domingo, 10 de maio de 2015

03 - Usucapião


Da Usucapião

1) Conceito

É o modo originário de aquisição da propriedade e de certos direitos reais (usufruto, uso, habitação, servidão, superfície) pela posse da coisa prolongada no tempo.

É originário, pois adquire-se a propriedade e os direitos reais pelo decurso do tempo, independentemente de qualquer relação jurídica com o proprietário anterior (que caracterizaria a aquisição derivada). Em razão disso:
  • Não há incidência de ITBI quando se registra a sentença de usucapião (não há transferência, fato gerador do tributo);
  • Os direitos reais que oneravam o bem (ex.: hipoteca) são extintos.
  • Nos concursos para a Procuradoria, ficar atento para o fato de que alguns doutrinadores sustentarem que a usucapião é modo derivado de aquisição, pois a Fazenda quer arrecadar o imposto;
  • Uma corrente minoritária sustenta que a hipoteca não é extinta, pois como ela é registrada no cartório de registro de imóveis, o usucapiente tem conhecimento de sua existência.
Aplica-se a usucapião às causas de impedimento, suspensão e interrupção da prescrição. Aliás, a usucapião é denominada prescrição aquisitiva, pois adquire-se o direito pelo decurso do tempo.

Em regra, todos os bens podem ser objeto de usucapião, salvo os bens públicos. As terras devolutas são bens públicos, razão pela qual não podem ser usucapidas.

O bem gravado com a cláusula de inalienabilidade pode ser usucapido? Duas são as posições:
  • A primeira diz que não, pois a inalienabilidade acarreta automaticamente na imprescritibilidade do bem;
  • O STJ admite a usucapião, pois a inalienabilidade não é uma característica da coisa, mas sim uma proibição ditada ao proprietário. Ora, se a usucapião é modo originário de aquisição da propriedade, a questão de ser o bem alienável ou não é irrelevante.

2) Requisitos Gerais

A usucapião, em todas as suas espécies, exige os seguintes requisitos:

a) Posse justa: é aquela que não é violenta, nem clandestina, nem precária;

b) Posse ad usucapionem: é aquela exercida com ânimo de dono;

c) Tempo de posse: varia de acordo com a espécie de usucapião;

d) Posse contínua: a continuidade é fática. O sujeito perdeu a posse, mas a recuperou dentro de ano e dia, razão pela qual pode somar ao seu tempo o tempo de posse do usurpador. No entanto, se demorou mais de ano e dia para recuperar a posse, operou-se a descontinuidade, perdendo todo o tempo anterior, devendo a contagem iniciar-se de novo;

e) Posse ininterrupta: a interrupção é civil, e não fática. A usucapião se interrompe basicamente pela mesma forma como se interrompe a prescrição: citação e notificação judicial;

f) Posse mansa e pacífica: é a ausência de litígio judicial com o proprietário do bem durante todo o tempo da usucapião. O litígio judicial com terceiros não impede a usucapião, até porque entendimento diverso premiaria a inércia do proprietário.


3) Da Sentença de Usucapião

Prevalece o entendimento de que a sentença de usucapião é meramente declaratória, pois não é a sentença que transmite a propriedade, mas sim o decurso do tempo. Tanto isso é real que o CC, quando trata dos meios de aquisição da propriedade imóvel são o registro, o direito sucessório e a usucapião. Portanto, separa a usucapião do registro da sentença. O registro da sentença declaratória de usucapião é necessário para se cumprir os princípios notariais da continuidade, da publicidade, através do qual se verifica a cadeia dominial, etc.

Consequências de ser a sentença de usucapião meramente declaratória:
  • A usucapião pode ser alegada em matéria de defesa, antes mesmo de se ajuizar ação de usucapião;
  • Não há incidência do ITBI;
  • Se após completar o prazo da usucapião a pessoa vier a perder a posse, ela pode requerer a usucapião, pois ela já adquiriu a propriedade.
Questão: o proprietário ingressa com ação reivindicatória do bem. O réu, na contestação, pode se defender alegando a usucapião. Porém, se o réu não alegar a usucapião na contestação, ele pode fazê-lo depois? Duas são as posições:


  • Uma diz que não, pois houve preclusão, restaurando-se o direito do proprietário;
  • Outra diz que sim, pode ser alegada a qualquer tempo, pois é matéria de ordem pública, aplicando-se por analogia as regras da prescrição. Só não poderá ser alegada em recurso especial e recurso extraordinário se a matéria não foi prequestionada.

