição ou termo. No entanto, em havendo termo, este será tido como não escrito, mas a aceitação ou a renúncia feita é ato válido. Em havendo condição, invalida-se não apenas ela, mas também a aceitação ou a renúncia feita.

Ademais, aceitação e renúncia, quando validamente feitos, são irrevogáveis, ou seja, o sujeito não pode se desdizer, se retratar, se arrepender. Porém, se decorrentes de erro, dolo ou coação podem ser anuladas, caso em que são inválidas.
Observação ao art. 1.809, Parágrafo único - Os chamados à sucessão do herdeiro falecido antes da aceitação, desde que concordem em receber a segunda herança, poderão aceitar ou renunciar a primeira.
  • Falecendo o herdeiro antes de declarar se aceita a herança, o direito de aceitar ou renunciar passa-lhe aos herdeiros, desde que estes aceitem a segunda herança antes. 


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