quinta-feira, 2 de julho de 2015

14 - Repartição das Receitas Tributárias


Repartição das Receitas Tributárias

1) Introdução

Em razão da forma federativa adotada no Brasil, para se garantir o exercício das competências que a Constituição distribuiu aos Estados e aos municípios, indispensável que os mesmos contem com recursos materiais. Tal autonomia financeira viabiliza a efetivação dos poderes de auto-organização, normatização, autogoverno e auto administração.

Para tanto, isto é, para que o Ente federado possa realmente exercer suas competências autônomas, necessário que tenha rendas. Tais rendas, segundo previsto na CF/88, decorrem de receitas tributárias próprias e participação nas receitas tributárias de terceiros:
  • Receitas tributárias próprias: também chamada discriminação por fonte, isto é, cada Ente da Federação tem sua fonte de receitas em razão dos tributos que a Constituição lhes atribuiu, assim dividido:
  • São fontes de renda da União os seguintes impostos: II, IE, IR, IPI, IOF, ITR e IGF; 
  • São fontes de renda dos Estados e do DF os seguintes impostos: IPVA, ICMS e ITDC; 
  • São fontes de renda dos municípios e do DF os seguintes impostos: ITBI, IPTU e ISS. 
  • Participação na receita tributária de terceiros: também chamada discriminação por produto, isto é, parte do produto da arrecadação de Entes da Federação será distribuída a Entes menores.
Esta participação na receita tributária de terceiros, em geral, é matéria de direito financeiro, posto que pressupõe que já ocorreu a arrecadação das rendas discriminadas por fonte, e o recurso já se encontra disponível no Erário.

A repartição das receitas tributárias definida na CF/88 é, assim, o objeto de estudo dessa participação que certos Entes da Federação terá na receita de outros Entes.

Em conformidade com o texto constitucional, somente podiam ser repartidas as espécies tributárias do tipo impostos. A partir da Emenda nº 42/03, passou a existir a possibilidade de repartição de apenas uma contribuição, a saber, a CIDE-combustíveis. Isto significa que as demais contribuições especiais, bem como as taxas, as contribuições de melhoria e os empréstimos compulsórios não podem ter seu produto distribuído.

Contudo, nem todos os impostos podem ser repartidos:
  • Os impostos municipais não podem ser repartidos, pois não existe previsão para que um Ente menor destine recursos a Ente maior;
  • Os impostos do DF não podem ser repartidos, pois é proibido o DF se dividir em municípios;
  • Os impostos do Estado e do DF não podem ser destinados a outro Estado, tampouco a município de outro Estado;
  • Os Estados e DF não repartem ITCD;
  • A União não reparte II, IE, IGF ou impostos extraordinários de guerra.
Estes contornos constitucionais, naturalmente, não impede que haja entre os Entes transferências legalmente previstas, a exemplo de doações (como as transferências voluntárias, estudadas no item 3.5 do tema "Atividade Financeira do Estado"), diante da autonomia que cada um tem sobre suas receitas. 


2) Espécies de Repartição

A repartição das receitas tributárias pode se dar de forma direta ou indireta.


2.1) Repartição Direta

Ocorre quando o Ente da Federação beneficiado recebe a receita diretamente, sem qualquer intermediário ou sem que tal receita faça parte de qualquer fundo constitucional.
  • A repartição direta se verifica na CF/88, arts. 153, §5º; 157 e 158;
  • É o que ocorre, por exemplo, quando o município participa de metade da arrecadação do IPVA (imposto Estadual) cobrado dos proprietários de veículos licenciado naquele município.

2.2) Repartição Indireta

Decorre da participação que Estados, DF e municípios têm direito, cuja receita foi recolhida a um fundo de participação ou de compensação.
  • A repartição indireta se verifica na CF/88:
  • Fundos de participação: art. 159, I, a, b e c;
  • Fundos de compensação: art. 159, II.
  • É o que ocorre, por exemplo, quando os Estados e DF participam de 10% da arrecadação do IPI,  na proporção do valor das respectivas exportações de produtos industrializados.