4) Das Espécies de Usucapião 

4.1) Usucapião Extraordinária - CC, art. 1.238

Exige posse justa durante 15 anos se o bem for imóvel e 5 em se tratando de bem móvel. 
  • De acordo com o parágrafo único desse dispositivo o prazo da usucapião de imóvel, reduz para 10 anos se o usucapiente nele estabelecer a sua moradia habitual ou então se nele realizar obras ou serviços produtivos. 


4.2) Usucapião Ordinária - art. 1.242

Exige justo título e boa-fé e em se tratando de bem imóvel o prazo é de 10 anos, pouco importa se entre ausentes ou presentes; se móvel, o prazo é de 3 anos. 
  • Conforme parágrafo único desse dispositivo, se o título chegou a ser registrado no cartório do registro de imóveis e depois esse registro foi cancelado, o prazo da usucapião passa a ser de 5 anos, desde que além da alienação ter sido onerosa, o usucapiente estabeleça no imóvel a sua moradia ou então nele realize investimentos de interesse social e econômico. 

4.3) Usucapião Urbana ou para Moradia - CF/88, art. 183. Estatuto da Cidade, art. 9º. CC, art. 1.240

Não há qualquer conflito entre esses dispositivos, pois todos eles referem-se ao mesmo instituto. Porém o artigo 9º do Estatuto da Cidade é mais amplo, pois menciona além de área urbana, edificação urbana. 
  • Ocorre para imóvel urbano de ate 250 m2;
  • O prazo é de 5 anos e não exige justo título nem boa-fé;
  • Só pode ser requerido por quem não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. A pessoa só pode ser beneficiada uma única vez com esta espécie e deve fazer do imóvel a sua moradia ou de sua família. 
Na usucapião urbana é possível a soma das posses? 
  • Em regra não, pois a moradia é requisito de caráter pessoal;
  • Porém, pelo Estatuto da Cidade pode, no caso de herdeiro legítimo que continua com a posse do morto. Esse herdeiro, no entanto, somente poderá somar o tempo de posse, se ao tempo da abertura da sucessão já morava com o morto - Estatuto, art. 9º, §3º;
  • A questão é polêmica pois há entendimentos no sentido de que pode sendo herdeiro, legítimo ou testamentário, morando ou não com o morto quando da abertura da sucessão com força do artigo 1.20611 do CC). 
O artigo 14 do Estatuto prevê para esta espécie o rito sumário. 

O artigo 13 admite que a usucapião urbana seja alegada em defesa, valendo inclusive a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis. 

O artigo 11 do Estatuto diz que na pendência de ação de usucapião urbana, ficam suspensas as ações petitórias e as possessórias referentes ao imóvel.


4.4) Usucapião Urbana por Abandono de Lar - CC, art. 1.240-A

A Lei 12.241/201115 incluiu no sistema a usucapião especial urbana, por abandono do lar que encontra-se prevista no artigo 1.240-A do CC. Considerações:
  • É o menor tempo previsto para todas as espécies de usucapião;
  • Deve haver o abandono do lar, somado ao estabelecimento da moradia com posse direta e, pode atingir cônjuges ou companheiros, inclusive homoafetivos;
  • Em havendo disputa, judicial ou extrajudicial relativa ao imóvel, não ficará caracterizada a posse ad usucapionem. Portanto, o requisito “abandono do lar” deve ser interpretado de forma cautelosa e em conjunto com a quebra de outros deveres conjugais, por exemplo, o dever de sustento e assistência material, fato que onera de maneira desigual aquele que se manteve no imóvel, e, que, sozinho se responsabiliza pela manutenção da família e do próprio imóvel, o que justifica a perda da propriedade e a alteração do regime de bens quanto ao imóvel objeto da usucapião, conforme enunciado 499 da 5ª Jornada de Direito Civil.
No que diz respeito a questão intertemporal, tem prevalecido o entendimento de que o prazo para o exercício desse novo direito deve ser contado por inteiro, a partir do início da alteração legislativa. 

De acordo com o Enunciado 501 da 5ª Jornada, não é requisito indispensável para a nova espécie o divórcio ou a dissolução da união estável, bastando a mera separação de fato. Ex-cônjuge e ex-companheiro correspondem apenas à situação fática da separação.

Não há necessidade de que o ex-cônjuge ou ex-companheiro tenha a posse direta do imóvel, podendo o bem estar locado para terceiro. Portanto, não impede a usucapião o fato de eles terem apenas a posse indireta do bem.


4.5) Usucapião Rural, Especial ou Pró-labore - CF/88, art. 191. CC, art. 1.239

É aquela prevista para imóvel rural de até 5 hectares. 
  • O prazo é de cinco anos e não exige justo título;
  • O usucapiente não pode ser proprietário, de outro imóvel urbano ou rural, mas já pode ter sido beneficiado com esta espécie anteriormente; 
  • Ele deve morar no imóvel durante os 5 anos e, sendo esse requisito de caráter pessoal, não se admite a soma das posses,(mas, lembrar dos artigos 1.206 e 1.207 , primeira parte do CC);
  • Tem por objetivo fixar o homem no campo, mas a terra tem que cumprir com a sua função social;
  • A Lei 6.969/8123 permite que esta espécie seja alegada em matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título no cartório no registro de imóveis;
  • O rito é o sumário. 

4.6) Usucapião de Aeronaves - Lei 7.565/85, art. 116, III

Exige justo título, boa-fé e 5 anos de posse. 


4.7) Usucapião Urbana Coletiva - Estatuto da Cidade, art. 10

Visa a regularização de áreas de favelas ou de aglomerados residenciais sem condições de legalização do domínio. Não se trata, portanto, de terra bruta, mas sim de terra ocupada por pessoas que vivem em barracos ou habitações precárias construídas com material frágil e até mesmo com cobertura improvisada (Profº Carlos Roberto Gonçalves). 

Referida espécie veio para atender a população de baixa renda. Porém, o que se entende por população de baixa renda? O assunto é polêmico, e a doutrina tem entendido que deve o juiz decidir de acordo com a situação concreta. 

Requisitos necessários para usucapião urbana coletiva: 

a) Área urbana com mais de 250m2;

b) 5 anos de posse;

c) Que o local seja utilizado efetivamente para moradia;

d) Impossibilidade de delimitar a área de cada possuidor no cartório do registro de imóveis (haverá uma só matrícula para toda a área);

e) O usucapiente não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. O artigo 10 do Estatuto da Cidade admite a soma das posses, contanto que sejam contínuas. 

Para a propositura da ação, são partes legítima, de acordo com o artigo 12 do Estatuto:
  • Cada possuidor, isolodamente ou em litisconsórcio; 
  • Os compossuidores, quando houver composse; 
  • Associação de moradores constituída para esse fim. 
Na sentença, o juiz atribui uma fração igual do terreno para cada possuidor, caso não haja acordo entre eles. Ademais a sentença, constitui um condomínio indivisível, isto é, que não poderá ser extinto, salvo deliberação de 2/3 dos condôminos, no caso de reurbanização posterior - art. 10, §2º.


5) Procedimento - CPC, arts. 941 a 945

O rito é o ordinário, ou, o sumário, conforme o valor da causa, seja o bem móvel ou imóvel;
  • Em se tratando de usucapião especial, urbana ou rural, o rito é o sumário. 
O foro competente é o do local da situação do imóvel, na Vara de Registro Público onde houver, ou então na vara cível;
  • Se a União intervém no processo demonstrando interesse no imóvel, a competência é da justiça federal ainda que o Estado ou o Município também intervenham;
  • Se o Estado ou o Município ingressam no processo, dizendo que o bem é público, a competência é da Vara da Fazenda Pública. 
A petição inicial deve ser instruída, com a planta do imóvel, pois não podem ser usucapidos os bens que não estejam perfeitamente individualizados (tem que ser a planta do imóvel, não serve o croqui). 

São réus na ação de usucapião: 
  • O proprietário do imóvel; 
  • O confinante ou vizinho ou confrontante; e
  • Eventuais interessados, incertos e não sabidos. 
Todos eles deverão ser citados, sendo que os últimos o serão por edital. Há portanto, um litisconsórcio passivo necessário. 

O juiz nomeia um curador especial (advogado dativo) para os réus citados por edital. 

Serão notificados para participarem do processo: 
  • O MP que atua como fiscal da lei; 
  • As fazendas pública (Municipal, Estadual e Federal).


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