3) Repartições Diretas em Espécie

3.1) IOF-Ouro - art. 153, §5º
  • Competência: União;
  • Destinatários: Estados, DF e municípios;
  • Montantes:
  • 100% da arrecadação será repartida, sendo que; 
  • 30% pertence aos Estados de origem da operação; 
  • 70% pertence aos municípios, conforme a origem; 
  • 100% pertence ao DF. 
Portanto, se uma operação com ouro, na condição de ativo financeiro, for realizada em Goiânia, o município ficará com 70% do que foi arrecadado, e Goiás ficará com 30%.


3.2) IR-Fonte Servidores Públicos - art. 157, I; art. 158, I
  • Competência: União;
  • Destinatários: Estados, DF e municípios;
  • Montantes: 100% do que for retido do servidor ficará com o Ente que realizou a retenção, a saber, o Ente empregador.
A regra também se aplica aos servidores de autarquias e fundações públicas. Quando a autarquia estadual remunera seu servidor, tem o dever de reter o IR, montante do qual se apropriará com base constitucional.

Tendo destinação a Estado ou a município, o servidor que quiser discutir tal tributação deverá fazê-lo perante a Justiça Comum - Súmula nº 447-STJ, o que não ocorre se o questionamento se der com base na declaração de ajuste anual.


3.3) Imposto Residual - art. 157, II
  • Competência: União;
  • Destinatários: Estados e DF;
  • Montante: 20%.
Este tributo é o previsto no art. 154, I, que poderá ser instituído mediante lei complementar, devendo ser não-cumulativo e não ter fato gerador ou base de cálculo já contemplados na Constituição.

Até o presente momento, a União não exerceu tal competência.


3.4) ITR - art. 158, II
  • Competência: União;
  • Destinatários: DF e municípios;
  • Montante:
  • 50% do imposto, caso seja arrecadado pela União; 
  • 100% do imposto, caso seja arrecadado pelo DF ou município, relativamente à propriedade rural localizada em seu território.  Tal participação se dará quando o DF ou município celebrar com a União convênio que viabilizar a delegação da competência para fiscalizar, lançar e arrecadar o ITR, previsto no art. 153, VI. 
Essa delegação de competência tributária relativamente ao ITR foi inserida na Constituição pela Emenda nº 42/03, e está regulada pela Lei nº 11.250/05.


3.5) IPVA - art. 158, III
  • Competência: Estados e DF;
  • Destinatários: municípios;
  • Montante: 50% do imposto que for arrecadado será destinado ao município onde o veículo se encontra licenciado.

3.6) ICMS - art. 158, IV
  • Competência: Estados e DF;
  • Destinatários: municípios;
  • Montante: 25% do produto da arrecadação, distribuído da seguinte forma:
  • 3/4 desse montante (no mínimo) será destinado ao município onde ocorreu a adição do valor à operação (ou seja, onde ocorreu a saída da mercadoria); 
  • 1/4 desse montante (no máximo) de acordo com o que dispuser lei estadual. Esse montante pode, inclusive, seguir a regra do local onde se verificou o IVA. Não se admite que algum município onde ocorreu o IVA fique fora de tal repartição, como já aconteceu em que algumas leis estaduais pretendiam excluir a capital dessa participação para compensar desigualdades regionais no interior.
Se a operação não foi realizada com base em IVA (ex.: ICMS no Simples Nacional), será aplicado o montante de 32%  da receita bruta com o imposto, distribuído conforme o município onde ocorreu a operação.

Sobre o tema, veja COÍNDICE e IPM.


3.7) CIDE-Combustíveis - art. 159, III, §4º
  • Competência: União;
  • Destinatários: Estados, DF e municípios;
  • Montante: 29% dividido entre Estados e DF. Do montante, os Estados deverão destinar 25% aos municípios, para investimento em infra-estrutura de transporte.
A CIDE-Combustíveis, muito embora tenha sua arrecadação vinculada (destinados ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool, gás natural e derivados e petróleo e derivados, ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria de petróleo ou gás, e financiamento da infra-estrutura de transportes) tem seu produto da arrecadação repartido.

Os critérios estão previstos na Lei nº 10.336/01.



4) Repartições Indiretas em Espécie

A CF/88 prevê situações em que o montante arrecadado a ser repartido integrará primeiramente um fundo, ao invés de ser repassado diretamente ao participante.


4.1) IR e IPI - art. 159, I
  • Competência: União;
  • Destinatários: Estados, DF e municípios;
  • Montante: 49% do produto da arrecadação (excluído o montante estudados no ponto 3.2 acima, ou seja, o IR dos servidores federais não entra no bolo), distribuídos da seguinte forma:
  • 21,5% destinados ao FPE - Fundo de Participação dos Estados, dos quais: 
  •  85% destinados ao N, NE e CO; 
  • 15% destinados ao S e SE 
  • 22,5% destinados ao FPM - Fundo de Participação dos municípios; 
  • 3% destinados ao FNO, FNE e FCO (Fundos do Norte, Nordeste e Centro-Oeste); 
  •  Do montante destinado ao FNE, metade vai para a região do semiárido.
  • 1% destinado também ao FPM, entregue nos primeiros 10 dias de dezembro - Emenda nº 55/10. Esta destinação visou amortecer os impactos que os municípios têm no pagamento do 13º salário aos seus servidores; 
  • 1% destinado ainda ao FPM, que será entregue no primeiros 10 dias de julho - Emenda nº 84/14. Esta destinação, cuja metade entrou em vigor em julho de 2015 e a outra entrará em julho de 2016, visa repor as perdas que os municípios sofrerão com as desonerações aprovadas pelo governo Dilma.

A distribuição é feita conforme previsto na Lei Complementar nº 62/89. Cabe ao TCU calcular os montantes - CF/88, art. 161, Parágrafo único. O TCU apenas calcula, pois os percentuais são os de lei.


4.2) IPI de Produtos Exportados - art. 159, II
  • Competência: União;
  • Destinatários: Estados, DF e municípios;
  • Montante: 10% do produto da arrecadação destinada aos Estados e DF, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados, dos quais 25% serão distribuídos aos municípios.
A CF/88 adota uma política tributária em que não se permite a exportação de tributos. O IE, por exemplo, não tem função de arrecadação, mas extrafiscal (como de incentivar comportamentos). Assim, na saída de mercadorias incide ICMS, mas nas exportações, para evitar a exportação do imposto, existe uma imunidade tributária, repercutindo em perdas para o Estado.

Portanto, para minimizar os impactos dessas perdas, foi previsto um fundo, composto por 10% da arrecadação do IPI.

Os municípios também sofre tais perdas, já que 25% do ICMS arrecadado pertence à cidade onde foi realizada a saída da mercadoria. Assim, do montante de 10% do IPI, o Estado deve destinar 25% aos municípios.

Nenhum Estado pode receber mais que 20% desse montante a repartir.


5) Garantias de Repasse

As regras de repartição das receitas tributárias tem como finalidade a garantia da autonomia financeira dos Entes da Federação, sendo um dos sustentáculos do Pacto Federativo.

Por isso, o art. 160 da CF/88 prevê que é vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos aos Estados, ao DF e aos municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos.

Entretanto, o parágrafo único do dispositivo, com redação pela Emenda nº 29/00, dispõe que a vedação prevista não impede a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos:
  • Ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias;
  • Ao cumprimento dos percentuais mínimos de aplicação de recursos em ações e serviços públicos de saúde.
Veja-se, assim, que é proibido, por exemplo, condicionar os repasses quando não houver aplicação dos percentuais mínimos com educação. Esta falta do município, na verdade, autoriza a intervenção do Estado - art. 35, III (é uma pegadinha frequente em provas). 

A falta do repasse das receitas tributárias na forma aqui estudadas autorizam a intervenção da União no Estado - art. 34, V, b. Essa não é uma causa de intervenção nos municípios, já que estes não repartem suas receitas. 




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